O acaso escreve a História
Pedro
J. Bondaczuk
A História,
em geral, é escrita com as tintas do acaso. Acontecimentos
aparentemente banais findam por detonar momentos decisivos, tendentes
a transformar a realidade. Foi o que ocorreu no Brasil, por exemplo,
em 16 de agosto do ano passado, com a chamada “guerra das cores”.
Um
erro de avaliação do então presidente Fernando Collor (de triste
memória para o País) gerou o fato novo que faltava para determinar
o seu afastamento. Sinalizou para os políticos, em especial para os
que mantêm posições ambíguas, para os fisiológicos, para os
oportunistas e para os que atuam na vida pública não com o sentido
que deveriam atuar, que é o da busca do bem comum, mas de forma
demagógica, sempre de olho nas próximas eleições, que a população
repudiava os atos criminosos (para não falar das atitudes
histriônicas) do então governante.
O
incidente surgiu de um desafio. As mazelas e as falcatruas do governo
estavam na oportunidade sendo investigadas por uma Comissão
Parlamentar de Inquérito, e as provas da culpabilidade de Collor
acumulavam-se em profusão.
Surgiam,
aqui e ali, posto que timidamente, os primeiros ensaios para um até
então impensável pedido de impeachment. Foi quando o presidente,
num pronunciamento pela televisão, teve a infeliz (para ele e feliz
para o Brasil) idéia de propor que todos os que o apoiassem
vestissem, no dia 16 de agosto, um domingo, roupas verdes ou
amarelas, ou enfeitassem seus carros, lojas e janelas e sacadas das
casas, com as cores da bandeira nacional.
Resultado?
É escusado repetir. Todos, certamente, lembram-se do que aconteceu.
Subitamente, o País como que se cobriu de negro, para expressar sua
indignação, desencanto e vergonha acerca do que acontecia em
Brasília.
A
partir daí cresceu incontrolavelmente a onda de protestos populares
contra Collor, espontâneos ou induzidos, não importa. Jovens, até
então indiferentes e desencantados com a política, foram a ruas e
praças para exigir o afastamento da quadrilha que havia se instalado
no Palácio do Planalto.
Sem
ter, certamente, consciência disso, os chamados “caras
pintadas”escreveram, ou ajudaram a escrever, um episódio dramático
e talvez decisivo da nossa História. Resgataram o verdadeiro sentido
de cidadania.
A
partir de então, os fatos se desencadearam. Pouco mais de um mês
depois, a Câmara dos Deputados votava o afastamento do presidente e
autorizava o Senado a iniciar o processo de impeachment. São de
acontecimentos tão próximos de nós, tão “ontem”, e no entanto
parecem estar já tão distantes!
Qual
a lição que se pode extrair disso tudo? Várias. Uma delas é a de
que a paciência dos cidadãos, por mais dóceis, pacatos ou
indiferentes que sejam, tem limites. Mas a reflexão maior que
deveria ser feita, a partir desses dramáticos episódios é a
sugerida pelo cineasta Cacá Diegues, num artigo publicado no caderno
“Idéias”, do “Jornal do Brasil”, em 26 de setembro de 1992,
a antevéspera do impeachment: “Talvez terminemos por compreender
que essa monstruosa corrupção oficial é apenas a filha mais gorda
do mito brasileiro da ginga e da bossa, do elogio do macunaísmo
acima de todas as leis. Um mito que, estimulado até por alguns dos
nossos melhores intelectuais, nos transforma num campo de provas para
uma civilização em que os valores sejam menos importantes que os
resultados”. Tomara que a lição tenha servido para alguma coisa.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular).
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