Tuesday, April 25, 2017

Realismo e acomodação


Pedro J. Bondaczuk


O líder soviético, e agora também presidente desse país, Mikhail Gorbachev, à medida em que o tempo passa, conquista, cada vez mais, a admiração e o respeito da comunidade internacional, por causa da sua postura séria, corajosa e sobretudo ousada. É verdade que em sua pátria não lhe faltam resistências. Aliás, ausências de visão histórica, de realismo político e até de patriotismo abundam em todas as sociedades.

Some-se a isso o tradicional comodismo do russo comum e não será difícil de entender a razão porque tanta gente se opõe à "perestroika" e à sua irmã gêmea, a "glasnost". Mas Gorbachev, nem por isso, entregou os pontos ou cedeu aos interesses dos burocratas. Muito pelo contrário. Com grande tirocínio, está procurando se cercar de gente jovem, brilhante, de sua inteira confiança e não comprometida com a geração do estalinismo e de seus hediondos crimes.

O discurso que o presidente fez, anteontem, a pessoas ligadas ao setor agrícola poderia ser colocado na boca de um papa João Paulo II, por exemplo, que lhe ficaria muito bem. O líder do Cremlin defendeu, entre outras coisas, a posse da terra pelos camponeses que nela trabalham. Isso não aconteceu nunca nesse país.

No tempo dos czares (os que conhecem a história russa sabem disso), o agricultor era uma espécie de "escravo" dos grandes latifundiários, que tinham sobre ele o direito, inclusive, de vida e morte. Este, por sinal, foi o principal estopim da Revolução de 1917, que no fim das contas, frustrou as esperanças dos humildes e os sonhos dos idealistas, que acreditavam ser possível a instituição de uma sociedade igualitária, absolutamente sem classes, onde imperasse a solidariedade. Hoje, pelo estado em que se encontram a União Soviética e a China, se percebe que tudo não passou de uma utopia. De algo bonito de ser dito, mas impossível de ser executado.

Gorbachev afirmou, em determinado trecho do seu discurso de anteontem, com todas as palavras, sem tirar e nem pôr: "Não há nada mais importante, hoje, que levar o homem de volta à terra como seu proprietário amadurecido". Diante dessa postura, dá para se entender a razão porque Ronald Reagan, que sempre nutriu uma desconfiança patológica pela URSS e por seus líderes, confiou no atual dirigente do Cremlin.

Claro, a pura e simples manifestação de uma intenção não faz, como num passe de mágica, que ela se torne em algo concreto. Mas se houver apoio do Ocidente, o "império do mal" (conforme classificação dada à União Soviética pelo presidente norte-americano em 1981), vai se transformar, de antagonista do modo de vida ocidental, num indispensável parceiro para a construção de um planeta melhor. Afinal, como disse o nosso Machado de Assis, "a esperança é a meninice do mundo" e é a última a morrer.


(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular em 14 de outubro de 1988)



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