Saturday, April 15, 2017

Esforços frutíferos


Pedro J. Bondaczuk


A vida, sobretudo a humana, consiste, em sua maior parte, de atividades, quer as físicas, quer intelectuais, quer ambas, simultaneamente. Até aí, limitei-me a concluir o óbvio do óbvio. Despendemos, diariamente, uma carga imensa, incontável, de esforços, para andar, falar, trabalhar, copular, brigar ou jogar, não importa. Uns, esforçam-se mais, por serem ou mais fortes ou mais ativos, outros menos, por deficiências orgânicas ou temperamento. Mas todos, de uma maneira ou de outra, fazem força o tempo todo. Até durante o sono, sem que percebamos, nos esforçamos muito. Nosso corpo não foi projetado para a inércia, mas para a atividade.

Há, porém, os que entendem que os esforços devem ser, sempre, dirigidos e seletivos, ou seja, objetivos, caso contrário serão considerados inúteis, mera perda de tempo e de energia. Contesto os que pensam assim. Não vejo inutilidade alguma, e muito menos desperdício, em atividade alguma, desde que não seja ininterrupta, 24 horas por dia, 30 dias no mês e 12 meses ao ano, o que, claro, é impossível. Portanto...

Esforçar-se, em última análise, é viver. Só não faz esforço algum, obviamente, aquele que já morreu. E por que? Somente porque não conta mais com aquele “motor” que empresta dinamismo e vigor aos seres vivos. Por isso, entra em rápido processo de decomposição. Essa constatação parece, reitero, para lá de óbvia, mas nunca é demais repeti-la, pois muitos parecem que não a entendem, ou relutam em entender.

Concordo plenamente com o sociólogo francês, Roger Caillois, quando afirma: “Não existem esforços inúteis”. E arremata: “Sísifo ganhava músculos”. Esse estudioso do comportamento, que morreu em 1978, aos 65 anos de idade, foi autor de um livro que até hoje corre o mundo e que na versão brasileira recebeu o título de “Os homens e os jogos”. Nele, aborda a necessidade humana de “brincar”. Caillois estendeu e completou seus estudos a respeito em outra obra, igualmente best-seller, intitulada “Homo Ludens”. Sim, amigos, jogar é, desde sempre, mais do que diversão, necessidade humana.

Não vou ser chato de expor os argumentos do sociólogo (aliás irretorquíveis), para não tirar o gostinho do leitor de consultar, por si só, os dois livros que citei. É leitura que recomendo a todos, especialmente aos amantes de “games”, que têm em Callois um grande defensor.

A propósito, muita gente talvez não se lembre quem foi Sisifo, que o pesquisador francês afirmou que “ganhava músculos” com sua atividade. Qual era ela? Quem foi esse personagem? Para quem não sabe (e não é feio não saber, mas o não querer aprender), informo que se trata de intrigante personagem da mitologia grega. Filho do rei Eólo e da rainha Enarete, era considerado o mais astuto dos mortais. Tanto, que enganou, em ocasiões diferentes, praticamente a totalidade dos deuses do Olimpo.

Sua esperteza era tamanha, que mesmo assim, descontentando os senhores dos destinos humanos, morreu de velhice. Aí, porém, foi que começou o seu drama (e que drama!). Sua alma foi conduzida, por Hermes, ao Hades e Zeus, o senhor supremo do Olimpo, atribuiu-lhe um castigo sem-fim, ou seja, para toda a eternidade.

E qual foi a tal punição? Foi a de rolar, com as mãos, uma enorme pedra de mármore, montanha acima, até o cume. Fácil, não é mesmo? Muita calma, afoito leitor. O castigo não era tão simples. Todas as vezes que Sisifo estava quase alcançando o topo, o pesado bloco rolava ladeira abaixo, até o ponto de partida, por meio de uma força irresistível: a da gravidade. E ele tinha, então, que recomeçar tudo outra vez, sempre e sempre, com o mesmíssimo resultado.

Por isso que todas as vezes que alguém quer se valer de uma metáfora, para ilustrar alguma tarefa inútil e infrutífera, se refere ao tal “Trabalho de Sísifo”. Caillois, contudo, argumenta que até esse esforço tinha algum proveito. “Qual?”, perguntaria o leitor desatento. “Ganhava músculos!”, responde o sociólogo francês.

Há algum desperdício de energia, por exemplo, numa caminhada, numa pelada com os amigos, num passeio de bicicleta, numa partida de frescobol na praia ou num simples jogo de peteca? Se não fizermos só isso, o tempo todo, mas também trabalharmos, andarmos, falarmos, copularmos, jogarmos etc., tudo a seu devido tempo e na dosagem adequada, não há nenhuma inutilidade nesses atos.

Na pior das hipóteses, estaremos, como Sísifo, “ganhando músculos”, quando não alguns anos de vida a mais. E isso não é precioso? Esses esforços, pois, não estarão sendo frutíferos? Claro que sim! Perguntem a qualquer médico!

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