Saturday, April 08, 2017

Instinto sufocado


Pedro J. Bondaczuk



O amor é o sentimento mais propalado e, no entanto, menos posto em prática pelo homem através dos tempos. A palavra, por sinal, serve para rotular tanta coisa diferente! Designa tanta emoção desencontrada! Nomeia tanta ação contraditória! É confundida ora com paixão, ora com atração sexual, ora com mera posse carnal, ora com simples e difuso desejo, ora com dominação, como se o ser supostamente amado se tratasse de mercadoria etc. Por isso são raros os que exercitam ou exercitaram o amor, em toda a sua plenitude e grandeza, em sua transcendência e sublimidade, em algum lugar ou ocasião”.

Esta constatação, óbvia por sinal, eu fiz na abertura do prefácio que redigi para o livro do poeta campineiro Átila Tognolo de Miranda Gomes, “Na contramão daquela rua” e que peço licença a esse escritor para reproduzir aqui, por ilustrar a caráter o tema que vou abordar.

Muitos dos meus críticos mais ferrenhos me condenam pelas citações que faço em algumas das minhas crônicas, mesmo que sejam pertinentes e até indispensáveis para ilustrar os assuntos tratados. Desta vez, lhes darei mais munição para seus ataques. Não posso, porém, deixar de citar o psicanalista, filósofo e cientista social Erich Fromm (nascido em 1900 em Frankfurt e que morreu em 1980), por se tratar de renomado e categorizado especialista no estudo das emoções, para deixar clara a minha posição no delicado assunto que passo a abordar.

Em seu clássico “A arte de amar”, ele afirma: “O amor da mãe é cego, é pacífico, não precisa ser adquirido, não necessita ser merecido. Mas há um lado negativo, também, na qualidade incondicional do amor de mãe. Não só ele não precisa ser merecido; não pode, igualmente, ser adquirido, produzido, controlado. Se existe, é como uma bênção; se não existe, é como se desaparecesse da vida toda a beleza – e nada posso fazer para criá-lo”. O amor de mãe é instintivo. Quando não existe, um impulso básico de qualquer animal se faz irremediavelmente ausente.

Estas considerações vêm a propósito de uma chamada de primeira página do jornal Correio Popular de Campinas, de muito tempo atrás, da edição de 4 de março de 2006, que diz: “Recém-nascida é abandonada dentro de caixa em cemitério”. E o texto abaixo informa: “Um bebê recém-nascido, ainda com o cordão umbilical, foi encontrado ontem (dia 3 de março), por volta das 10 horas, abandonado no cemitério Parque da Ressurreição, bairro Higienópolis, em Piracicaba. A criança, do sexo feminino, estava dentro de uma caixa de tênis. Resgatada com vida pelos Bombeiros, foi levada à Santa Casa da cidade, onde permanece em observação e em boas condições de saúde...”

Nesse mesmo dia, um assíduo leitor dos meus textos telefonou-me e praticamente exigiu que eu desse minha opinião, publicamente, sobre o caso. Tarefa das mais ingratas, claro, já que não me sinto habilitado a julgar ações alheias, o que é muito fácil, mas que nos leva a cometer, invariavelmente, imensas injustiças quando não levamos em conta (e em geral é o que ocorre), as circunstâncias e atenuantes de ocorrências como esta. Quem sou para fazer julgamentos dos atos alheios?!

Por coincidência, nos dias anteriores, eu havia catalogado mais seis casos semelhantes, divulgados pela imprensa, nesta sucessão: 10 de janeiro de 2006 – “Mãe joga bebê em tambor de lixo no interior paulista”; 18 de janeiro de 2006 – “Polícia acha bebê abandonado em matagal”; 28 de janeiro de 2006 – “Bebê é resgatado na Lagoa da Pampulha”; 1 de fevereiro de 2006 – “Outro bebê é abandonado em Belo Horizonte” e “Mulher confessa que jogou filho recém-nascido em riacho no Rio Grande do Sul” e 8 de fevereiro de 2006 – “Mulher flagrada abandonando recém-nascido é presa no Rio de Janeiro”.

Eu poderia citar informações semelhantes anteriores e posteriores a 2006, inclusive uma recentíssima, deste ano recém-começado de 2017 (por coincidência, que também ocorreu em Piracicaba), mas não o farei, até porque os casos citados são para lá de suficientes para fundamentar o que sinto quando leio notícias sobre o assunto.

Claro que todos esses episódios constrangem, revoltam, irritam e, sobretudo, horrorizam os que tomam conhecimento deles, desde que se tratem de pessoas “normais”. Mas, o que é normalidade ou anormalidade num mundo tão sofrido e de tantas contradições e aberrações? E o que leva tantas mulheres (na grande maioria, adultas) a quererem se livrar de um pedaço delas mesmas, do fruto do seu ventre, daquela que deveria ser, sempre, sua maior realização na vida? Que mundo é este em que um ser humano (e pior, absolutamente indefeso) é considerado “descartável”, a ponto de ser jogado em latas de lixo, em lagoas, em riachos e em cemitérios, entre outros lugares? O que leva uma mulher, aparentemente sadia e normal, a agir dessa forma?

Para Jussara da Silva Gouveia, titular do Conselho Tutelar de Pinheirinho, em Curitiba, cujo artigo a propósito li na internet, é o desespero. Imaginem, pois, o tamanho dele e o sofrimento que causa! Quem age assim, não é normal! Não pode e jamais virá a ser! Afinal, sufoca o instinto primário, básico, fundamental de qualquer ser vivo, que é o de preservação da espécie.

“Na maioria das vezes ela abandona porque foi largada pelo companheiro e não consegue ver a possibilidade de criar a criança”, tenta explicar Jussara essa atitude injustificável. Porém, o que dizer do covarde que abandona uma mulher grávida de um filho seu? Ele é que deveria ser punido em casos como estes! Não tem o mínimo senso de responsabilidade. É imaturo, oportunista e inconsciente. É a causa fundamental desse crime de lesa-humanidade! Outros motivos que explicam (mas não justificam) abandonos de bebês são a pobreza e distúrbios emocionais, principalmente a depressão pós-parto.

Pobre humanidade, que vê na vida um castigo, e não uma oportunidade! Pobres animais ditos racionais, incapazes de amar e que sufocam um instinto tão básico como o da perpetuação da espécie! Pobre, infeliz, paupérrima condição humana! O que mais se pode dizer de tamanha aberração?        
       

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