Pudor da adolescência
Pedro J. Bondaczuk
A adolescência é um momento
crítico na vida de qualquer pessoa. É mais difícil para uns, mais
tranqüilo para outros, mas é sempre complicado. É a fase
caracterizada pela incompreensão. A do adolescente, até que é
justificável, mas a do adulto não. Chega a ser paradoxal. Afinal,
todos, algum dia, já passamos, ou vamos passar, por esse período.
Será que os que julgam os
jovens com excessiva severidade não se lembram como agiam nessa fase
da vida? Parece que não. Criou-se um estereótipo do adolescente
(chamado, por muitos, de “aborrecente”) de rebelde, abusado, sem
pudor ou autocrítica.
Claro que é uma avaliação
equivocada e até burra, porque descamba para a generalização. O
psicanalista argentino, Juan-David Nasio, acostumado a lidar com
jovens em sua atividade profissional (portanto, sabe o que fala)
traçou o perfil do adolescente-padrão, em entrevista publicada no
caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo, em 9 de abril de 2000.
Entre outras conclusões,
destacou: “Penso que o que define a adolescência é o pudor
excessivo, a vergonha. O termo adolescência define um momento na
evolução da pessoa do ponto de vista temporal, mas não do ponto de
vista psíquico. Psiquicamente a adolescência é o momento em que há
uma excessiva autocrítica do super-eu”.
Estudantes... É o que, na
verdade, todos somos, adolescentes ou adultos, mesmo que não
freqüentemos nenhuma escola e até já sejamos profissionais
liberais esclarecidos e bem-sucedidos em nossas respectivas
profissões.
Gostamos de ostentar nossos
títulos de graduação, pós-graduação, doutorado etc. e não há
mal nenhum nisso. Afinal, são comprovações de sucessos obtidos em
nossa busca por conhecimento e especialização. Contudo, por mais
ilustrados que sejamos, sempre teremos algo para aprender.
Até o analfabeto não deixa
de ser um perpétuo estudante. Estuda, no seu caso, como sobreviver
sem o grande acervo de conhecimento contido nos livros e lhe é
inacessível. O indigente, por sua vez, é um estudante até mais
aplicado do que a maioria, pois tem que garantir a sobrevivência.
Estuda, entre outras coisas, meios para conseguir seu próximo prato
de comida ou maneiras de arranjar um abrigo que o proteja da chuva,
vento e frio.
Estudantes. É isso o que
sempre fomos, somos e seremos, enquanto estivermos vivos. Na escola
da vida, ninguém é diplomado jamais. Não são, pois, apenas os
adolescentes que têm que conviver com contínuo aprendizado, que
lhes confira a necessária experiência para enfrentar crises e
obstáculos.
Muitos podem se mostrar
surpresos com as conclusões de Nasio, enfatizando que a adolescência
se caracteriza pelo pudor excessivo, pela vergonha. A idéia que
prevalece é, justamente, a contrária. Ou seja, a de que o
adolescente é despudorado e atrevido. Que quebra padrões de
decência, estabelecendo costumes e comportamentos contrários aos
que herdaram de gerações anteriores. Na verdade, isso não passa de
mito.
O tempo é que interfere
decisivamente na maneira das pessoas se comportarem. Transforma
vários princípios morais, tidos e havidos como intocáveis em
determinadas épocas, para melhor ou para pior, dependendo das
circunstâncias. Raros são os valores que permanecem intactos, não
por milênios ou séculos, mas até mesmo por décadas ou somente por
um par de anos.
Aquilo que muitas vezes
consideramos como dogma incontestável em determinada época, com as
novas experiências de vida que temos, não raro cai por terra,
substituído por novas convicções. Melhores? Piores? É impossível
de avaliar. E esse processo de transformação não se dá, apenas,
no terreno da moral, mas em tudo o que somos, pensamos e fazemos.
Porquanto o tempo, muitas vezes, age como um químico desastrado,
desses que misturam substâncias erradas e explodem o laboratório.
Já que julgamos, com tamanha
severidade e preconceito, os adolescentes, como as futuras gerações
irão nos julgar? Vão compreender nossas limitações e ignorância
e nos perdoar por lhes legarmos um mundo tão imperfeito e cheio de
contradições, injustiças, violências e rancores, a despeito da
refinada tecnologia e dos avanços científicos que obtivemos e lhes
legamos?
Podem chamar-me de visionário,
mas acredito numa época em que o homem será amigo do homem. Em que
o egoísmo será banido e substituído pela solidariedade e na qual
reinarão, soberanas, a paz e a harmonia entre os povos, irmanados
numa só nação, a Terra.
Claro que não espero que isso
ocorra já amanhã, ou mesmo na presente geração. É questão de
tempo, de muito tempo. Por isso, faço minhas as palavras de Bertolt
Brecht, nestes versos de encerramento do poema “Aos que virão
depois de nós”:
“Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o
caminho para a/amizade,
não pudemos ser, nós mesmos,
bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o
tempo
em que o homem seja amigo do
homem,
pensem em nós/com um pouco de
compreensão”.
Mas para que isso ocorra,
temos que começar já a derrubar as barreiras do preconceito e
entender o adolescente como de fato é. Só assim poderemos lhe dar a
necessária orientação e não ter os jovens, apenas porque viveram
menos anos do que nós, como antagonistas, que na verdade não são.
Ou, pelo menos, não deveriam ser.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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