Censores néscios
Pedro J. Bondaczuk
O escritor
soviético Bóris Pasternak, depois de passar por incríveis agruras
em seu país pelo “crime” de ser talentoso, começa a ser
reabilitado na URSS. Uma revista literária, que em 1956 havia se
recusado a publicar seu romance “Dr. Jivago”, imortalizado no
cinema, principalmente por causa da música do filme, o “Tema de
Lara”, cuja história emocionou platéias do mundo inteiro e antes
havia encantado os leitores, resolveu fazer uma reparação, posto
qure tardia.
Começou,
neste mês, a publicar, em forma de folhetim, a famosa obra. Dessa
maneira a “Novy Mir” não reabilita, como vem se dizendo, o
intelectual, que morreu no ostracismo e amargurado em sua pátria.
Conserta, isto sim, uma bobagem monumental que cometeu, que a faz
cair em completo ridículo há três décadas.
Os
critérios para o julgamento de uma obra de arte são muito sutis. A
tarefa não deveria caber, jamais, a burocratas, intoxicados por
ideologias que não conseguiram “digerir”. É preciso mente
aberta e coração limpo para entender o que uma pessoa sensível
desejou transmitir.
E
o artista, sobretudo, caracteriza-se pela sensibilidade. Consegue
captar nos fatos e objetos mais banais todo um mundo de poesia e
encantamento, que as pessoas sem talento sequer atinam que exista.
Como disse muito bem o escritor Alexander Solzhenitsyn, outro
injustiçado pelo sistema que vigorou até bem pouco tempo na União
Soviética (e foram tantos os que sofreram com a ignorância dos
burocratas!): “A literatura que não respira o mesmo ar da
sociedade sua contemporânea, que não espalha seus sofrimentos e
seus medos nem previne contra males morais e sociais...é mera
maquilagem literária”.
Era
isso o que Pasternak não sabia fazer: maquilar a verdade. Colocar o
seu talento a serviço dos políticos dogmáticos, autênticos robôs
do Partido, que não conseguem ter um único pensamento próprio e
criativo. Até para pensar precisam consultar seus superiores.
Aliás,
a comparação é bem apropriada, já que a palavra “robô” se
originou da língua russa (“robotnik”, que significa “o que
trabalha”), onde era usada para simbolizar os autômatos, os sem
vida e sem personalidade própria, as autênticas “máquinas de
cumprir ordens”.
O
escritor, que sequer apreciava a política, jamais chegou a entender
a ira dos “aparachtiks” do PC, aquele pessoal de escalão
intermediário que, no afã de bajular o chefe, costuma ser sempre
“mais realista do que o rei”, contra o que escreveu.
Como
se vê, portanto, a publicação do “Dr. Jivago” é, de fato, uma
reabilitação, mas não do seu autor. Reabilita os intelectuais, que
na época do lançamento do livro mostraram que não mereciam essa
designação, por terem o intelecto embotado pela preguiça de
pensar.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 13 de
janeiro de 1988).
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