Thursday, April 20, 2017

Censores néscios



Pedro J. Bondaczuk



O escritor soviético Bóris Pasternak, depois de passar por incríveis agruras em seu país pelo “crime” de ser talentoso, começa a ser reabilitado na URSS. Uma revista literária, que em 1956 havia se recusado a publicar seu romance “Dr. Jivago”, imortalizado no cinema, principalmente por causa da música do filme, o “Tema de Lara”, cuja história emocionou platéias do mundo inteiro e antes havia encantado os leitores, resolveu fazer uma reparação, posto qure tardia.

Começou, neste mês, a publicar, em forma de folhetim, a famosa obra. Dessa maneira a “Novy Mir” não reabilita, como vem se dizendo, o intelectual, que morreu no ostracismo e amargurado em sua pátria. Conserta, isto sim, uma bobagem monumental que cometeu, que a faz cair em completo ridículo há três décadas.

Os critérios para o julgamento de uma obra de arte são muito sutis. A tarefa não deveria caber, jamais, a burocratas, intoxicados por ideologias que não conseguiram “digerir”. É preciso mente aberta e coração limpo para entender o que uma pessoa sensível desejou transmitir.

E o artista, sobretudo, caracteriza-se pela sensibilidade. Consegue captar nos fatos e objetos mais banais todo um mundo de poesia e encantamento, que as pessoas sem talento sequer atinam que exista. Como disse muito bem o escritor Alexander Solzhenitsyn, outro injustiçado pelo sistema que vigorou até bem pouco tempo na União Soviética (e foram tantos os que sofreram com a ignorância dos burocratas!): “A literatura que não respira o mesmo ar da sociedade sua contemporânea, que não espalha seus sofrimentos e seus medos nem previne contra males morais e sociais...é mera maquilagem literária”.

Era isso o que Pasternak não sabia fazer: maquilar a verdade. Colocar o seu talento a serviço dos políticos dogmáticos, autênticos robôs do Partido, que não conseguem ter um único pensamento próprio e criativo. Até para pensar precisam consultar seus superiores.

Aliás, a comparação é bem apropriada, já que a palavra “robô” se originou da língua russa (“robotnik”, que significa “o que trabalha”), onde era usada para simbolizar os autômatos, os sem vida e sem personalidade própria, as autênticas “máquinas de cumprir ordens”.

O escritor, que sequer apreciava a política, jamais chegou a entender a ira dos “aparachtiks” do PC, aquele pessoal de escalão intermediário que, no afã de bajular o chefe, costuma ser sempre “mais realista do que o rei”, contra o que escreveu.

Como se vê, portanto, a publicação do “Dr. Jivago” é, de fato, uma reabilitação, mas não do seu autor. Reabilita os intelectuais, que na época do lançamento do livro mostraram que não mereciam essa designação, por terem o intelecto embotado pela preguiça de pensar.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 13 de janeiro de 1988).



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