Thursday, April 06, 2017

Gênios e néscios


Pedro J. Bondaczuk


“A estupidez é muito mais fascinante que a inteligência. A inteligência tem os seus limites, a estupidez não”. Esta constatação, meio que mal-humorada, contudo verossímil (desconfio que verdadeira), é do consagrado diretor de cinema francês, Claude Chabrol. Peço licença ao paciente leitor para lembrar (aos que não o conhecem) e informar (obviamente aos que sabem de quem se trata), que o referido cineasta, com vitoriosa carreira de mais de 40 anos, tem, em seu volumoso currículo, cerca de 50 filmes.

É considerado, pelos cinéfilos, o “papa da nouvelle vague”. Entre suas tantas obras cinematográficas que dirigiu, podemos citar, meio que aleatoriamente: “Le beau Serge” (sua primeira produção, de 1958), “Os primos” e “A doublé tour” (1959); “Les bonnes femmes’ (1960); “Les biches” (1968); “La femme infideli” e “Le Boucher” (1969); “Que la bête meure” (1970); “Madame Bovary” (1991); “A dama de honra” (2004) e vai por aí afora.

Mas, voltemos ao tema que sempre me fascinou, sobre gênios e néscios que, aliás, foi sugerido pelo leitor Renato Manjaterra, e que serve como pretexto para este nosso descontraído bate-papo (na verdade, monólogo, pois a palavra agora está comigo; mas que pode se constituir em diálogo, e até em debate, pela interatividade propiciada pela internet). Fala-se, amiúde, em “talento”, entendido pela maioria como aptidão inata para determinadas atividades. Mas, pergunto: essa suposta facilidade para escrever – ou para compor um poema, ou para jogar futebol, ou para rodar um filme, ou para criar uma sinfonia, ou para fazer um samba de qualidade – é garantia de sucesso a quem a tem? Depende! Temos que admitir, porém, que se trata de uma poderosa arma. Contudo, requer, para funcionar, outras tantas virtudes associadas, como sensibilidade, bom-senso, conhecimento, inteligência etc., e, sobretudo, paciência. Muita paciência.

Nesse ponto, concordo plenamente com Gustave Flaubert (como se vê, nem nessa conclusão sou original). O talentoso autor de “Madame Bovary” (romance que ganhou instigante versão cinematográfica, dirigida por Claude Chabrol) escreveu, a propósito: “Talento é paciência sem fim”. E não é?! Portanto, ninguém, por mais genial que seja, produz nada que preste contando, apenas, com certa aptidão para isso. As obras que realmente valem a pena requerem, reitero, entre tantas e tantas outras virtudes, sensibilidade, bom-senso, conhecimento, inteligência etc. e... paciência, claro!

Outro conceito que causa controvérsia é o de sabedoria. Há quem confunda essa virtude com conhecimento, com cultura, com informação etc. Claro que se ela vier associada a tudo isso, será bem melhor. Haverá de beirar a genialidade. Mas não depende de nada disso. Conheço muitos analfabetos, incapazes de desenhar um “o” e que, no entanto, têm uma sabedoria capaz de causar inveja a Salomão. Em contrapartida, também convivo com pessoas cuja parede está forrada de diplomas, que têm bibliotecas volumosas e muitíssima leitura, que gozam de projeção social e são tidas como “intelectuais” que, no entanto, não enxergam um palmo à frente do nariz. Certamente, o leitor também conhece gente assim.       

Aliás, o escritor polonês Henryk Sienkiewicz, autor do best-seller “Quo Vadis”, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1905, escreveu o seguinte, a esse respeito, em seu romance (pouco-conhecido) “Em vão”: “Sábio!...Sábio!...Sábio: palavra sonora e formosa! Mas...de que nos servirá o ser sábio, se nem sequer sabemos apertar o nó, se descuidamos da educação de nossos filhos, se deixamos nossa mulher sem amparo, se abandonamos nossos pais?” Isso, para mim, está longe de ser sabedoria.

Finalmente, resta abordar mais um conceito, amiúde citado, mas pouco entendido: o da genialidade. Seria a exacerbação da sabedoria. Gênio, pelo menos no entendimento comum, é aquele com capacidade (intelectual, manual, ou ambas, não importa) fora do comum. Convenhamos, escasseiam, no mundo, pessoas com essas características. E sempre foi assim.

A esse propósito, recorro, novamente, a Sienkiewicz, que coloca na boca de um personagem, no mencionado romance “Em vão”, a seguinte observação: “No cérebro humano, o curso das idéias pode tomar direções; numa, as idéias vão, certamente, desde o centro à periferia; noutros, desde a periferia convergem o centro. Os primeiros tomam um objeto como matéria de estudo, dão-lhe vida e, com o fio das experiências, o fazem remontar à sua fonte originária. São os gênios criadores; os segundos se agarram aos objetos e os levam a suas próprias fontes pessoais, unificando-se, absorvendo-as, dividindo-as e classificando-as; estes são os homens de ciência. Os primeiros, criam; os segundos, escrutam e observam. Há entre essas duas direções uma diferença análoga à que existe entre a avareza e a prodigalidade, entre  a inspiração e a expiração”.

Pelo exposto, até é possível entender a razão de tanta gente optar pela mediocridade (posto que inconscientemente), quando não pela burrice explícita. É muito mais fácil! Não exige nenhum esforço! Basta deixar as coisas acontecerem, sem interferir, e pronto. Tem como principal característica a omissão. Ser néscio, convenhamos, não exige nada, nada de especial. Não requer, por exemplo, talento e as virtudes a ele associadas (sensibilidade, bom-senso, conhecimento, inteligência etc. e... claro, paciência, muita paciência).  Chabrol tem, portanto, toda a razão do mundo em seu mal-humorado desabafo. De fato, “a estupidez não tem limites”.

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