Saturday, April 29, 2017

Só o início de uma caminhada



Pedro J. Bondaczuk


O plano para derrubar a inflação brasileira, posto em prática pelo governo do presidente José Sarney, apresentou, em março, o seu primeiro resultado animador. Não se contentou, apenas, em arrasar o monstro inflacionário, que ameaçava o País com a completa desorganização econômica. Foi mais longe e registrou um fato raríssimo em nossa história: deflação. Ou seja, uma redução geral de preços, cujos números, ainda, não foram revelados, ficando por conta dos palpites de cada um.

Mesmo que ela não ocorresse, porém, e a taxa do mês ficasse no zero, já seria uma expressiva vitória de toda a população, que com seu engajamento ao projeto, foi a razão determinante do seu sucesso. No entanto, é indispensável que não nos deixemos levar pela euforia, achando que doravante todos os nossos males estejam extintos e que se encontrou uma fórmula mágica, milagrosa, uma verdadeira alquimia, que transformou chumbo em ouro.

A guerra contra a inflação está muito longe de ter terminado. Na verdade, mal começou. O choque antiinflacionário, que teve como base a criação de uma nova moeda no País e que se caracterizou pelo congelamento de preços e de salários, foi apenas a ignição do motor, que já está ligado para o início de uma longa e penosa viagem pelos caminhos da nossa reorganização econômica. Outras providências terão que vir, para que a euforia não venha a se transformar em desencanto.

Projetos dessa natureza, do cruzado, precisam vir acompanhados de uma política coerente e cuidadosa de redistribuição de renda. Principalmente, no tempo em que vigorar o congelamento. Em casos dessa natureza, o tempo atua contra os que auferem baixas rendas e que por isso não contam com o suficiente para sequer uma manutenção pessoal adequada.

Explico. No Brasil, o número de consumidores é relativamente baixo, quando comparado à população. Essas pessoas, haja ou não inflação, jamais reduzem seu padrão de vida. Essa pequena quantidade que tem acesso ao consumo enseja, quase sempre, o surgimento dos nefastos mercados negros. Da noite para o dia, por exemplo, registra-se uma escassez artificial de determinados produtos. Isto não é nada difícil de acontecer, pelo contrário. Basta haver algum enorme depósito de mercadorias para armazenar estes gêneros, em algum remoto canto deste país-continente, tirando-os de circulação.

Os donos desses estoques clandestinos passam a vendê-los homeopaticamente. E como a lei natural de mercado, a da oferta e da procura, é muito mais forte do que qualquer processo artificial para regular preços, ditado pelas autoridades, estes tendem a crescer, em virtude da falta ou da baixa oferta de produtos. Ou seja, o comerciante, com aquele “jeitinho” todo especial, garante ao cliente: “Tenho 30 quilos de arroz, que guardei para o meu próprio consumo. Se você quiser, posso lhe vender, mas por Cz$ 45,00.

O consumidor, desesperado, acaba pagando, sem reclamar muito. Por que? Porque precisa da mercadoria e tem dinheiro para pagá-la, mesmo a preços mais elevados. Mas quem não tem? Quem depende, exclusivamente, do salário (congelado) para sobreviver, como faz? Que fiscalização é capaz de detectar e provar a existência dessa sonegação de gêneros de primeira necessidade? É, virtualmente, impossível!

A concentração de renda, quando exagerada (e em nosso país ela é), enseja, mais cedo ou mais tarde, esse tipo de distorção. No entanto, aumentando a oferta de mercadorias e possibilitando que a maioria dos brasileiros (o ideal seria a totalidade) tenha com que adquirir esses produtos, não haverá mercado negro que resista. Quando os preços subirem excessivamente, ninguém poderá adquirir essas mercadorias, forçando, por conseqüência, de maneira natural, a sua queda.

É claro que redistribuição não significa confisco. Não é tirar de quem tem para dar a quem não tem. Esse procedimento, além de injusto e antinatural, é ineficiente. Se o sistema vigente permanecer o mesmo, em pouco tempo esses recursos terminam transferidos, de novo, para os bolsos dos seus donos originais.

É preciso reordenar toda a estrutura do País. É necessário dar mais acesso, a um número crescente de pessoas, à educação, ao aprimoramento técnico para a realização profissional. É preciso incentivar investimentos maciços em atividades produtivas, para gerar crescentes oportunidades de emprego. Além disso, tem que se reduzir, progressivamente, os impostos indiretos, pagos indistintamente por quem pode e por quem não pode pagar, do tipo ICM e IPI, e aumentando, na mesma proporção, os diretos.

É claro que essas são apenas algumas das providências que precisam ser adotadas. Embora sejam as mais óbvias, são, também, as de mais difícil execução. No entanto, o País tem que fazer isso, se aspira uma posição melhor no âmbito internacional.

Não se concebe uma sociedade forte e respeitada, onde 60 milhões de pessoas vegetam nos limites da mais absoluta miséria, sem que tenham condições sequer de adquirir os alimentos indispensáveis à sua sobrevivência. Providências do tipo das tomadas com a criação do Plano Cruzado funcionam, mas desde que acompanhadas de sábias e corajosas medidas complementares. E temos esperanças que elas virão, pois esta é a vontade manifestada pelos brasileiros.


(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de abril de 1986)


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