Thursday, June 29, 2017

URSS cai no abismo do vácuo de poder


Pedro J. Bondaczuk


O jornal Pravda, que voltou a circular há poucos dias, reestruturado, agora não mais na qualidade de órgão oficial do Partido Comunista da URSS, estampou como manchete, ontem, uma pergunta que todos estão fazendo desde que o gigantesco império eurasiano começou a se esfacelar, na esteira do fracasso do golpe de Estado de 19 de agosto passado contra o presidente Mikhail Gorbachev: "A União Soviética tem futuro?".

O próprio diário respondeu: "Claro". Mas não é isso o que os fatos indicam, com a instabilidade, a incerteza e o caos predominando nesse território que abrange um sexto das terras do Planeta. Ninguém sabe quem manda de fato na URSS atual. Seria Bóris Yeltsin? Talvez no âmbito da Rússia, ou em sua maior parte, sim.

Mesmo dentro de sua República, todavia, o presidente russo vem sendo desafiado por líderes de dezenas de regiões autônomas, habitadas por minorias étnicas, que se propõem a seguir caminhos próprios.

Um desses casos é o do Tatastão --- outro dos tantos nomes exóticos, que a maioria não apenas dos leitores, mas também dos analistas políticos, sequer suspeitavam que existissem e com os quais terão que se familiarizar rapidamente ---, que está oferecendo o seu petróleo, à revelia de Moscou, no mercado internacional, a US$ 5 o barril, quatro vezes menos do que a média cobrada.

Gorbachev, nominalmente, conta com autoridade, que lhe foi conferida, na semana passada, pelo Congresso dos Deputados do Povo, dentro do novo elenco legal aprovado por esse órgão legislativo para reger a administração supra-republicana.

Todavia, os acontecimentos das últimas horas mostraram que suas prerrogativas enquanto presidente dos Conselhos de Estado e Econômico Interrepublicano existem apenas no papel. Nenhuma das dez Repúblicas que anunciaram a disposição de aderir à nova confederação aprovada está disposta, na prática, a participar dessa tentativa de conservar um mínimo de ordem no esfacelado império.

O presidente soviético, certamente, jamais pensou que seu projeto de transformação da União Soviética fosse implicar, na verdade, sua destruição. Em vários trechos do seu célebre livro "Perestroika - Uma proposta para o Meu País e o Mundo", cujas idéias foram o catalisador que conduziu à desmontagem do monolítico sistema comunista, ele exortou seu povo a deixar de lado a apatia e discutir tudo o que dissesse respeito à vida pública. Que contestasse, denunciasse, protestasse e não se deixasse vencer pela letargia que caracterizava o quadro de então e dava espaço à mentira, ao cinismo, à incompetência e à corrupção.

O povo atendeu-o. Mas foi além das suas expectativas. Contestou a própria existência de uma URSS. Gorbachev, ao longo de sua quixotesca cruzada, também advertiu os soviéticos dos riscos de seguirem políticos oportunistas, aventureiros inescrupulosos, que do alto de um palanque, muitas vezes improvisado num caixote de cebolas, prometiam o paraíso aos que os seguissem, como se possuíssem uma varinha de condão que, sem nenhum trabalho, nenhum planejamento sério, nenhuma direção competente, nenhum capital, fizesse brotar riquezas do ar, de onde elas não existiam.

A população preferiu não atender suas sensatas advertências. Demagogos, hoje, brotam como ervas daninhas por toda a União Soviética. O nacionalismo exacerbado está fazendo escola e levando as pessoas a tirarem os pés do chão firme da realidade e a aceitarem fantasias como fatos consumados.

De que forma as Repúblicas que integravam a antiga URSS pretendem sobreviver sozinhas, independentes, se não dispõem do mínimo necessário sequer para comer? Fica implícito nas entrelinhas dos inflamados discursos dos líderes separatistas que eles acham que o Ocidente irá recebê-los de braços abertos, repartir as riquezas que conseguiu com ingentes sacrifícios dos escombros da Segunda Guerra Mundial e que seu povo não precisará trabalhar muito para se enriquecer da noite para o dia.

Não é preciso, porém, ser nenhum gênio para perceber a enrascada em que os demagogos estão colocando esses incautos, pondo em xeque a própria estabilidade política mundial.

(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 10 de agosto de 1991).



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