URSS cai no abismo do vácuo
de poder
Pedro J. Bondaczuk
O jornal Pravda, que voltou a
circular há poucos dias, reestruturado, agora não mais na qualidade
de órgão oficial do Partido Comunista da URSS, estampou como
manchete, ontem, uma pergunta que todos estão fazendo desde que o
gigantesco império eurasiano começou a se esfacelar, na esteira do
fracasso do golpe de Estado de 19 de agosto passado contra o
presidente Mikhail Gorbachev: "A União Soviética tem futuro?".
O próprio diário respondeu:
"Claro". Mas não é isso o que os fatos indicam, com a
instabilidade, a incerteza e o caos predominando nesse território
que abrange um sexto das terras do Planeta. Ninguém sabe quem manda
de fato na URSS atual. Seria Bóris Yeltsin? Talvez no âmbito da
Rússia, ou em sua maior parte, sim.
Mesmo dentro de sua República,
todavia, o presidente russo vem sendo desafiado por líderes de
dezenas de regiões autônomas, habitadas por minorias étnicas, que
se propõem a seguir caminhos próprios.
Um desses casos é o do
Tatastão --- outro dos tantos nomes exóticos, que a maioria não
apenas dos leitores, mas também dos analistas políticos, sequer
suspeitavam que existissem e com os quais terão que se familiarizar
rapidamente ---, que está oferecendo o seu petróleo, à revelia de
Moscou, no mercado internacional, a US$ 5 o barril, quatro vezes
menos do que a média cobrada.
Gorbachev, nominalmente, conta
com autoridade, que lhe foi conferida, na semana passada, pelo
Congresso dos Deputados do Povo, dentro do novo elenco legal aprovado
por esse órgão legislativo para reger a administração
supra-republicana.
Todavia, os acontecimentos das
últimas horas mostraram que suas prerrogativas enquanto presidente
dos Conselhos de Estado e Econômico Interrepublicano existem apenas
no papel. Nenhuma das dez Repúblicas que anunciaram a disposição
de aderir à nova confederação aprovada está disposta, na prática,
a participar dessa tentativa de conservar um mínimo de ordem no
esfacelado império.
O presidente soviético,
certamente, jamais pensou que seu projeto de transformação da União
Soviética fosse implicar, na verdade, sua destruição. Em vários
trechos do seu célebre livro "Perestroika - Uma proposta para o
Meu País e o Mundo", cujas idéias foram o catalisador que
conduziu à desmontagem do monolítico sistema comunista, ele exortou
seu povo a deixar de lado a apatia e discutir tudo o que dissesse
respeito à vida pública. Que contestasse, denunciasse, protestasse
e não se deixasse vencer pela letargia que caracterizava o quadro de
então e dava espaço à mentira, ao cinismo, à incompetência e à
corrupção.
O povo atendeu-o. Mas foi
além das suas expectativas. Contestou a própria existência de uma
URSS. Gorbachev, ao longo de sua quixotesca cruzada, também advertiu
os soviéticos dos riscos de seguirem políticos oportunistas,
aventureiros inescrupulosos, que do alto de um palanque, muitas vezes
improvisado num caixote de cebolas, prometiam o paraíso aos que os
seguissem, como se possuíssem uma varinha de condão que, sem nenhum
trabalho, nenhum planejamento sério, nenhuma direção competente,
nenhum capital, fizesse brotar riquezas do ar, de onde elas não
existiam.
A população preferiu não
atender suas sensatas advertências. Demagogos, hoje, brotam como
ervas daninhas por toda a União Soviética. O nacionalismo
exacerbado está fazendo escola e levando as pessoas a tirarem os pés
do chão firme da realidade e a aceitarem fantasias como fatos
consumados.
De que forma as Repúblicas
que integravam a antiga URSS pretendem sobreviver sozinhas,
independentes, se não dispõem do mínimo necessário sequer para
comer? Fica implícito nas entrelinhas dos inflamados discursos dos
líderes separatistas que eles acham que o Ocidente irá recebê-los
de braços abertos, repartir as riquezas que conseguiu com ingentes
sacrifícios dos escombros da Segunda Guerra Mundial e que seu povo
não precisará trabalhar muito para se enriquecer da noite para o
dia.
Não é preciso, porém, ser
nenhum gênio para perceber a enrascada em que os demagogos estão
colocando esses incautos, pondo em xeque a própria estabilidade
política mundial.
(Artigo publicado na página
17, Internacional, do Correio Popular, em 10 de agosto de 1991).
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