Monday, June 12, 2017

Miséria é maior ameaça


Pedro J. Bondaczuk


O ex-presidente da extinta União Soviética, Mikhail Gorbachev, na recente passagem pelo Brasil, mostrou por que tem uma legião de admiradores espalhada pelo mundo todo e a razão de hoje já ser olhado como um dos grandes mitos deste século.

É verdade que também possui críticos em profusão, como o representante do MR-8, que chamou o pai da "perestroika", no Rio de Janeiro, de "lixo da história". Nesse incidente, o líder não se abalou e mostrou todo o seu bom humor. Chegou até mesmo a tentar um diálogo racional com um fanático tomado pela irracionalidade.

As declarações, atos e posturas de Gorbachev virtualmente encantaram jornalistas, populares, empresários e todos os que tiveram com ele alguma espécie de contato. Mesmo os que não concordam com suas idéias. O homem que mudou os destinos da humanidade, contribuindo decisivamente para o fim da Guerra Fria, entre as muitas coisas que disse, alertou as pessoas para um outro perigo que ameaça atualmente o Planeta: a miséria.

Esta, o ex-presidente soviético pôde conhecer de perto, ao fazer questão de visitar uma favela carioca. Embora tenha ido à Rocinha, que comparada a outras tantas que há no País chega a ser um "bairro de luxo", se confessou chocado com o que viu.

"Estou com o coração apertado", desabafou. "O Brasil precisa fazer alguma coisa para mudar este quadro", acrescentou. E precisa mesmo. Mas não disse isso com nenhum ar pedante, de conselheiro na casa dos outros.

Admitiu que em termos de miséria a Rússia também tem muita. Ressaltou que russos e brasileiros têm problemas parecidos, embora por razões diversas, e que é necessária uma conscientização nacional geral para acabar com esses enormes e insanos desajustes sociais.

Uma das coisas que chamaram a atenção nas declarações de Gorbachev foi a sua visão sobre o papel do Estado. Para o ex-presidente, sua função não é a de empresário que venha a disputar com a iniciativa privada aquilo que ela sabe fazer melhor e nem a de controlador absoluto da vontade, dos destinos e da vida dos cidadãos.

Essa instituição, que precisa ser repensada nesta virada de século e de milênio, deve ser, sobretudo, um árbitro nas relações sociais. Impedir abusos, injustiças e delitos de quem quer que seja.

Nas sociedades, como na própria vida, o mais apto, o mais aplicado, o mais operoso e o mais capaz devem e sempre irão prevalecer. Isto, porém, não implica o extermínio do mais fraco, e muito menos pela fome. Cabe ao Estado --- ou pelo menos deveria caber --- a criação de mecanismos que impedissem a miserabilidade absoluta. Mas não é o que se vê no mundo.

Hoje, dois terços da humanidade vegetam nos limites da sobrevivência. Exemplo clássico é o que ocorre na Somália. Pode haver risco maior para a paz e a estabilidade mundiais do que o desespero de tanta gente? É este o mundo que esta geração sonha e trabalha por construir e legar em herança aos descendentes?

Hoje em dia o grau de insensibilidade social atingiu tamanho patamar, que alertas desse tipo não são mais levados em conta. Quem poderia fazer alguma coisa, mostra irritação quando o assunto é levantado, achando que se trata de mero exercício acadêmico de "intelectual desocupado".

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de dezembro de 1992).



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