Friday, June 23, 2017

Transição acidentada


Pedro J. Bondaczuk


A extinção da União Soviética vai completar um ano, para alívio de muitos e desgosto de outros tantos que acreditavam ser possível a utopia de uma sociedade sem classes pregada pelos marxistas, embora nunca concretizada em ações, nos próximos dias.

Foi no Natal do ano passado que o mundo se surpreendeu com a renúncia forçada do homem que fez, pelas vias pacíficas, a maior transformação política deste conturbado século: Mikhail Sergeievich Gorbachev. Nessa data histórica, a bandeira da foice e do martelo foi dramaticamente arriada do mastro do Cremlin, dando lugar à tricolor da República da Rússia.

Bóris Yeltsin assumiu o governo, com plenos poderes, prometendo implementar rápidas reformas em seu país, para que o inverno de 1992 não tivesse as mesmas dificuldades do de 1991. Ganhou uma espécie de carta branca do Parlamento, que lhe permitia decidir sozinho nas questões essenciais, sem precisar consultar ninguém.

Passado um ano, o panorama, principalmente econômico, não é nada animador. A inflação permanece em disparada, para desespero da população russa, que também se vê às voltas com um fantasma que não conhecia nos tempos do comunismo: o desemprego.

O processo de privatização, por outro lado, arrasta-se em ritmo letárgico, assim como outras reformas necessárias para uma economia de pleno mercado. Somados aos problemas econômicos, gravíssimos por sinal, persistem os conflitos étnicos, nesse vasto território que se estende do Pacífico aos Montes Urais.

O agravamento da crise tem como efeito o aumento do descontentamento popular. Manifestações de protesto sucedem-se e muitos já estão arrependidos de optarem por Yeltsin, em detrimento de Gorbachev.

Não se pode negar os méritos do presidente russo, até porque não é tarefa das mais fáceis gerir qualquer transição, quanto mais esta de um sistema totalmente estatizado para o capitalismo clássico. Ele tem firmeza de propósitos, energia e aquilo que popularmente se chama de "jogo de cintura".

Perde-se, todavia, num populismo exacerbado, além de apresentar certos cacoetes ditatoriais. Nesta semana, Yeltsin vai enfrentar uma grande batalha confrontando-se com um órgão um tanto estranho: um Parlamento herdado dos tempos soviéticos.

A maioria conservadora do Legislativo movimenta-se no sentido de retirar do presidente os poderes absolutos que lhe outorgou. Caso isto se concretize, a guerra de influência entre o Executivo e o Parlamento, que vai se arrastando há meses, certamente vai se agravar.

Por exemplo, Yeltsin nomeou, em junho, em caráter provisório, o ultra-reformista Yegor Gaidar, de apenas 36 anos, para primeiro-ministro e este nunca teve a nomeação confirmada pelo voto. Os conservadores simplesmente detestam o jovem premier, mas não podem fazer nada contra ele. Não, pelo menos, enquanto os plenos poderes concedidos a Yeltsin perdurarem.

Enquanto os políticos se digladiam, a economia segue muito doente e, o que é pior, o novo inverno se aproxima, cheio de ameaças para o sofrido povo russo. Reformas, como as prometidas pelo temperamental governante, não se fazem a toque de caixa e nem somente mediante boas intenções. Aliás, como diz o adágio popular, de bem intencionados o inferno está repleto.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 2 de dezembro de 1992).



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