Saturday, April 15, 2017

Lei de mercado ameaçada



Pedro J. Bondaczuk



O tema que mais está na boca do povo, nestes dias, é, compreensivelmente, o do novo plano “salvador” da economia brasileira, que prevê o congelamento de preços e de salários por um prazo de no máximo 90 dias, para derrubar taxas inflacionárias que andavam ao redor de 30% (ou mais) ao mês.

Ao contrário da euforia desbragada gerada pelo Cruzado, em 28 de fevereiro do ano passado, que contagiou até os analistas (em geral serenos e eqüidistantes dos acontecimentos, para que a paixão não obscureça o julgamento), as novas medidas foram recebidas com ceticismo e até com uma certa irritação, já que se esperava outro tipo de política econômica, de longo prazo.

Uma das discussões mais freqüentes é se as providências serão capazes, ou não, de derrubar as taxas inflacionárias. Aliás, este termo, “redução” da inflação, não é apropriado. Ela não vai cair, em absoluto. O que pode acontecer é vir a crescer menos, entre 3% a 6%, o que é muito diferente. A inflação cairia se viéssemos a ter uma deflação, o que, nas atuais circunstâncias, é um sonho para lá de utópico. É mera fantasia, que não traz benefícios para ninguém, ao gerar falsas expectativas que, logo, certamente serão frustradas.

O que se teme, em muitos círculos, e não sem razão, é que a recessão, que apenas estava esboçada no horizonte econômico nacional, venha, de fato, a se instalar entre nós, com as terríveis seqüelas que em geral a acompanham.

Ora, o que ficou muito claro foi que o chamado Plano Bresser (uma espécie de Projeto Sayad, com algumas modificações, e para pior), trouxe consigo um violento achatamento salarial. A inflação de junho, a maior da nossa história, simplesmente vai se evaporar, em termos de repasse para os salários. Dessa forma, nem é necessário ser nenhum guru da economia para prever uma violenta queda no consumo, maior do que a que estava se verificando antes da imposição dessas medidas. Não que o consumidor tenha ficado mais ajuizado e haja decidido poupar seus trocadinhos, ao invés de se lançar em uma orgia consumista. É por causa da falta de dinheiro mesmo!

Por exemplo, qualquer pessoa que já tenha ido aos supermercados com a tabela da Sunab nas mãos, que o Correio Popular publicou na sexta-feira, pôde verificar que os preços congelados, da grande maioria dos produtos essenciais à sobrevivência, estão acima dos que estavam sendo praticados pelo mercado.

Ora, somando-se a esse fator a perda de até 30% do poder de compra do salário, determinada pela “evaporação” da inflação de junho, não é nada difícil de se predizer o que irá ocorrer. É questão de pura lógica!

Não adianta o ministro vir à televisão e, gráfico na mão, tentar provar que o trabalhador não está perdendo coisa alguma, mas sim, ganhando. Nos próximos meses, isto vai aparecer cristalinamente. Os reajustes salariais nunca foram praticados antes da elevação do custo das mercadorias. Sempre tiveram que correr atrás dela. E, desta vez, não conseguiram alcançar (como em maio também não, já que o chamado gatilho repôs apenas 20% do que foi corroído e a taa desse mês passou dos 23%).

Estes fatos formam uma cadeia de acontecimentos. O consumidor, não tendo dinheiro, logicamente não irá comprar. O comerciante, não podendo colocar a sua mercadoria na praça, fatalmente deixará de fazer novas encomendas. Afinal, ele depende, é claro, da circulação, que não pode ser contida, sob o risco de inviabilizar o seu negócio. O varejo não vendendo, será inútil a indústria produzir. E, quem não produz, também não investe. Afinal, não há tanto capital assim sobrando na praça.

E o que essa cadeia vem configurar? Ora, sem dúvida, a recessão. É claro que todo o brasileiro está torcendo para que as coisas dêem certo! Mas tanto o raciocínio dos técnicos do governo não está correto, que as próprias federações de indústrias propuseram um abono salarial para os trabalhadores. Os empresários são pessoas que não lidam com fantasias e com sonhos. Têm os pés bem plantados no chão e já intuíram o significado de se represar, tão violentamente, via salários, o consumo.

Oxalá estejamos equivocados e não passemos de pessimistas, pois assim, teremos a chance de experimentar uma agradável surpresa quando (ou se) o plano der certo. Com outra linguagem, o projeto do governo lembra muito as receitas do Fundo Monetário Internacional que, não faz muito, quase levaram Zâmbia para o fundo do poço antes que seu presidente, Kenneth Kunda, suspendesse a sua execução.

O enfoque dado pelo novo plano é eminentemente exportador. Acontece que, no ano passado, o País perdeu muitos dos seus tentadores mercados, e terá que lutar, bastante, para recuperar terreno perdido. Mesmo assim, o Exterior não será suficiente pra absorver toda a produção brasileira. Afinal, os Estados Unidos, que são o nosso maior cliente, estão nas preliminares de uma crise econômica, prognosticados pelos economistas mais sérios de Nova York, gente que não está acostumada a fazer avaliações fantasiosas d conjuntura.

O que vai restar para o setor produtivo nacional? É uma pergunta que todos fazem, cada vez com maior freqüência, ainda um tanto estonteados por mais este nocaute (ou tentativa dele) numa das leis naturais mais imutáveis e perfeitas: a da oferta e da procura.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 21 de junho de 1987).



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: