Miséria é maior ameaça
Pedro J. Bondaczuk
O ex-presidente da extinta
União Soviética, Mikhail Gorbachev, na recente passagem pelo
Brasil, mostrou por que tem uma legião de admiradores espalhada pelo
mundo todo e a razão de hoje já ser olhado como um dos grandes
mitos deste século.
É verdade que também possui
críticos em profusão, como o representante do MR-8, que chamou o
pai da "perestroika", no Rio de Janeiro, de "lixo da
história". Nesse incidente, o líder não se abalou e mostrou
todo o seu bom humor. Chegou até mesmo a tentar um diálogo racional
com um fanático tomado pela irracionalidade.
As declarações, atos e
posturas de Gorbachev virtualmente encantaram jornalistas, populares,
empresários e todos os que tiveram com ele alguma espécie de
contato. Mesmo os que não concordam com suas idéias. O homem que
mudou os destinos da humanidade, contribuindo decisivamente para o
fim da Guerra Fria, entre as muitas coisas que disse, alertou as
pessoas para um outro perigo que ameaça atualmente o Planeta: a
miséria.
Esta, o ex-presidente
soviético pôde conhecer de perto, ao fazer questão de visitar uma
favela carioca. Embora tenha ido à Rocinha, que comparada a outras
tantas que há no País chega a ser um "bairro de luxo", se
confessou chocado com o que viu.
"Estou com o coração
apertado", desabafou. "O Brasil precisa fazer alguma coisa
para mudar este quadro", acrescentou. E precisa mesmo. Mas não
disse isso com nenhum ar pedante, de conselheiro na casa dos outros.
Admitiu que em termos de
miséria a Rússia também tem muita. Ressaltou que russos e
brasileiros têm problemas parecidos, embora por razões diversas, e
que é necessária uma conscientização nacional geral para acabar
com esses enormes e insanos desajustes sociais.
Uma das coisas que chamaram a
atenção nas declarações de Gorbachev foi a sua visão sobre o
papel do Estado. Para o ex-presidente, sua função não é a de
empresário que venha a disputar com a iniciativa privada aquilo que
ela sabe fazer melhor e nem a de controlador absoluto da vontade, dos
destinos e da vida dos cidadãos.
Essa instituição, que
precisa ser repensada nesta virada de século e de milênio, deve
ser, sobretudo, um árbitro nas relações sociais. Impedir abusos,
injustiças e delitos de quem quer que seja.
Nas sociedades, como na
própria vida, o mais apto, o mais aplicado, o mais operoso e o mais
capaz devem e sempre irão prevalecer. Isto, porém, não implica o
extermínio do mais fraco, e muito menos pela fome. Cabe ao Estado
--- ou pelo menos deveria caber --- a criação de mecanismos que
impedissem a miserabilidade absoluta. Mas não é o que se vê no
mundo.
Hoje, dois terços da
humanidade vegetam nos limites da sobrevivência. Exemplo clássico é
o que ocorre na Somália. Pode haver risco maior para a paz e a
estabilidade mundiais do que o desespero de tanta gente? É este o
mundo que esta geração sonha e trabalha por construir e legar em
herança aos descendentes?
Hoje em dia o grau de
insensibilidade social atingiu tamanho patamar, que alertas desse
tipo não são mais levados em conta. Quem poderia fazer alguma
coisa, mostra irritação quando o assunto é levantado, achando que
se trata de mero exercício acadêmico de "intelectual
desocupado".
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de dezembro de 1992).
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