Recessão e hiperinflação
Pedro J. Bondaczuk
A inflação ameaça subir,
outra vez, para um novo patamar, projetado pelo mercado para 26% em
setembro e admitido pelo governo em 24%, com estimativas de acumular
no ano algo em torno de 600%, depois dos 475% em 1991. Índices tão
elevados caracterizariam uma hiperinflação ou não? É a pergunta,
um tanto acadêmica, que se faz freqüentemente.
De acordo com o informe
"Crescimento e investimento na América Latina", elaborado
pelo Departamento de Pesquisas Econômicas do Morgan Guaranty Trust
Company, dos Estados Unidos, divulgado em meados do mês passado,
sim. Todavia, economistas tupiniquins asseguram que não. Dizem que
para caracterizar um surto hiperinflacionário, são necessários
índices mensais em torno de 50% ou mais.
O que importa, entretanto, é
o castigo que uma inflação dessa dimensão representa para a
maioria da população brasileira, em especial para o assalariado e,
pior ainda, para quem não tem salário algum por não dispor de
emprego.
E para que tem valido todo o
aperto determinado pela atual política econômica se tanto
sacrifício não serviu nem mesmo para trazer o custo de vida para
níveis "mais civilizados", algo em torno de 9% ao mês, o
que, em termos anuais, nos países do Primeiro Mundo é tido como
trágico?
A recessão purgativa do
ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, seria o remédio
adequado para uma sociedade que perdeu toda a década passada, em
termos de desenvolvimento, e que se mantém em marcha a ré no início
da atual?
Economistas conceituados,
alguns ganhadores de Prêmio Nobel, como é o caso de Milton
Friedman, descartam medidas recessivas de seu receituário para
combater a inflação. Ou, quando muito, recomendam-nas quando o
surto inflacionário é provocado por demanda aquecida --- que não é
o caso brasileiro --- e assim mesmo por tempo bastante limitado, de
no máximo 90 dias.
O Brasil, contudo, está com a
economia parada há praticamente dois anos. Outro aspecto a destacar
é que os países de Primeiro Mundo que se valeram desse recurso
extremo, desse choque heterodoxo brutal, dispõem de mecanismos de
proteção social adequados.
Seus desempregados contam com
seguro desemprego decente, que lhes provê um padrão de vida quase
igual ao que contavam quando na ativa. Isto é possível em virtude
da recessão ser por tempo limitado. E no Brasil, o que ocorre?
Há trabalhadores sem emprego
há mais de um ano, sobrevivendo não se sabe como. Inúmeras
famílias, até há pouco tempo tidas como de classe média baixa,
hoje vivem em favelas ou até nos desvãos de viadutos --- em
Campinas mesmo há uma nestas condições --- por não ter como pagar
um aluguel.
O pior de tudo é que a equipe
econômica, cantada e decantada em verso e prosa, insiste neste
expediente suicida, indiferente ao padecimento de tantos brasileiros,
que não têm sequer a esperança de um fim previsível para seus
tormentos.
Será que essas pessoas irão
recuperar, num passe de mágica, o tempo que estão deixando de viver
para apenas vegetar? Suas vidas, como se fossem produções de
Hollywood ou gravações de vídeo, terão "replay", que
lhes possibilite consertar erros ou refazer o enredo, ou estão
irremediavelmente comprometidas? A resposta, de tão óbvia, dispensa
registro. Isto é o que os tecnocratas deveriam pensar ao tomarem
suas decisões, mas não pensam.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de setembro de 1992).
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