Delicada e incômoda questão
Pedro J. Bondaczuk
A controvérsia existente entre as Repúblicas
soviéticas do Azerbaijão, de predominância muçulmana, e da
Armênia, de maioria cristã, em torno do enclave de
Nagorno-Karabhalkaskaya, na região do Cáucaso, não é, em
absoluto, inédita.
O Ocidente está tendo a
oportunidade de entrar em contato com um dos múltiplos problemas
étnicos da URSS graças à “glasnost”, de Mikhail Gorbachev. Há
tempos fizemos, neste mesmo espaço, uma análise sobre o crescimento
populacional muito grande entre os povos que compõem a parte
islâmica do gigantesco império russo.
Destacamos que o fato vinha
preocupando o Cremlin, que precisava pisar em ovos para não ferir
suscetibilidades nessa comunidade, para evitar grandes problemas. Por
isso, as autoridades de Moscou, numa época em que se impunham
inúmeras restrições à prática da religião em outras Repúblicas,
como na Ucrânia e na Lituânia, por exemplo, faziam vistas grossas
ao desafio muçulmano. Estes exerciam livremente a sua crença.
A controvérsia surgida no Cáucaso
em torno de um território de tão baixa população, como Nagorno,
com somente 165 mil habitantes, é, portanto, duplamente incômoda.
Em primeiro lugar, por dar um pretexto aos armênios, que sempre se
mostraram rebeldes (mormente depois do massacre que seu povo sofreu
por parte dos turcos) para se imporem em nível nacional. E em
segundo, o que é muito pior, porque está envolvida a população de
uma unidade muçulmana, de seita xiita, que pode estar contaminada
pelas pregações do aiatolá Ruhollah Khomeini, do vizinho Irã,
que, aliás, a exemplo da Turquia, possui, também, uma província
com o nome de Azerbaijão (Oriental, pois a parte ocidental é
turca).
Há, portanto, uma identidade
étnica, cultural e religiosa em todo esse território dividido entre
três países. O temor do Cremlin, embora ninguém revele isso
publicamente, é que todos os azeris, cuja comunidade está espalhada
por três Estados, cismem de agir como os sikhs, do Punjab, na Índia,
ou como os tamis, do Sri Lanka, e comecem uma luta separatista.
Daí, certamente, as alegações
dos membros do Soviete Supremo, de que o enclave de Nagorno não pode
ser anexado à Armênia por causa de um dispositivo constitucional
que impede isso. O mesmo artigo citado sempre em Moscou, entretanto,
não foi obstáculo para Joseph Stalin desmembrar Nagorno do
território armênio.
O Cremlin, a esta altura, está
numa situação sumamente delicada. Não pode sufocar à força os
protestos e greves, mormente em Yerevan, por causa da imagem externa
do seu líder e nem adotar uma posição que descontente a população
do Azerbaijão, pelas razões acima expostas. Como Gorbachev vai
resolver essa questão pode revelar muito da sua sinceridade ao falar
de uma “glasnost” ao povo soviético.
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 15 de
julho de 1988).
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