Sunday, June 11, 2017

Crise seletiva


Pedro J. Bondaczuk


O presidente Fernando Henrique Cardoso negou, em Davos, na Suíça, que a crise que abalou as economias dos chamados "tigres asiáticos" possa ter maiores desdobramentos no País. Afirmou e reiterou que as medidas que deveriam ser tomadas, para impedir um ataque especulativo ao real, o foram.

O Fundo Monetário Internacional concordou com ele e até elogiou a presteza com que providências preventivas foram adotadas. A concordância, contudo, não é consensual. O governo brasileiro recebeu também muitas críticas. Mas o presidente deu a entender que os economistas, muitos dos quais de renome e prestígio mundiais, que fizeram previsões sombrias sobre a economia do Brasil, estão "desinformados". Estariam de fato?

Oxalá FHC tenha razão. Pois as empresas de pequeno e médio portes --- empregadoras por excelência ---, amargam os efeitos do pacote de 51 medidas, editado em fins do ano passado, com créditos escassos e juros nas nuvens. Os trabalhadores, igualmente, --- aqueles que tiveram a felicidade de conservar seus empregos --- vão sentir no bolso a elevação do imposto de renda na fonte, de 25% para 27,5%, já no próximo hollerith. Seria perverso demais para eles que tanto sacrifício estivesse sendo feito por nada.

A atual crise, por ser "seletiva", é mais perversa do que as tantas enfrentadas pelo empresariado em passado recente. As empresas de grande porte, aquelas capitalizadas, modernas e bem administradas, pouco ou nada estão sentindo. Muitas, até, surpreendentemente, aumentaram as suas vendas, tradicionalmente fracas neste período do ano.

A macroeconomia, porém, contrariando o presidente, não vai bem das pernas. A balança comercial, por exemplo, voltou a registrar déficit considerável no mês de janeiro, superior a US$ 700 milhões. O balanço de pagamentos, igualmente, foi deficitário, em decorrência dos altos juros pagos pelo governo em sua monumental dívida interna. E a taxa de inflação beirou a 1%, muito alta neste período do real.

Enquanto isso, o Congresso, convocado extraordinariamente (a um custo exorbitante de R$ 1 milhão por dia), para votar as reformas --- notadamente a administrativa, no Senado, e a previdenciária, na Câmara --- mais uma vez fica devendo. Nessas circunstâncias, é difícil não dar razão aos economistas que prevêem um próximo ataque especulativo à moeda brasileira e, em contrapartida, concordar com o presidente Fernando Henrique de que essa possibilidade deva ser descartada.

Mas já está se aproximando o Carnaval e apenas depois dele é que o ano começa, de fato, no País. Como se trata de um período pré-eleitoral, a expectativa é de que ocorra uma providencial reativação econômica, posto que modesta, a partir do segundo trimestre. É com esta esperança que as empresas de pequeno e médio portes, atualmente em grandes dificuldades, e os trabalhadores, em especial o grande contingente de desempregados, contam. Isto, se FHC de fato estiver certo e o real permanecer a salvo de investidas dos grandes especuladores mundiais. Mas a palavra de ordem continua sendo "cautela".

(Artigo de 2 de fevereiro de 1997)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: