Wednesday, April 05, 2017

Vantagens e riscos do progresso


Pedro J. Bondaczuk


O líder soviético, Mikhail Gorbachev, falando ontem a operários de uma indústria em Budapeste, Hungria, fez uma série de observações judiciosas acerca de medidas que devem ser tomadas para prevenir novos desastres nucleares, como o ocorrido em Chernobyl, em abril passado. Ao mesmo tempo, na Alemanha Ocidental, dezenas de milhares de manifestantes protestavam contra dois complexos atômicos no país.

Um deles localiza-se em Wackerdorf, destinado ao reprocessamento do perigosíssimo subproduto dos reatores, geralmente aproveitado na fabricação de ogivas. Outro, é o complexo recém-concluído de Brokdorf, a 60 quilômetros de Hamburgo, e que sequer foi inaugurado. Como sempre, as manifestações degeneraram em pancadaria,  em cenas que ficam a cada dia mais comuns no mundo moderno.

Ignorar os benefícios que o uso da energia nuclear para fins pacíficos pode trazer para a humanidade é não ter os pés no chão. Mas não levar em conta os riscos que isso implica é, na melhor das hipóteses, uma rematada estupidez, senão uma intolerável agressão contra milhares, até milhões de pessoas.

Depreende-se, do pronunciamento de Mikhail Gorbachev, que não existe sequer esboço de um plano conjugado de segurança que preveja a retirada da população civil das cercanias de uma usina atômica, em caso dela vir a sofrer qualquer espécie de acidente que implique em vazamento de radioatividade.

O tema é bastante atual, inclusive para nós, brasileiros, principalmente depois da decisão de um juiz de Angra dos Reis, que suspendeu, "sine die", o reinício das operações desse complexo até que a opinião pública seja informada acerca de todos os projetos de evacuação de civis (se é que eles existem), para o caso de se verificar entre nós algo parecido com o que houve em Chernobyl.

O que causa espécie é o fato de governos, muitos ditos democráticos, lançarem mão de tais programas sem nenhuma consulta prévia à principal interessada, ou seja, a respectiva população. Afinal, é ela que irá consumir a energia gerada por essa fonte e que vai custear a construção e a manutenção das usinas. Será ela, também, a única prejudicada em caso de desastres, como o verificado na Ucrânia. E o problema ganha dimensões aterrorizantes quando se sabe que no mundo todo 374 desses complexos já estão funcionando e que há igual número em construção ou em projeto.

Há países que dependem, atualmente, em mais de 50% dessa fonte. Os principais, nesse aspecto, com os porcentuais respectivos, são os seguintes: França (64,8%), Bélgica (59,8%), Formosa (59%), Suécia (42,3%), Finlândia (38,2%), Suíça (34,8%), Bulgária (31,6%), Alemanha Ocidental (31,2%) e Japão (28%).

Todos eles garantem que seus respectivos sistemas são absolutamente imunes a acidentes. Mas nenhum divulgou, em tempo algum, as justificativas para tal afirmação. A população, que não foi consultada quando tais usinas foram construídas, tem, somente, que acreditar que as alegações são verdadeiras, como se quem faz tais afirmações fosse um paradigma da verdade e jamais tivesse distorcido coisa alguma para defender interesses próprios ou de grupos que os mantêm.

Os soviéticos, aliás, ironicamente, pouco tempo antes do desastre de Chernobyl, deram, "ad nauseam", o mesmo tipo de garantia. Técnicos de renome e vasto prestígio daquele país arriscaram suas reputações e escreveram intermináveis artigos justificando a infalibilidade do seu modelo. E todos viram no fim das contas o que aconteceu.

Através das palavras de Gorbachev, ontem, em Budapeste, é fácil de se deduzir que não existe sequer qualquer mecanismo de segurança já testado para tornar impossível um ato de terrorismo nuclear. E usinas, como ficou demonstrado, não faltam para fanáticos atacarem e explodirem, permitindo que façam um tipo de chantagem capaz de colocar de joelhos qualquer governo.

É por essa razão que, embora reprovando a violência, até se entende o atual desespero dos manifestantes germânicos, cujo número tende a engrossar, fatalmente, nos próximos atos públicos desse tipo. Todo o progresso implica sempre num preço. Mas da forma que este avanço tecnológico vem sendo implantado, convenhamos, o atual é alto demais. Afinal, não há bem que pague nenhuma vida perdida. Ou porventura alguém acha que há?

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 10 de junho de 1986)


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