Saturday, June 10, 2017

Aventureiros desfazem superpotência


Pedro J. Bondaczuk


A União Soviética, que há muito já deixou de ser superpotência, embora detenha um enorme potencial bélico capaz de destruir muitos planetas do porte da Terra, está lutando agora pela própria sobrevivência enquanto nação. As tensões étnicas, os ódios raciais seculares e os antagonismos regionais, represados por sete décadas, estão aflorando irresistivelmente, ameaçando levar de roldão o federacionismo.

O nacionalismo, verdadeiro anacronismo nos tempos atuais, ganha corpo e cresce de maneira impressionante, não somente nas regiões do Báltico e do Cáucaso, mas praticamente pela totalidade dos mais de 20 milhões de quilômetros quadrados do país com a maior extensão territorial do mundo.

O novo tratado de união, elaborado por Mikhail Gorbachev e sua equipe, se contém falhas, é infinitamente mais evoluído do que o atual, que data de 1922. Ainda assim, líderes regionais populistas, de uma miopia política contundente, opõem-se a ele, na base do "não li e não gostei", indiferentes se suas Repúblicas têm ou não condições de sobreviver com dignidade enquanto Estados independentes.

A onda contra Gorbachev cresce a cada dia que passa, colocando a sobrevivência, não apenas da "perestroika", mas até mesmo do cargo e da permanência na vida pública desse fascinante estadista, em absoluto risco.

O populismo tem um retrospecto trágico no correr da história, em especial neste século, quando foi causa de pelo menos duas guerras mundiais. Mas os soviéticos, e em especial os russos, estão se deixando levar pelo "canto da sereia" das propostas de Bóris Yeltsin, vagas ao extremo, que nem mesmo ele próprio é capaz de defini com clareza quais sejam.

É evidente para qualquer analista à distância do palco da tragédia qual é o objetivo do presidente da Rússia: o poder pelo poder. Seus seguidores, todavia, agindo na base do puro desespero, sequer param para fazer a mínima análise a respeito. Embarcam nas promessas mirabolantes desse líder que não desperta a mínima confiabilidade nos círculos ocidentais mais sérios, que entendem a necessidade de uma União Soviética forte e democratizada, para a manutenção do equilíbrio mundial.

O país está à beira de uma guerra civil que parece a cada dia mais próxima e inevitável. A população vem tomando Gorbachev, responsável pela miraculosa abertura democrática num Estado que já foi tido como a mais rígida e perversa ditadura que o mundo conheceu, como bode expiatório para vícios, desmandos e erros que se acumularam por sete décadas.

É um processo de catarse coletiva, ao mesmo tempo em que o povo concentra todas suas esperanças em quem lhe acena com prosperidade, caída do céu, com riqueza fácil até, o que, convenhamos, realisticamente não passa de um perigoso e irresponsável exercício de demagogia.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 12 de março de 1991).



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