Bisbilhotices e literatices
Pedro J. Bondaczuk
O povo, em sua natural e rude sabedoria, consagrou uma afirmação
segundo a qual um homem apenas se realiza após plantar uma árvore,
gerar um filho e escrever um livro. A crer neste critério, posso
considerar-me uma pessoa realizada. E considero-me, embora não
especificamente pelo cumprimento dessas três “façanhas”.
No primeiro caso, trata-se de valorizar a natureza, de respeitar o
planeta em que vivemos (possivelmente o único com condições para
isso pelo menos em nossa galáxia) e de tornar a vida se não mais
viável (e, plantando árvores, em vez de cortá-las, a tornamos, de
fato), pelo menos mais agradável. Sou do time, portanto, do “Viva
o verde!”. Orgulho-me disso. E mais, tento convencer o máximo de
pessoas que posso a fazerem o mesmo.
Plantei poucas árvores, é verdade, umas três ou quatro se tanto,
ao longo da vida. Mas cumpri plenamente essa tarefa. Quanto à
segunda... gerei não um, mas quatro filhos. Talvez haja exagerado na
dose, se levar em conta a superpopulação da Terra. Mas foi o
instinto que me levou a agir assim. O que fazer?
Ademais, não abriria mão, em circunstância alguma, de nenhum
deles, se fosse instado a fazer isso. Todos são catalisadores do meu
amor pela espécie de que faço parte e me são, portanto (não
especificamente por este motivo, mas porque os amo) de suma
importância. E agora tenho o privilégio de viver a glória de ser
avô. Só quem já é, sabe o que isso significa.
Finalmente, a terceira grande tarefa, desses “Trabalhos de
Hércules”, também foi cumprida, e bem cumprida. Como no caso dos
filhos, não escrevi apenas um livro, mas vinte, dos quais quatro
publicados. Para muitos, são estes (os que vieram a público) os que
contam. Pois aí estão.
Como se vê, sou um “bisbilhoteiro” de marca maior (todos
escritores são). Observei, atentamente, por anos e mais anos,
pensamentos, sentimentos, ações e contradições alheios e deles
fiz o fulcro da minha obra literária. Claro que não me limitei a
bisbilhotar os outros. Fiz o mesmo comigo mesmo.
Ademais, não sou lá muito diferente dos outros (talvez nem um
pouco). O ser humano sempre foi, é e será, enquanto eu for vivo e
conservar a lucidez, a minha constante, perpétua e compulsiva
preocupação. Por que? William Shakespeare escreveu certa feita (e
já comentei isso “n” vezes) que “nada é mais interessante
para o homem do que o próprio homem”. Está respondido.
É com pessoas iguais a mim (e com algumas superiores e outras tantas
inferiores a este compulsivo amante de literatura, que a constrói no
cotidiano e cujos detratores dizem não passar de “literatices”)
que convivo desde que me conheço por gente. Amei e amo a tantas
delas. Odiei e odeio a várias outras. Competi e compito com muitas.
Ajudei e ajudo outras tantas. Fui ajudado (e espero continuar sendo)
por diversas. E assim toquei e vou tocando a minha vidinha comum,
enquanto Deus quiser.
Mas é importante escrever? É! Mas quem não tem esse talento conta
com outras aptidões (para as artes, por exemplo, ou para o
artesanato, ou a manufatura, ou o comércio, ou a lavoura etc.), por
isso não precisa se preocupar. Basta que faça bem aquilo que saiba
fazer. O que o mundo não admite é a ociosidade, a omissão, a
exploração alheia e o perpétuo “laissez faire”. Reitero o que
tenho escrito e repetido vezes sem conta: a espaçonave Terra não
comporta passageiros. Todos somos tripulantes.
O escritor Robert Musil afirmou em determinado texto (não me lembro
qual): “É mais importante escrever um livro do que governar um
império... e mais difícil também”. Exagero? Nem tanto. Comandar
pessoas tem lá as suas dificuldades, mas não deve ser tão ruim. Se
fosse, não haveria tanta gente disputando, nem sempre de forma leal
e justa, o poder. Ademais, nem o pior dos tiranos consegue governar
sozinho. Conta com um séqüito imenso de ministros, assessores,
funcionários, generais e quejandos.
Escrever, todavia... É tarefa solitária. Pode ser comparado à
alegoria bíblica de Jacó lutando por toda uma noite com o anjo, no
Val de Jaboc, para ser abençoado por ele. Nós, escritores, não
lutamos, apenas, por míseras doze horas, até que amanheça.
Fazemo-lo por anos e mais anos a fio. E muitas vezes nossa luta é
vã, pois não conseguimos ser abençoados pelo esquivo anjo da
inspiração.
Achando que fazemos Literatura, perpetramos, na verdade, caricata
literatice. Ninguém vem nos avisar previamente que, buscando a
glória, estamos, na verdade, nos expondo ao ridículo. E nem um
gênio benfazejo nos cochicha ao ouvido que aquelas páginas que
rasgamos com fúria, por acharmos que se tratavam de “porcaria”,
eram, na verdade, o suprassumo da perfeição, do qual nos
descartamos tão precipitadamente. Ironia das ironias...
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