Monday, April 03, 2017

Perdas salariais


Pedro J. Bondaczuk


O Congresso Nacional certamente vai modificar a medida provisória publicada esta semana e que institui a Unidade Real de Valor (URV) como indexador único da economia e é o embrião da futura moeda. Alguns com sinceridade de propósitos, a maior por interesse próprio (já que se trata de um ano eleitoral), o fato é que senadores e deputados não irão aprovar, do jeito que está, a proposta do governo, em especial na parte que trata da conversão de salários para o novo índice.

Se não houve perdas. como o ministro da Fazenda garante, Fernando Henrique Cardoso terá que ser muito convincente, mais do que foi até agora e mais claro em suas argumentações, para demonstrar. O general medo-persa Ciro afirmou, há mais de dois mil anos, que "um plano que não admite modificações é um plano ruim".

Claro que tais alterações têm que ser de forma a que não o descaracterizem. Mas, parodiando o ex-ministro do Trabalho, Antonio Rogério Magri, não pode ser "imexível". Isso implica dizer que é legítima a movimentação dos sindicatos, no sentido de evitar ainda mais prejuízos para os salários, os principais prejudicados pelas várias "experiências" econômicas perpetradas de 1986 para cá no País. Cabe-lhes esse papel.

Eles existem é para isso mesmo. É até possível que tais entidades estejam sendo precipitadas, lançando prematuros movimentos grevistas. Mas numa democracia que se preze, tais atitudes devem ser consideradas normais.

O próprio ministro da Fazenda, numa de suas tantas preleções acerca da URV, ressaltou que o momento não é de ganhos ou perdas para ninguém. Portanto, caso fique demonstrado que os salários sofreram alguma erosão, por menor que seja, até por uma questão de coerência, o que foi perdido deve ser reposto.

A forma como tal reposição será feita é o que menos importa. Mais achatamento salarial vai implicar em fatal redução de arrecadação de tributos (pagos, em última análise, pelos assalariados, que são concomitantemente consumidores e contribuintes), produzindo déficits orçamentários, realimentadores de inflação.

Por isso, requer-se coerência da parte de Fernando Henrique Cardoso. Ou ele prova que os salários não sofreram nenhuma perda, como argumenta, ou repõe o que foi perdido, para que seu plano não se perca onde os anteriores naufragaram: falta de credibilidade.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 5 de março de 1994).


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