Lei de mercado ameaçada
Pedro J. Bondaczuk
O tema que mais está na boca do povo, nestes
dias, é, compreensivelmente, o do novo plano “salvador” da
economia brasileira, que prevê o congelamento de preços e de
salários por um prazo de no máximo 90 dias, para derrubar taxas
inflacionárias que andavam ao redor de 30% (ou mais) ao mês.
Ao contrário da euforia
desbragada gerada pelo Cruzado, em 28 de fevereiro do ano passado,
que contagiou até os analistas (em geral serenos e eqüidistantes
dos acontecimentos, para que a paixão não obscureça o julgamento),
as novas medidas foram recebidas com ceticismo e até com uma certa
irritação, já que se esperava outro tipo de política econômica,
de longo prazo.
Uma das discussões mais
freqüentes é se as providências serão capazes, ou não, de
derrubar as taxas inflacionárias. Aliás, este termo, “redução”
da inflação, não é apropriado. Ela não vai cair, em absoluto. O
que pode acontecer é vir a crescer menos, entre 3% a 6%, o que é
muito diferente. A inflação cairia se viéssemos a ter uma
deflação, o que, nas atuais circunstâncias, é um sonho para lá
de utópico. É mera fantasia, que não traz benefícios para
ninguém, ao gerar falsas expectativas que, logo, certamente serão
frustradas.
O que se teme, em muitos círculos,
e não sem razão, é que a recessão, que apenas estava esboçada no
horizonte econômico nacional, venha, de fato, a se instalar entre
nós, com as terríveis seqüelas que em geral a acompanham.
Ora, o que ficou muito claro foi
que o chamado Plano Bresser (uma espécie de Projeto Sayad, com
algumas modificações, e para pior), trouxe consigo um violento
achatamento salarial. A inflação de junho, a maior da nossa
história, simplesmente vai se evaporar, em termos de repasse para os
salários. Dessa forma, nem é necessário ser nenhum guru da
economia para prever uma violenta queda no consumo, maior do que a
que estava se verificando antes da imposição dessas medidas. Não
que o consumidor tenha ficado mais ajuizado e haja decidido poupar
seus trocadinhos, ao invés de se lançar em uma orgia consumista. É
por causa da falta de dinheiro mesmo!
Por exemplo, qualquer pessoa que
já tenha ido aos supermercados com a tabela da Sunab nas mãos, que
o Correio Popular publicou na sexta-feira, pôde verificar que os
preços congelados, da grande maioria dos produtos essenciais à
sobrevivência, estão acima dos que estavam sendo praticados pelo
mercado.
Ora, somando-se a esse fator a
perda de até 30% do poder de compra do salário, determinada pela
“evaporação” da inflação de junho, não é nada difícil de
se predizer o que irá ocorrer. É questão de pura lógica!
Não adianta o ministro vir à
televisão e, gráfico na mão, tentar provar que o trabalhador não
está perdendo coisa alguma, mas sim, ganhando. Nos próximos meses,
isto vai aparecer cristalinamente. Os reajustes salariais nunca foram
praticados antes da elevação do custo das mercadorias. Sempre
tiveram que correr atrás dela. E, desta vez, não conseguiram
alcançar (como em maio também não, já que o chamado gatilho repôs
apenas 20% do que foi corroído e a taa desse mês passou dos 23%).
Estes fatos formam uma cadeia de
acontecimentos. O consumidor, não tendo dinheiro, logicamente não
irá comprar. O comerciante, não podendo colocar a sua mercadoria na
praça, fatalmente deixará de fazer novas encomendas. Afinal, ele
depende, é claro, da circulação, que não pode ser contida, sob o
risco de inviabilizar o seu negócio. O varejo não vendendo, será
inútil a indústria produzir. E, quem não produz, também não
investe. Afinal, não há tanto capital assim sobrando na praça.
E o que essa cadeia vem
configurar? Ora, sem dúvida, a recessão. É claro que todo o
brasileiro está torcendo para que as coisas dêem certo! Mas tanto o
raciocínio dos técnicos do governo não está correto, que as
próprias federações de indústrias propuseram um abono salarial
para os trabalhadores. Os empresários são pessoas que não lidam
com fantasias e com sonhos. Têm os pés bem plantados no chão e já
intuíram o significado de se represar, tão violentamente, via
salários, o consumo.
Oxalá estejamos equivocados e não
passemos de pessimistas, pois assim, teremos a chance de experimentar
uma agradável surpresa quando (ou se) o plano der certo. Com outra
linguagem, o projeto do governo lembra muito as receitas do Fundo
Monetário Internacional que, não faz muito, quase levaram Zâmbia
para o fundo do poço antes que seu presidente, Kenneth Kunda,
suspendesse a sua execução.
O enfoque dado pelo novo plano é
eminentemente exportador. Acontece que, no ano passado, o País
perdeu muitos dos seus tentadores mercados, e terá que lutar,
bastante, para recuperar terreno perdido. Mesmo assim, o Exterior não
será suficiente pra absorver toda a produção brasileira. Afinal,
os Estados Unidos, que são o nosso maior cliente, estão nas
preliminares de uma crise econômica, prognosticados pelos
economistas mais sérios de Nova York, gente que não está
acostumada a fazer avaliações fantasiosas d conjuntura.
O que vai restar para o setor
produtivo nacional? É uma pergunta que todos fazem, cada vez com
maior freqüência, ainda um tanto estonteados por mais este nocaute
(ou tentativa dele) numa das leis naturais mais imutáveis e
perfeitas: a da oferta e da procura.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 21 de junho
de 1987).
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