Risco de escassez
Pedro J. Bondaczuk
A recessão econômica,
registrada no País nos últimos quatro anos, aliada à inflação e
ao desemprego, fez com que a mesa do brasileiro tivesse cada vez
menos alimentos no ano que está terminando, conforme atestam as
diversas estatísticas a respeito. Embora a economia tenha
apresentado pálidos sintomas de um princípio de recuperação, um
setor certamente criará sérias preocupações para o próximo
presidente (provavelmente Tancredo Neves), por ser fundamental em
qualquer país: o da agricultura.
Recentemente, o programa
"Câmera Aberta", da TV Cultura (do dia 22 de novembro
passado), fez um alerta às autoridades, demonstrando que se alguma
providência não for tomada com a máxima urgência, em 1985 haverá
falta de alimentos no País. Aliada a diversos fatores climáticos
adversos (estiagem, em alguns casos, e chuvas em excesso, em outros),
a ocupação de extensas áreas de terra por monoculturas voltadas
para o setor energético (cana-de-açúcar) ou para exportação
(soja), reduziu dramaticamente a oferta de produtos para a
subsistência, tais como o feijão, o arroz, a batata e o milho.
A conseqüência disso, não é
necessário ser nenhum técnico para perceber, é a natural elevação
de preços, desmoralizando qualquer tentativa e acabando com todos os
esforços para conter o maior mal de nossa economia na atualidade: a
inflação. Mas esse enfoque dado para culturas como a da cana e a da
soja, não é o único responsável pelo problema, embora tenha
servido para agravar a situação. Desde 1970, por exemplo, reduz-se,
de ano para ano, conforme um informe da FAO (que é o órgão das
Nações Unidas voltado para a agricultura e alimentação) o
porcentual de mão de obra na área agrícola. E não porque o Brasil
esteja experimentando algum espetacular processo de mecanização
nesse setor ou coisa que o valha. O que está acontecendo é que,
desassistido, o pequeno agricultor se vê impossibilitado de
prosseguir na atividade e está vendendo, a qualquer preço, suas
terras, equipamentos e animais e se mudando para as grandes cidades,
onde sempre será "um peixe fora d'água".
Segundo as estatísticas da
FAO, o País tinha, em 1970, para uma população de 95,19 milhões,
43,43 milhões vivendo na zona rural e se ocupando com essa
atividade, ou seja, 45,6% de seus habitantes. No mesmo período, a
taxa mundial era de 51,3%. Uma década depois, essa cifra caiu
dramaticamente para 38,2%. Entretanto, o número de brasileiros
aumentou em quase 30%. Não é preciso ser nenhum gênio para
depreender que a produção alimentar, em conseqüência, também
caiu proporcionalmente.
Para que o leitor tenha uma
idéia da política errada (e a curto prazo, até desastrosa) adotada
na agricultura, basta afirmar que no período de 1969 a 1980,
enquanto a cultura de cana-de-açúcar cresceu 27%; a de soja, 24% e
a de laranja, 15%, a produção de feijão baixou em 42%; a de arroz,
20%; a de batata, 20% e a de milho, 13%.
Qual fórmula mágica, pois,
pode segurar um processo inflacionário renitente, havendo escassez
exatamente daquilo que não pode faltar em circunstância alguma (por
ser essencial à sobrevivência de todos, indistintamente), ou seja,
a própria comida? E para complicar as coisas, a presente safra
agrícola mundial, à exceção dos EUA, da China e de mais uns
poucos países, será uma das piores dos últimos tempos. Em outras
palavras, sem apoiarmos as teses de Robert Malthus, mas nos atendo
apenas a fatos fartamente divulgados, enquanto o número de bocas
para alimentar cresceu em progressão geométrica, a produção de
alimentos aumentou apenas em progressão aritmética (ou quase). Essa
escassez, comprovada, portanto, deverá elevar a cotação dos
principais produtos no mercado internacional, forçando o País (que
por sinal possui a segunda maior área agriculturável do Planeta) a
despender preciosos dólares, amealhados com sacrifícios imensos,
num notável esforço exportador, exatamente com produtos agrícolas,
que deveriam carreá-los, pela lógica, para os cofres nacionais.
Notem os leitores que a safra
brasileira de grãos há seis anos não consegue passar do patamar
das 50 milhões de toneladas. Se a desnutrição, nesse período
doloroso de "vacas magérrimas", já passou a extrapolar as
classes mais desfavorecidas, chegando a rondar parte da classe média,
com a escassez que se desenha por aí, ela poderá alcançar
proporções intoleráveis. O economista Fernando Homem de Mello,
durante o programa da TV Cultura, mencionado acima, chegou mesmo a
prever que, se não forem estancadas as causas que estão levando os
pequenos agricultores a abandonarem a atividade e o processo
prosseguir da maneira que está, já no próximo ano, isto é, dentro
de menos de um mês, faltarão alimentos para o nosso consumo. Sem
dúvida, um magnífico problema para testar a eficácia do próximo
governo, a ser instalado a partir de 15 de março.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 9 de dezembro de 1984)
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