O sucesso e o risco
Pedro
J. Bondaczuk
As pessoas – pelo menos as
que conheço, pessoalmente ou através dos meios de comunicação,
como televisão, rádio, jornais, revistas e livros – tendem a
apostar no catastrofismo, no negativismo, no lado obscuro e perverso
da alma. Tanto que através dos séculos se espera o "fim do
mundo", mediante algum cataclismo determinado por eventual
"castigo divino" (como se houvesse um Deus iracundo e
vingativo disposto a castigar seus filhos), ou vindo do espaço, ou
provocado pelo próprio homem. A história da humanidade é uma
sucessão interminável de guerras, tiranias, corrupção e barbárie,
como se o ser humano soubesse somente praticar o mal. Mas isso está
longe da verdade. Ou pelo menos de toda ela.
Também tivemos, através dos
tempos, os santos, os altruístas, os abnegados e os puros de
coração. E temo-los ainda no nosso convívio ou ao nosso redor.
Estes, porém, não atraem ninguém. Há quem os ache uns "chatos",
pois com a simples presença "esfregam" no rosto da maioria
suas deficiências, fraquezas, covardias, transgressões e
imoralidades. As pessoas, consciente ou inconscientemente, assumem
sua maldade latente, daí viverem procurando nos outros o mesmo
sentimento.
Mas seria o mundo "valhacouto
de canalhas", como somos forçados a crer desde que tomamos
consciência da realidade? A vida não teria mesmo sentido? Seria uma
experiência aleatória? Estaríamos vivos apenas por acaso, sem
nenhum objetivo maior senão o de simplesmente viver, por um prazo
nunca conhecido, e depois se extinguir, sem deixar rastros ou
vestígios? Recuso-me a crer em tudo isso. Muitas vezes, por ter uma
visão positiva da realidade e alimentar e disseminar esperanças,
sou criticado como sendo um intelectual alienado. Como se isso fosse
ainda possível com tanta sujeira lançada pelos meios de comunicação
em nosso colo, todos os dias!
Não há como negar que a vida
implica em permanente risco. Não somente os inerentes à nossa
fragilidade face ao mundo que nos cerca, mas principalmente os do
convívio com nossos semelhantes. Ninguém está a salvo, por
exemplo, de ser atacado e morto por algum dos tantos malucos,
enrustidos ou ostensivos, a qualquer momento ou em qualquer lugar.
Tanto aqueles com os quais cruzamos fortuitamente, quanto alguns que
podem até conviver conosco, no trabalho, no lazer, na escola e às
vezes até debaixo do nosso teto. Quase que diariamente, podemos ver,
ou tomamos ciência, de vários exemplos desse tipo, em que pessoas
são assassinadas por acaso, por se envolverem em alguma briga tola
ou apenas por estarem perto de algum desequilibrado, que sem esta ou
mais aquela, lhes suprime a vida.
Mas se estamos expostos a
perigos, temos, também, diante de nós, inúmeras oportunidades à
espera que as identifiquemos e nos apropriemos delas. Os pessimistas,
na verdade, são os medrosos, os que se recusam a assumir
responsabilidades pelo próprio futuro. Esse negativismo é uma forma
de lançar a culpa pelos próprios fracassos sobre ombros alheios e
de justificar a inércia. Charlotte Joko Beck diz mais ou menos isto,
neste trecho do livro "Sempre Zen":
"Quando achamos nossa
vida desagradável ou insatisfatória, tentamos nos livrar desse
incômodo por meio de vários mecanismos de escape sutis. Com tais
tentativas, estamos tratando nossa vida como se houvesse um mim e uma
vida fora de mim. Enquanto tratarmos nossa vida dessa forma, faremos
com que todos os nossos esforços se dirijam ao encontro de algo ou
de alguém que cuide de nossa vida por nós. Podemos procurar amante,
um mestre, uma religião, um centro – algum lugar, alguém ou
alguma coisa que resolva nossa dificuldade por nós. Enquanto
tivermos nossa vida desse modo dualista estaremos nos enganando e
acreditando que não é preciso pagar preço algum por uma vida
realizada. Todos partilhamos essa desilusão em graus variáveis; e
isso só nos leva a uma vida de torturas".
Cansei de receber telefonemas
de pessoas fracassadas condenando o meu otimismo com indisfarçável
rancor e atribuindo-o a uma suposta existência despreocupada e
protegida. Dizem-me que não sei o que é o sofrimento, que devo ser
"filhinho de papai" e outras bobagens do tipo. Óbvio que
quem tira essas conclusões, baseado apenas no que escrevo, não sabe
nada a meu respeito. Tenho cultura, é verdade. Mas tive que pagar um
preço altíssimo por ela, abrindo mão de repouso, lazer e de uma
série de regalias e satisfações simples, a que o mais humilde dos
humildes tem acesso.
Algo que pouca gente sabe é
que sou paraplégico e tive que fazer um esforço sobreumano para
conseguir simplesmente andar, e de muletas, contrariando todas as
previsões médicas. E dá para se imaginar o que espera alguém que
tenha qualquer deficiência física neste País, que é a sociedade
mais injusta e preconceituosa do mundo, de acordo com estatísticas
internacionais confiáveis. As circunstâncias da minha vida, em vez
de me tornarem amargo, fazem-me ser um sujeito feliz. Paguei um preço
para conquistar alguns dos meus sonhos e me dei bem. E, além disso,
se chorar trouxesse alguma vantagem, eu estaria disposto a inundar o
Planeta com minhas lágrimas. Como não traz...
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