Instinto sufocado
Pedro J. Bondaczuk
“O amor é o sentimento mais
propalado e, no entanto, menos posto em prática pelo homem através dos tempos.
A palavra, por sinal, serve para rotular tanta coisa diferente! Designa tanta
emoção desencontrada! Nomeia tanta ação contraditória! É confundida ora com
paixão, ora com atração sexual, ora com mera posse carnal, ora com simples e
difuso desejo, ora com dominação, como se o ser supostamente amado se tratasse
de mercadoria etc. Por isso são raros os que exercitam ou exercitaram o amor,
em toda a sua plenitude e grandeza, em sua transcendência e sublimidade, em
algum lugar ou ocasião”.
Esta constatação, óbvia por
sinal, eu fiz na abertura do prefácio que redigi para o livro do poeta
campineiro Átila Tognolo de Miranda Gomes, “Na contramão daquela rua” e que
peço licença a esse escritor para reproduzir aqui, por ilustrar a caráter o
tema que vou abordar.
Muitos dos meus críticos mais
ferrenhos me condenam pelas citações que faço em algumas das minhas crônicas,
mesmo que sejam pertinentes e até indispensáveis para ilustrar os assuntos
tratados. Desta vez, lhes darei mais munição para seus ataques. Não posso,
porém, deixar de citar o psicanalista, filósofo e cientista social Erich Fromm
(nascido em 1900 em Frankfurt e que morreu em 1980), por se tratar de renomado
e categorizado especialista no estudo das emoções, para deixar clara a minha
posição no delicado assunto que passo a abordar.
Em seu clássico “A arte de amar”,
ele afirma: “O amor da mãe é cego, é pacífico, não precisa ser adquirido, não
necessita ser merecido. Mas há um lado negativo, também, na qualidade
incondicional do amor de mãe. Não só ele não precisa ser merecido; não pode,
igualmente, ser adquirido, produzido, controlado. Se existe, é como uma bênção;
se não existe, é como se desaparecesse da vida toda a beleza – e nada posso
fazer para criá-lo”. O amor de mãe é instintivo. Quando não existe, um impulso
básico de qualquer animal se faz irremediavelmente ausente.
Estas considerações vêm a
propósito de uma chamada de primeira página do jornal Correio Popular de
Campinas, de muito tempo atrás, da edição de 4 de março de 2006, que diz:
“Recém-nascida é abandonada dentro de caixa em cemitério”. E o texto abaixo
informa: “Um bebê recém-nascido, ainda com o cordão umbilical, foi encontrado
ontem (dia 3 de março), por volta das 10 horas, abandonado no cemitério Parque
da Ressurreição, bairro Higienópolis, em Piracicaba. A criança, do sexo
feminino, estava dentro de uma caixa de tênis. Resgatada com vida pelos
Bombeiros, foi levada à Santa Casa da cidade, onde permanece em observação e em
boas condições de saúde...”
Nesse mesmo dia, um assíduo
leitor dos meus textos telefonou-me e praticamente exigiu que eu desse minha
opinião, publicamente, sobre o caso. Tarefa das mais ingratas, claro, já que
não me sinto habilitado a julgar ações alheias, o que é muito fácil, mas que
nos leva a cometer, invariavelmente, imensas injustiças quando não levamos em
conta (e em geral é o que ocorre), as circunstâncias e atenuantes de
ocorrências como esta. Quem sou para fazer julgamentos dos atos alheios?!
Por coincidência, nos dias
anteriores, eu havia catalogado mais seis casos semelhantes, divulgados pela
imprensa, nesta sucessão: 10 de janeiro de 2006 – “Mãe joga bebê em tambor de
lixo no interior paulista”; 18 de janeiro de 2006 – “Polícia acha bebê
abandonado em matagal”; 28 de janeiro de 2006 – “Bebê é resgatado na Lagoa da
Pampulha”; 1 de fevereiro de 2006 – “Outro bebê é abandonado em Belo Horizonte”
e “Mulher confessa que jogou filho recém-nascido em riacho no Rio Grande do
Sul” e 8 de fevereiro de 2006 – “Mulher flagrada abandonando recém-nascido é
presa no Rio de Janeiro”.
Eu poderia citar informações
semelhantes anteriores e posteriores a 2006, inclusive uma recentíssima, deste
ano recém-começado de 2017 (por coincidência, que também ocorreu em
Piracicaba), mas não o farei, até porque os casos citados são para lá de
suficientes para fundamentar o que sinto quando leio notícias sobre o assunto.
Claro que todos esses episódios
constrangem, revoltam, irritam e, sobretudo, horrorizam os que tomam
conhecimento deles, desde que se tratem de pessoas “normais”. Mas, o que é
normalidade ou anormalidade num mundo tão sofrido e de tantas contradições e
aberrações? E o que leva tantas mulheres (na grande maioria, adultas) a
quererem se livrar de um pedaço delas mesmas, do fruto do seu ventre, daquela
que deveria ser, sempre, sua maior realização na vida? Que mundo é este em que
um ser humano (e pior, absolutamente indefeso) é considerado “descartável”, a
ponto de ser jogado em latas de lixo, em lagoas, em riachos e em cemitérios,
entre outros lugares? O que leva uma mulher, aparentemente sadia e normal, a
agir dessa forma?
Para Jussara da Silva Gouveia,
titular do Conselho Tutelar de Pinheirinho, em Curitiba, cujo artigo a
propósito li na internet, é o desespero. Imaginem, pois, o tamanho dele e o
sofrimento que causa! Quem age assim, não é normal! Não pode e jamais virá a
ser! Afinal, sufoca o instinto primário, básico, fundamental de qualquer ser
vivo, que é o de preservação da espécie.
“Na maioria das vezes ela
abandona porque foi largada pelo companheiro e não consegue ver a possibilidade
de criar a criança”, tenta explicar Jussara essa atitude injustificável. Porém,
o que dizer do covarde que abandona uma mulher grávida de um filho seu? Ele é
que deveria ser punido em casos como estes! Não tem o mínimo senso de
responsabilidade. É imaturo, oportunista e inconsciente. É a causa fundamental
desse crime de lesa-humanidade! Outros motivos que explicam (mas não
justificam) abandonos de bebês são a pobreza e distúrbios emocionais,
principalmente a depressão pós-parto.
Pobre humanidade, que vê na vida
um castigo, e não uma oportunidade! Pobres animais ditos racionais, incapazes
de amar e que sufocam um instinto tão básico como o da perpetuação da espécie!
Pobre, infeliz, paupérrima condição humana! O que mais se pode dizer de tamanha
aberração?
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