Gênios e néscios
Pedro J.
Bondaczuk
“A estupidez é muito mais fascinante que a inteligência. A
inteligência tem os seus limites, a estupidez não”. Esta constatação, meio que
mal-humorada, contudo verossímil (desconfio que verdadeira), é do consagrado diretor
de cinema francês, Claude Chabrol. Peço licença ao paciente leitor para lembrar
(aos que não o conhecem) e informar (obviamente aos que sabem de quem se
trata), que o referido cineasta, com vitoriosa carreira de mais de 40 anos,
tem, em seu volumoso currículo, cerca de 50 filmes.
É considerado, pelos cinéfilos, o “papa da nouvelle
vague”. Entre suas tantas obras cinematográficas que dirigiu, podemos citar,
meio que aleatoriamente: “Le beau Serge” (sua primeira produção, de 1958), “Os
primos” e “A doublé tour” (1959); “Les bonnes femmes’ (1960); “Les biches”
(1968); “La femme infideli” e “Le Boucher” (1969); “Que la bête meure” (1970);
“Madame Bovary” (1991); “A dama de honra” (2004) e vai por aí afora.
Mas, voltemos ao tema que sempre me fascinou, sobre gênios
e néscios que, aliás, foi sugerido pelo leitor Renato Manjaterra, e que serve
como pretexto para este nosso descontraído bate-papo (na verdade, monólogo,
pois a palavra agora está comigo; mas que pode se constituir em diálogo, e até
em debate, pela interatividade propiciada pela internet). Fala-se, amiúde, em
“talento”, entendido pela maioria como aptidão inata para determinadas
atividades. Mas, pergunto: essa suposta facilidade para escrever – ou para
compor um poema, ou para jogar futebol, ou para rodar um filme, ou para criar
uma sinfonia, ou para fazer um samba de qualidade – é garantia de sucesso a
quem a tem? Depende! Temos que admitir, porém, que se trata de uma poderosa
arma. Contudo, requer, para funcionar, outras tantas virtudes associadas, como
sensibilidade, bom-senso, conhecimento, inteligência etc., e, sobretudo,
paciência. Muita paciência.
Nesse ponto, concordo plenamente com Gustave Flaubert
(como se vê, nem nessa conclusão sou original). O talentoso autor de “Madame
Bovary” (romance que ganhou instigante versão cinematográfica, dirigida por
Claude Chabrol) escreveu, a propósito: “Talento é paciência sem fim”. E não é?!
Portanto, ninguém, por mais genial que seja, produz nada que preste contando,
apenas, com certa aptidão para isso. As obras que realmente valem a pena
requerem, reitero, entre tantas e tantas outras virtudes, sensibilidade,
bom-senso, conhecimento, inteligência etc. e... paciência, claro!
Outro conceito que causa controvérsia é o de sabedoria. Há
quem confunda essa virtude com conhecimento, com cultura, com informação etc.
Claro que se ela vier associada a tudo isso, será bem melhor. Haverá de beirar
a genialidade. Mas não depende de nada disso. Conheço muitos analfabetos,
incapazes de desenhar um “o” e que, no entanto, têm uma sabedoria capaz de
causar inveja a Salomão. Em contrapartida, também convivo com pessoas cuja
parede está forrada de diplomas, que têm bibliotecas volumosas e muitíssima
leitura, que gozam de projeção social e são tidas como “intelectuais” que, no
entanto, não enxergam um palmo à frente do nariz. Certamente, o leitor também
conhece gente assim.
Aliás, o escritor polonês Henryk Sienkiewicz, autor do
best-seller “Quo Vadis”, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1905,
escreveu o seguinte, a esse respeito, em seu romance (pouco-conhecido) “Em
vão”: “Sábio!...Sábio!...Sábio: palavra sonora e formosa! Mas...de que nos
servirá o ser sábio, se nem sequer sabemos apertar o nó, se descuidamos da
educação de nossos filhos, se deixamos nossa mulher sem amparo, se abandonamos
nossos pais?” Isso, para mim, está longe de ser sabedoria.
Finalmente, resta abordar mais um
conceito, amiúde citado, mas pouco entendido: o da genialidade. Seria a
exacerbação da sabedoria. Gênio, pelo menos no entendimento comum, é aquele com
capacidade (intelectual, manual, ou ambas, não importa) fora do comum.
Convenhamos, escasseiam, no mundo, pessoas com essas características. E sempre
foi assim.
A esse propósito, recorro,
novamente, a Sienkiewicz, que coloca na boca de um personagem, no mencionado
romance “Em vão”, a seguinte observação: “No cérebro humano, o curso das idéias
pode tomar direções; numa, as idéias vão, certamente, desde o centro à
periferia; noutros, desde a periferia convergem o centro. Os primeiros tomam um
objeto como matéria de estudo, dão-lhe vida e, com o fio das experiências, o
fazem remontar à sua fonte originária. São os gênios criadores; os segundos se
agarram aos objetos e os levam a suas próprias fontes pessoais, unificando-se,
absorvendo-as, dividindo-as e classificando-as; estes são os homens de ciência.
Os primeiros, criam; os segundos, escrutam e observam. Há entre essas duas
direções uma diferença análoga à que existe entre a avareza e a prodigalidade,
entre a inspiração e a expiração”.
Pelo exposto, até é possível
entender a razão de tanta gente optar pela mediocridade (posto que
inconscientemente), quando não pela burrice explícita. É muito mais fácil! Não
exige nenhum esforço! Basta deixar as coisas acontecerem, sem interferir, e pronto.
Tem como principal característica a omissão. Ser néscio, convenhamos, não exige
nada, nada de especial. Não requer, por exemplo, talento e as virtudes a ele
associadas (sensibilidade, bom-senso, conhecimento, inteligência etc. e...
claro, paciência, muita paciência).
Chabrol tem, portanto, toda a razão do mundo em seu mal-humorado
desabafo. De fato, “a estupidez não tem limites”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment