Sunday, June 04, 2017

Risco de escassez


Pedro J. Bondaczuk


A recessão econômica, registrada no País nos últimos quatro anos, aliada à inflação e ao desemprego, fez com que a mesa do brasileiro tivesse cada vez menos alimentos no ano que está terminando, conforme atestam as diversas estatísticas a respeito. Embora a economia tenha apresentado pálidos sintomas de um princípio de recuperação, um setor certamente criará sérias preocupações para o próximo presidente (provavelmente Tancredo Neves), por ser fundamental em qualquer país: o da agricultura.

Recentemente, o programa "Câmera Aberta", da TV Cultura (do dia 22 de novembro passado), fez um alerta às autoridades, demonstrando que se alguma providência não for tomada com a máxima urgência, em 1985 haverá falta de alimentos no País. Aliada a diversos fatores climáticos adversos (estiagem, em alguns casos, e chuvas em excesso, em outros), a ocupação de extensas áreas de terra por monoculturas voltadas para o setor energético (cana-de-açúcar) ou para exportação (soja), reduziu dramaticamente a oferta de produtos para a subsistência, tais como o feijão, o arroz, a batata e o milho.

A conseqüência disso, não é necessário ser nenhum técnico para perceber, é a natural elevação de preços, desmoralizando qualquer tentativa e acabando com todos os esforços para conter o maior mal de nossa economia na atualidade: a inflação. Mas esse enfoque dado para culturas como a da cana e a da soja, não é o único responsável pelo problema, embora tenha servido para agravar a situação. Desde 1970, por exemplo, reduz-se, de ano para ano, conforme um informe da FAO (que é o órgão das Nações Unidas voltado para a agricultura e alimentação) o porcentual de mão de obra na área agrícola. E não porque o Brasil esteja experimentando algum espetacular processo de mecanização nesse setor ou coisa que o valha. O que está acontecendo é que, desassistido, o pequeno agricultor se vê impossibilitado de prosseguir na atividade e está vendendo, a qualquer preço, suas terras, equipamentos e animais e se mudando para as grandes cidades, onde sempre será "um peixe fora d'água".

Segundo as estatísticas da FAO, o País tinha, em 1970, para uma população de 95,19 milhões, 43,43 milhões vivendo na zona rural e se ocupando com essa atividade, ou seja, 45,6% de seus habitantes. No mesmo período, a taxa mundial era de 51,3%. Uma década depois, essa cifra caiu dramaticamente para 38,2%. Entretanto, o número de brasileiros aumentou em quase 30%. Não é preciso ser nenhum gênio para depreender que a produção alimentar, em conseqüência, também caiu proporcionalmente.

Para que o leitor tenha uma idéia da política errada (e a curto prazo, até desastrosa) adotada na agricultura, basta afirmar que no período de 1969 a 1980, enquanto a cultura de cana-de-açúcar cresceu 27%; a de soja, 24% e a de laranja, 15%, a produção de feijão baixou em 42%; a de arroz, 20%; a de batata, 20% e a de milho, 13%.

Qual fórmula mágica, pois, pode segurar um processo inflacionário renitente, havendo escassez exatamente daquilo que não pode faltar em circunstância alguma (por ser essencial à sobrevivência de todos, indistintamente), ou seja, a própria comida? E para complicar as coisas, a presente safra agrícola mundial, à exceção dos EUA, da China e de mais uns poucos países, será uma das piores dos últimos tempos. Em outras palavras, sem apoiarmos as teses de Robert Malthus, mas nos atendo apenas a fatos fartamente divulgados, enquanto o número de bocas para alimentar cresceu em progressão geométrica, a produção de alimentos aumentou apenas em progressão aritmética (ou quase). Essa escassez, comprovada, portanto, deverá elevar a cotação dos principais produtos no mercado internacional, forçando o País (que por sinal possui a segunda maior área agriculturável do Planeta) a despender preciosos dólares, amealhados com sacrifícios imensos, num notável esforço exportador, exatamente com produtos agrícolas, que deveriam carreá-los, pela lógica, para os cofres nacionais.

Notem os leitores que a safra brasileira de grãos há seis anos não consegue passar do patamar das 50 milhões de toneladas. Se a desnutrição, nesse período doloroso de "vacas magérrimas", já passou a extrapolar as classes mais desfavorecidas, chegando a rondar parte da classe média, com a escassez que se desenha por aí, ela poderá alcançar proporções intoleráveis. O economista Fernando Homem de Mello, durante o programa da TV Cultura, mencionado acima, chegou mesmo a prever que, se não forem estancadas as causas que estão levando os pequenos agricultores a abandonarem a atividade e o processo prosseguir da maneira que está, já no próximo ano, isto é, dentro de menos de um mês, faltarão alimentos para o nosso consumo. Sem dúvida, um magnífico problema para testar a eficácia do próximo governo, a ser instalado a partir de 15 de março.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 9 de dezembro de 1984)



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: