Sunday, April 02, 2017

Brisa de mudança no Cremlin


Pedro J. Bondaczuk


Os observadores internacionais estão todos de acordo de que a subida de Mikhail Gorbachev à liderança máxima na União Soviética irá trazer mudanças profundas, nos âmbitos interno e externo, naquele país. Mas a unanimidade das opiniões estende-se também ao prazo que essas alterações tem para começarem a acontecer, que não deverá ser tão curto quanto se espera ou se necessita.

O novo secretário-geral do PC da URSS terá, primeiro, que colocar gente sua em postos estratégicos, o que demanda muito tempo, principalmente num país como a União Soviética, viciado por décadas de imobilismo político e até de uma relativa preguiça de buscar inovações.

Um dos pontos em que ficou claro que haverá alterações, em relação à estratégia de Brezhnev e de seu fiel seguidor, o recém falecido Chernenko, é quanto ao relacionamento com a China. Não é sem razão que ultimamente o Cremlin (já há meses virtualmente comandado por Gorbachev), vem buscando uma reaproximação com Pequim.

Desde o primeiro afastamento do presidente russo, por motivo de doença, as críticas aos atuais dirigentes chineses foram minguando na imprensa soviética. Até se transformarem, nos últimos dias, em cautelosos elogios. Isso vem se verificando desde as vésperas da recente visita do vice-primeiro-ministro russo Arkipov à China, em fins do ano passado.

O rompimento com Pequim, aliás, foi um dos tantos desastres da política de força de Brezhnev, que tinha uma visão muito estreita da importância dos chineses como aliados da União Soviética. Como fruto da era Stalin (de triste lembrança para o sofrido povo russo), ele era avesso a qualquer idéia nova que pudesse surgir na órbita marxista, guiando os seus passos apenas, e tão somente, pela “cartilha” do velho ditador, responsável por tantas mortes e prisões na década de 1930 dos que não concordavam com seus métodos brutais e personalistas de dirigir o país.

Foi Leonid Brezhnev que pôs fim ao sonho liberalizante dos checos., em 1968, num movimento que ficou conhecido como a “Primavera de Praga”. Foi ele que se indispôs contra todos os Partidos Comunistas da Europa Ocidental, que queriam seguir caminhos próprios, compatíveis com as realidades de cada um de seus países, ensejando, assim, o “cisma” no “mundo vermelho” e propiciando o surgimento do eurocomunismo.

Foi, ainda, esse líder, duro e de pouco diálogo, que ordenou a desastrosa invasão do Afeganistão, colocando a União Soviética num atoleiro idêntico (ou até mesmo pior) do que aquele de onde os norte-americanos haviam há pouco saído, após a retirada das suas tropas do Vietnã.

Segundo os políticos ocidentais que tiveram a oportunidade de privar da presença de Gorbachev, este homem é muito diferente de Brezhnev e de Chernenko, de mente aberta, permeável às novas idéias e concepções. Nota-se que, desde a era de Lenin, o novo secretário-geral do PC da URSS é o único líder soviético com formação universitária.

Dessa forma, os russos não precisarão mais recalcar um complexo indisfarçável de inferioridade quando seu dirigente máximo, daqui por diante, tiver que se reunir com políticos do Ocidente, como faziam até aqui. Talvez isso explique, em parte, a relativamente pequena quantidade de encontros que os homens fortes do Cremlin mantiveram, desde o final da Segunda Guerra Mundial, com lideranças ocidentais. E justifique a parada no tempo dessa superpotência, em termos administrativos, perdendo terreno em tudo o que não signifique a indústria de armamentos para os países do Ocidente.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 13 de março de 1985).


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