Transição acidentada
Pedro J. Bondaczuk
A extinção da União
Soviética vai completar um ano, para alívio de muitos e desgosto de
outros tantos que acreditavam ser possível a utopia de uma sociedade
sem classes pregada pelos marxistas, embora nunca concretizada em
ações, nos próximos dias.
Foi no Natal do ano passado
que o mundo se surpreendeu com a renúncia forçada do homem que fez,
pelas vias pacíficas, a maior transformação política deste
conturbado século: Mikhail Sergeievich Gorbachev. Nessa data
histórica, a bandeira da foice e do martelo foi dramaticamente
arriada do mastro do Cremlin, dando lugar à tricolor da República
da Rússia.
Bóris Yeltsin assumiu o
governo, com plenos poderes, prometendo implementar rápidas reformas
em seu país, para que o inverno de 1992 não tivesse as mesmas
dificuldades do de 1991. Ganhou uma espécie de carta branca do
Parlamento, que lhe permitia decidir sozinho nas questões
essenciais, sem precisar consultar ninguém.
Passado um ano, o panorama,
principalmente econômico, não é nada animador. A inflação
permanece em disparada, para desespero da população russa, que
também se vê às voltas com um fantasma que não conhecia nos
tempos do comunismo: o desemprego.
O processo de privatização,
por outro lado, arrasta-se em ritmo letárgico, assim como outras
reformas necessárias para uma economia de pleno mercado. Somados aos
problemas econômicos, gravíssimos por sinal, persistem os conflitos
étnicos, nesse vasto território que se estende do Pacífico aos
Montes Urais.
O agravamento da crise tem
como efeito o aumento do descontentamento popular. Manifestações de
protesto sucedem-se e muitos já estão arrependidos de optarem por
Yeltsin, em detrimento de Gorbachev.
Não se pode negar os méritos
do presidente russo, até porque não é tarefa das mais fáceis
gerir qualquer transição, quanto mais esta de um sistema totalmente
estatizado para o capitalismo clássico. Ele tem firmeza de
propósitos, energia e aquilo que popularmente se chama de "jogo
de cintura".
Perde-se, todavia, num
populismo exacerbado, além de apresentar certos cacoetes
ditatoriais. Nesta semana, Yeltsin vai enfrentar uma grande batalha
confrontando-se com um órgão um tanto estranho: um Parlamento
herdado dos tempos soviéticos.
A maioria conservadora do
Legislativo movimenta-se no sentido de retirar do presidente os
poderes absolutos que lhe outorgou. Caso isto se concretize, a guerra
de influência entre o Executivo e o Parlamento, que vai se
arrastando há meses, certamente vai se agravar.
Por exemplo, Yeltsin nomeou,
em junho, em caráter provisório, o ultra-reformista Yegor Gaidar,
de apenas 36 anos, para primeiro-ministro e este nunca teve a
nomeação confirmada pelo voto. Os conservadores simplesmente
detestam o jovem premier, mas não podem fazer nada contra ele. Não,
pelo menos, enquanto os plenos poderes concedidos a Yeltsin
perdurarem.
Enquanto os políticos se
digladiam, a economia segue muito doente e, o que é pior, o novo
inverno se aproxima, cheio de ameaças para o sofrido povo russo.
Reformas, como as prometidas pelo temperamental governante, não se
fazem a toque de caixa e nem somente mediante boas intenções.
Aliás, como diz o adágio popular, de bem intencionados o inferno
está repleto.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 2 de dezembro de 1992).
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