Círculo
vicioso do atraso
Pedro J. Bondaczuk
A política econômica recessiva do ministro da
Economia, Marcílio Marques Moreira, sustentada a ferro e fogo pelo governo como
arma de combate à inflação, vem enfrentando crescente oposição de vários
setores econômicos que entendem que ela já se exauriu. E, pior, levou o próprio
País à exaustão, aumentando as tensões sociais e multiplicando o sofrimento da
já normalmente sofrida população brasileira.
Nas últimas semanas, alguns governadores se
manifestaram a respeito. Uns apoiaram o executor da estratégia, embora fizessem
ressalvas ao seu procedimento. Outros, como o baiano Antônio Carlos Magalhães,
chegaram a insinuar, inclusive, a troca do ministro.
O fato é que, a despeito da recessão, a inflação
teima em permanecer no patamar dos 20%. Convenhamos, os resultados não
correspondem, em absoluto, aos sacrifícios exigidos, principalmente das camadas
mais carentes da população. Além disso, dificilmente a meta inflacionária,
proposta na última carta de intenções ao Fundo Monetário Internacional, de um
acumulado de 280% em 1992, será atingida. Só se ocorrer algum milagre, com o
que, evidentemente, nenhum homem público sério pode contar.
Para o professor Celso Martone, da Universidade de
São Paulo, esse objetivo é não somente improvável, como impossível. O
pesquisador sênior da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) estimou
que a inflação anual ficará entre 1.100% e 1.200%. Ou seja, quase cinco vezes
mais do que o prometido ao FMI.
O deputado Delfim Netto (PDS-SP), em entrevista
publicada pela revista institucional “Dow Notícias” – em sua edição do
trimestre janeiro-fevereiro-março – tece duras críticas à política de Marcílio.
E contesta: “O problema do Brasil é muito simples: tem que reinventar a moeda.
E isso é basicamente uma questão de finanças públicas. Enquanto o País não
tomar uma decisão de começar pelo começo, não vai resolver esse problema. Veja
o que aconteceu no Brasil: se impôs uma cavalar recessão ao setor privado, mas
o governo não se prejudicou, não abriu mão de nada. É por isso que eu sempre
digo que o Brasil virou um lugar estranho, onde existem duas nações: a
metrópole estatal e a colônia privada”.
Análise semelhante foi feita pelo senador Fernando
Henrique Cardoso (PSDB-SP), em artigo do dia 4 passado, em que constata:
“Inevitavelmente, com a descrença na moeda, a quebradeira do Tesouro e,
paradoxalmente, a enxurrada de dólares, o Banco Central precisa manter altas as
taxas de juros e enxugar a liquidez para afastar a hiperinflação. Como estamos
em recessão, o Tesouro arrecada cada vez menos impostos. Logo, precisa manter
alta a taxa de juros, gasta mais com seus compromissos financeiros, tem menos
dinheiro para pagá-los, toma maiores empréstimos a taxas mais altas, encarece o
dinheiro para a produção, os produtores querem dinheiro mais barato, lançam-se
eles também à especulação financeira, para sobreviverem pagam menos impostos, a
sociedade reclama do déficit público, os salários despencam, o desemprego
aumenta, a renda se concentra”.
Portanto, a política recessiva e a inexistência de
uma moeda, que pelo menos mereça esse nome, aceleram o círculo vicioso da
produção, de redistribuição de ganhos, da geração de empregos, da expansão do
mercado, enfim, do progresso que tanto se apregoa e do qual, mais e mais, o
País se distancia.
Se essa mudança de rumos deve ser feita com ou sem
Marcílio, é outra questão. O que não é mais possível, sob pena de imprevisíveis
conseqüências sociais, é o Brasil prosseguir na atual toada, caminhando como um
bêbado, na base do um passo à frente e dois para trás. A recessão, convenhamos,
pode até ter tido sua utilidade – o que é contestável – mas já exauriu o
caráter “didático” que o governo pretendeu lhe dar.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 10 de maio de 1992)
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