Realismo e acomodação
Pedro J. Bondaczuk
O líder soviético, e agora
também presidente desse país, Mikhail Gorbachev, à medida em que o
tempo passa, conquista, cada vez mais, a admiração e o respeito da
comunidade internacional, por causa da sua postura séria, corajosa e
sobretudo ousada. É verdade que em sua pátria não lhe faltam
resistências. Aliás, ausências de visão histórica, de realismo
político e até de patriotismo abundam em todas as sociedades.
Some-se a isso o tradicional
comodismo do russo comum e não será difícil de entender a razão
porque tanta gente se opõe à "perestroika" e à sua irmã
gêmea, a "glasnost". Mas Gorbachev, nem por isso, entregou
os pontos ou cedeu aos interesses dos burocratas. Muito pelo
contrário. Com grande tirocínio, está procurando se cercar de
gente jovem, brilhante, de sua inteira confiança e não comprometida
com a geração do estalinismo e de seus hediondos crimes.
O discurso que o presidente
fez, anteontem, a pessoas ligadas ao setor agrícola poderia ser
colocado na boca de um papa João Paulo II, por exemplo, que lhe
ficaria muito bem. O líder do Cremlin defendeu, entre outras coisas,
a posse da terra pelos camponeses que nela trabalham. Isso não
aconteceu nunca nesse país.
No tempo dos czares (os que
conhecem a história russa sabem disso), o agricultor era uma espécie
de "escravo" dos grandes latifundiários, que tinham sobre
ele o direito, inclusive, de vida e morte. Este, por sinal, foi o
principal estopim da Revolução de 1917, que no fim das contas,
frustrou as esperanças dos humildes e os sonhos dos idealistas, que
acreditavam ser possível a instituição de uma sociedade
igualitária, absolutamente sem classes, onde imperasse a
solidariedade. Hoje, pelo estado em que se encontram a União
Soviética e a China, se percebe que tudo não passou de uma utopia.
De algo bonito de ser dito, mas impossível de ser executado.
Gorbachev afirmou, em
determinado trecho do seu discurso de anteontem, com todas as
palavras, sem tirar e nem pôr: "Não há nada mais importante,
hoje, que levar o homem de volta à terra como seu proprietário
amadurecido". Diante dessa postura, dá para se entender a razão
porque Ronald Reagan, que sempre nutriu uma desconfiança patológica
pela URSS e por seus líderes, confiou no atual dirigente do Cremlin.
Claro, a pura e simples
manifestação de uma intenção não faz, como num passe de mágica,
que ela se torne em algo concreto. Mas se houver apoio do Ocidente, o
"império do mal" (conforme classificação dada à União
Soviética pelo presidente norte-americano em 1981), vai se
transformar, de antagonista do modo de vida ocidental, num
indispensável parceiro para a construção de um planeta melhor.
Afinal, como disse o nosso Machado de Assis, "a esperança é a
meninice do mundo" e é a última a morrer.
(Artigo publicado na página
11, Internacional, do Correio Popular em 14 de outubro de 1988)
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