Só o início de uma caminhada
Pedro J. Bondaczuk
O plano para derrubar a
inflação brasileira, posto em prática pelo governo do presidente
José Sarney, apresentou, em março, o seu primeiro resultado
animador. Não se contentou, apenas, em arrasar o monstro
inflacionário, que ameaçava o País com a completa desorganização
econômica. Foi mais longe e registrou um fato raríssimo em nossa
história: deflação. Ou seja, uma redução geral de preços, cujos
números, ainda, não foram revelados, ficando por conta dos palpites
de cada um.
Mesmo que ela não ocorresse,
porém, e a taxa do mês ficasse no zero, já seria uma expressiva
vitória de toda a população, que com seu engajamento ao projeto,
foi a razão determinante do seu sucesso. No entanto, é
indispensável que não nos deixemos levar pela euforia, achando que
doravante todos os nossos males estejam extintos e que se encontrou
uma fórmula mágica, milagrosa, uma verdadeira alquimia, que
transformou chumbo em ouro.
A guerra contra a inflação
está muito longe de ter terminado. Na verdade, mal começou. O
choque antiinflacionário, que teve como base a criação de uma nova
moeda no País e que se caracterizou pelo congelamento de preços e
de salários, foi apenas a ignição do motor, que já está ligado
para o início de uma longa e penosa viagem pelos caminhos da nossa
reorganização econômica. Outras providências terão que vir, para
que a euforia não venha a se transformar em desencanto.
Projetos dessa natureza, do
cruzado, precisam vir acompanhados de uma política coerente e
cuidadosa de redistribuição de renda. Principalmente, no tempo em
que vigorar o congelamento. Em casos dessa natureza, o tempo atua
contra os que auferem baixas rendas e que por isso não contam com o
suficiente para sequer uma manutenção pessoal adequada.
Explico. No Brasil, o número
de consumidores é relativamente baixo, quando comparado à
população. Essas pessoas, haja ou não inflação, jamais reduzem
seu padrão de vida. Essa pequena quantidade que tem acesso ao
consumo enseja, quase sempre, o surgimento dos nefastos mercados
negros. Da noite para o dia, por exemplo, registra-se uma escassez
artificial de determinados produtos. Isto não é nada difícil de
acontecer, pelo contrário. Basta haver algum enorme depósito de
mercadorias para armazenar estes gêneros, em algum remoto canto
deste país-continente, tirando-os de circulação.
Os donos desses estoques
clandestinos passam a vendê-los homeopaticamente. E como a lei
natural de mercado, a da oferta e da procura, é muito mais forte do
que qualquer processo artificial para regular preços, ditado pelas
autoridades, estes tendem a crescer, em virtude da falta ou da baixa
oferta de produtos. Ou seja, o comerciante, com aquele “jeitinho”
todo especial, garante ao cliente: “Tenho 30 quilos de arroz, que
guardei para o meu próprio consumo. Se você quiser, posso lhe
vender, mas por Cz$ 45,00.
O consumidor, desesperado,
acaba pagando, sem reclamar muito. Por que? Porque precisa da
mercadoria e tem dinheiro para pagá-la, mesmo a preços mais
elevados. Mas quem não tem? Quem depende, exclusivamente, do salário
(congelado) para sobreviver, como faz? Que fiscalização é capaz de
detectar e provar a existência dessa sonegação de gêneros de
primeira necessidade? É, virtualmente, impossível!
A concentração de renda,
quando exagerada (e em nosso país ela é), enseja, mais cedo ou mais
tarde, esse tipo de distorção. No entanto, aumentando a oferta de
mercadorias e possibilitando que a maioria dos brasileiros (o ideal
seria a totalidade) tenha com que adquirir esses produtos, não
haverá mercado negro que resista. Quando os preços subirem
excessivamente, ninguém poderá adquirir essas mercadorias,
forçando, por conseqüência, de maneira natural, a sua queda.
É claro que redistribuição
não significa confisco. Não é tirar de quem tem para dar a quem
não tem. Esse procedimento, além de injusto e antinatural, é
ineficiente. Se o sistema vigente permanecer o mesmo, em pouco tempo
esses recursos terminam transferidos, de novo, para os bolsos dos
seus donos originais.
É preciso reordenar toda a
estrutura do País. É necessário dar mais acesso, a um número
crescente de pessoas, à educação, ao aprimoramento técnico para a
realização profissional. É preciso incentivar investimentos
maciços em atividades produtivas, para gerar crescentes
oportunidades de emprego. Além disso, tem que se reduzir,
progressivamente, os impostos indiretos, pagos indistintamente por
quem pode e por quem não pode pagar, do tipo ICM e IPI, e
aumentando, na mesma proporção, os diretos.
É claro que essas são apenas
algumas das providências que precisam ser adotadas. Embora sejam as
mais óbvias, são, também, as de mais difícil execução. No
entanto, o País tem que fazer isso, se aspira uma posição melhor
no âmbito internacional.
Não se concebe uma sociedade
forte e respeitada, onde 60 milhões de pessoas vegetam nos limites
da mais absoluta miséria, sem que tenham condições sequer de
adquirir os alimentos indispensáveis à sua sobrevivência.
Providências do tipo das tomadas com a criação do Plano Cruzado
funcionam, mas desde que acompanhadas de sábias e corajosas medidas
complementares. E temos esperanças que elas virão, pois esta é a
vontade manifestada pelos brasileiros.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de abril de 1986)
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