Cada uma!
Pedro J. Bondaczuk
O noticiário diário dos meios de comunicação é
uma fonte inesgotável de inspiração para os que ganham a vida
escrevendo ficção. Parece brincadeira, mas não é. Os fatos
noticiados por jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão e
portais e blogs da internet são tão insólitos, tão surreais, tão
absurdos, que parecem ser engendrados por um cérebro delirante. No
entanto... não são. Há umas três décadas, fui encarregado de
escrever uma coluna, para um suplemento dominical do Diário do Povo
de Campinas (que, se não me engano, se chamava “Jornal do Lar”),
apenas com notícias desse tipo, extraídas da mídia impressa,
acompanhadas de um comentário jocoso da minha parte. Foi um sucesso!
Os leitores duvidavam que os fatos
abordados fossem verdadeiros. Atribuíam-nos à minha suposta
capacidade inventiva. E os colegas de redação olhavam-me com
espanto e com respeito, secretamente invejando a minha “criatividade”
(que, convenhamos, nem mesmo existia). Eu me limitava a comentar, com
bom-humor é verdade, a realidade, e nada mais. Na ocasião, eu
mantinha um banco de dados para catalogar esses fatos – reitero,
pinçados do noticiário – cuja seleção tinha dificuldades de
fazer, tão malucos e surrealistas que eram.
Quando troquei o Diário do Povo
pelo seu então concorrente, o Correio Popular, a coluna deixou de
ser publicada e não tardou muito para que também o suplemento que a
abrigava deixasse de circular. Ensaiei, várias vezes, me desfazer
desse banco de ocorrências insólitas, por sua inutilidade. Todavia,
por desorganização, a cada arrumação que encetava nas gavetas do
meu arquivo me desfazia de informações que mais tarde me faziam
falta, mas estas teimosamente permaneciam ali.
Tenho, agora, esse material em
mãos. Até por dilentantismo, resolvi atualizá-lo. E só de
notícias, envolvendo ladrões distraídos, cataloguei duas, já
bastante antigas. Uma delas ocorreu em Campinas. Um “amigo do
alheio” invadiu uma residência, em um bairro de classe média da
cidade, na qual fez uma “limpeza em regra”. Na fuga, todavia,
esqueceu, sobre o sofá da casa, sua “ferramenta de trabalho”. Ou
seja, deixou um revólver, calibre 38, com a numeração raspada,
para trás.
Mais trapalhão, ainda, porém,
foi o ladrão que roubou o caixa de uma lotérica de Bauru, interior
de São Paulo, utilizando para isso uma arma de brinquedo. Toda a
ação foi registrada pelas câmeras do circuito interno de TV do
estabelecimento. Mas sequer seria necessário. Na fuga, o indivíduo
esqueceu (vejam só) seu currículo, com documentos, endereço, foto,
os cambau. Só com isso, já facilitou, sobremaneira, o trabalho da
polícia. Mas sua trapalhada foi ainda mais longe. O bandido
trapalhão voltou ao local do crime para tentar recuperar o que havia
esquecido. Foi preso no ato, claro. As imagens gravadas não deixavam
a mínima dúvida sobre a autoria do crime.
Que escritor conseguiria criar um
enredo desses? E se criasse, certamente seria acusado de fantasiar
demais, de faltar verossimilhança à sua história. No entanto...
Como esses, há casos até muito mais incríveis, e no entanto,
verdadeiros. Um deles aconteceu em Frankfurt, na Alemanha. Em
determinada noite, os vizinhos de um homem de cerca de 30 anos, que
morava sozinho no bairro, cujo comportamento era considerado
“estranho”, foi visto saindo, furtivamente, de sua casa, na
penumbra, carregando nos ombros o que à distância parecia ser um
cadáver de mulher.
O sujeito se esgueirou junto ao
muro, evitando os locais mais iluminados, olhando apreensivo para um
lado e para o outro e se dirigiu rumo a um vasto terreno baldio das
redondezas. As testemunhas não tiveram dúvidas: chamaram,
incontinenti, a polícia. Diante das autoridades, o cidadão,
constrangido, se explicou. Não era nenhum criminoso tentando
esconder a prova do crime. Ocorre que, como fosse uma pessoa
extremamente tímida (e por isso solitária), mantinha em casa uma
dessas bonecas infláveis, vendidas em pornoshops, para se satisfazer
sexualmente. Justamente na véspera, havia comprado uma nova, de
modelo mais atualizado, e resolveu jogar a antiga no lixo. Mas, na
pressa, se esqueceu de desinflar a boneca. Vai daí...
Eu poderia reproduzir dezenas
dessas notícias, cada uma mais insólita (ou maluca?) do que outra.
Não o farei. Arremato, todavia, com uma nota que li, há já muito
tempo, na revista “IstoÉ” (reproduzida em vários sites da
internet). Referia-se a uma ação judicial que corria no STJ, movida
pela costureira mineira Eunice Garcia. Ela cobrava, do Banco do
Brasil, um pagamento devido ao seu avô desde 1928, com a respectiva
correção. Sabem de quanto era essa dívida, já corrigida? Era de
R$ 3 duodecilhões!!! Calma, amigos, não se trata de erro de
digitação. É isso mesmo! A nota da “IstoÉ” ajudava a tentar
captar o significado dessa inimaginável soma: “Conte: milhão,
bilhão, trilhão, quatrilhão etc, até chegar ao 12º ão”. Pois
é.
Isso é infinitamente mais do que
toda a riqueza que a humanidade inteira gerou (e pode vir a gerar por
inúmeros milênios, se ainda existir) desde que o homem apareceu
sobre a face da Terra. O Produto Interno Bruto de todos os 202 países
com assento na ONU, somado, não chega sequer a uma centena de
trilhões! Quanto falta para o duodecilhão? Uma infinidade de zeros!
Já imaginaram se a Justiça desse ganho de causa à costureira e
obrigasse o banco a pagar essa quantia?! De que jeito?! A realidade,
portanto, dá ou não dá o maior dos bailes (maior do que os de
Pelé, Garrincha, Canhoteiro, Denílson e, de lambugem, Maradona,
Messi e Neymar juntos) na ficção?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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