Friday, April 14, 2017

Delicada e incômoda questão



Pedro J. Bondaczuk



A controvérsia existente entre as Repúblicas soviéticas do Azerbaijão, de predominância muçulmana, e da Armênia, de maioria cristã, em torno do enclave de Nagorno-Karabhalkaskaya, na região do Cáucaso, não é, em absoluto, inédita.

O Ocidente está tendo a oportunidade de entrar em contato com um dos múltiplos problemas étnicos da URSS graças à “glasnost”, de Mikhail Gorbachev. Há tempos fizemos, neste mesmo espaço, uma análise sobre o crescimento populacional muito grande entre os povos que compõem a parte islâmica do gigantesco império russo.

Destacamos que o fato vinha preocupando o Cremlin, que precisava pisar em ovos para não ferir suscetibilidades nessa comunidade, para evitar grandes problemas. Por isso, as autoridades de Moscou, numa época em que se impunham inúmeras restrições à prática da religião em outras Repúblicas, como na Ucrânia e na Lituânia, por exemplo, faziam vistas grossas ao desafio muçulmano. Estes exerciam livremente a sua crença.

A controvérsia surgida no Cáucaso em torno de um território de tão baixa população, como Nagorno, com somente 165 mil habitantes, é, portanto, duplamente incômoda. Em primeiro lugar, por dar um pretexto aos armênios, que sempre se mostraram rebeldes (mormente depois do massacre que seu povo sofreu por parte dos turcos) para se imporem em nível nacional. E em segundo, o que é muito pior, porque está envolvida a população de uma unidade muçulmana, de seita xiita, que pode estar contaminada pelas pregações do aiatolá Ruhollah Khomeini, do vizinho Irã, que, aliás, a exemplo da Turquia, possui, também, uma província com o nome de Azerbaijão (Oriental, pois a parte ocidental é turca).

Há, portanto, uma identidade étnica, cultural e religiosa em todo esse território dividido entre três países. O temor do Cremlin, embora ninguém revele isso publicamente, é que todos os azeris, cuja comunidade está espalhada por três Estados, cismem de agir como os sikhs, do Punjab, na Índia, ou como os tamis, do Sri Lanka, e comecem uma luta separatista.

Daí, certamente, as alegações dos membros do Soviete Supremo, de que o enclave de Nagorno não pode ser anexado à Armênia por causa de um dispositivo constitucional que impede isso. O mesmo artigo citado sempre em Moscou, entretanto, não foi obstáculo para Joseph Stalin desmembrar Nagorno do território armênio.

O Cremlin, a esta altura, está numa situação sumamente delicada. Não pode sufocar à força os protestos e greves, mormente em Yerevan, por causa da imagem externa do seu líder e nem adotar uma posição que descontente a população do Azerbaijão, pelas razões acima expostas. Como Gorbachev vai resolver essa questão pode revelar muito da sua sinceridade ao falar de uma “glasnost” ao povo soviético.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 15 de julho de 1988).



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