Thursday, June 22, 2017

O acaso escreve a História



Pedro J. Bondaczuk


A Histórias, em geral, é escrita com as tintas do acaso. Acontecimentos aparentemente banais findam por detonar momentos decisivos, tendentes a transformar a realidade. Foi o que ocorreu no Brasil, por exemplo, em 16 de agosto passado, com a chamada “guerra das cores”.

Um erro de avaliação do então presidente Fernando Collor (de triste memória para o País) gerou o fato novo que faltava para determinar o seu afastamento. Sinalizou para os políticos, em especial para os que mantêm posições ambíguas, para os fisiologistas, para os oportunistas e para os que atuam na vida pública não com o sentido que deveriam atuar, que é o da busca do bem comum, mas de forma demagógica, sempre de olho nas próximas eleições, que a população repudiava os atos criminosos (para não falar das atitudes histriônicas) do então governante.

O incidente surgiu de um desafio. As mazelas e as falcatruas do governo estavam, na oportunidade, sendo investigadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, e as provas da culpabilidade de Collor acumulavam-se em profusão. Surgiam, aqui e ali, posto que timidamente, os primeiros ensaios para um até então impensável pedido de impeachment.

Foi quando o presidente, num pronunciamento pela televisão, teve a infeliz (para ele e feliz para o Brasil) ideia de propor que todos os que o apoiassem vestissem, no dia 16 de agosto, um domingo, roupas verdes ou amarelas, ou enfeitassem seus carros, lojas e janelas e sacadas das casas, com as cores da bandeira nacional.

Resultado? É escusado repetir. Todos, certamente, lembram-se do que aconteceu. Subitamente, o País como que se cobriu de negro, para expressar sua indignação, desencanto e vergonha acerca do que acontecia em Brasília.

A partir daí, cresceu, incontrolavelmente, a onda de protestos populares contra Collor, espontâneos ou induzidos, não importa. Jovens, até então indiferentes e desencantados com a política, foram a ruas e praças para exigir o afastamento da quadrilha que havia se instalado no Palácio do Planalto. Sem ter, certamente, consciência disso, os chamados “caras-pintadas” escreveram, ou ajudaram a escrever, um episódio dramático e talvez decisivo da nossa História. Resgataram o verdadeiro sentido da cidadania.

A partir de então, os fatos se desencadearam. Pouco mais de um mês depois, a Câmara dos Deputados votava o afastamento do presidente e autorizava o Senado a iniciar o processo de impeachment. Trata-se de acontecimentos tão próximos de nós, tão “ontem”, e no entanto parecem estar já tão distantes!

Qual a lição que se pode extrair disso tudo? Várias. Uma delas é a de que a paciência dos cidadãos, por mais dóceis, pacatos ou indiferentes que sejam, tem limites. Mas a reflexão maior que deveria ser feita a partir desses dramáticos episódios é a sugerida pelo cineasta Cacá Diegues, num artigo publicado no caderno “Ideias”, do “Jornal do Brasil”, em 26 de setembro de 1992, a antevéspera do impeachment: “Talvez terminemos por compreender que essa monstruosa corrupção oficial é apenas a filha mais gorda do mito brasileiro da ginga e da bossa, do elogio do macunaísmo acima de todas as leis. Um mito que, estimulado até por alguns dos nossos melhores intelectuais, nos transforma num campo de provas para uma civilização em que os valores sejam menos importantes que os resultados”. Tomara que a lição tenha servido para alguma coisa.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de setembro de 1993)


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