Matéria
é irreal
Pedro J.
Bondaczuk
As leis da física, que mentes brilhantes e
inquiridoras descobriram (pois sempre existiram, criadas que foram por uma
mente muito maior) e sistematizaram, deixam-me cada vez mais pasmo, à medida
que as aprendo e analiso. Elas apenas aumentam as dimensões do grande mistério,
que é esse universo, com número inconcebível (à parca e tão limitada
inteligência humana), de quantificar, de mundos.
Matéria e energia são dois fatores fascinantes e
incríveis e agem como miragens. Parecem uma coisa, e na verdade são outras. O
que nos parece absolutamente sólido, como a madeira da escrivaninha que utilizo
para escrever estas reflexões, por exemplo, na verdade, quando analisado ao
microscópio, se revela oco, com mais espaços vazios do que matérias concretas
(no caso, os átomos).
Quanto mais aumentasse o poder das lentes e
penetrasse mais e mais no âmago desse objeto (aparentemente inteiriço) menos
rígido, certamente, ele se apresentaria. Jorge Luiz Borges induz os leitores a
esta instigante reflexão, neste trecho do seu livro “História da Eternidade”:
“No terceiro livro da Enéadas, lemos que a matéria é irreal: uma simples e oca
passividade que recebe as formas universais como um espelho as receberia: estas
a agitam e povoam sem alterá-la. Sua plenitude é precisamente a de um espelho,
que aparenta estar cheio e está vazio; é um fantasma que nem sequer desaparece,
porque não tem nem ao menos a capacidade de cessar. O fundamental são as
formas”.
Tudo é questão de ponto de vista. Um exemplo do que
quero dizer é o que ocorre com uma pintura de algum grande mestre (Ticiano,
Rafael, Rembrandt ou Leonardo da Vinci, por exemplo). Se observarmos um
determinado quadro, a uma boa distância, este se revelará íntegro e perfeito,
sem nenhum hiato ou falha no espalhar das tintas.
Ao nos aproximarmos bastante da tela, todavia,
observaremos os rastros do pincel, que antes não podiam ser vistos. Poderemos,
se formos especializados na matéria, determinar até o estilo de pincelada de
cada artista, que é diferente um do outro.
Veremos, sobretudo, que a tinta não está espalhada
com tanta uniformidade assim como antes parecia. Se submetermos a pintura a
análise microscópica, descobriremos outras tantas imperfeições que jamais nos
passariam pela cabeça que houvesse. Faltou talento ao artista? Muito pelo
contrário! Há excesso dele, por saber criar a “ilusão” de perfeição quando
observamos a tela na distância ideal.
Os seres viventes, sejam animais ou vegetais, embora
tenham essa aparência que constatamos visualmente, de corpos absolutamente
sólidos, são, na verdade, constituídos, em média, por 80% de água! Não se trata
de nenhum exagero, lhes garanto de pés juntos! Isto vale para o homem, para o
cavalo, para o tigre, para o jaguar, para a peroba, para a aroeira, para o
jequitibá, e vai por aí afora.
"Como?", perguntarão vocês. Claro que,
quando dissermos que "os organismos possuem 80% de água em sua
composição", não estaremos aplicando a porcentagem às sementes, por
exemplo, cujo conteúdo aquoso não chega a 15%, ou às "águas-vivas",
onde ultrapassa os 98%, mas à matéria orgânica em sua generalidade.
Assim sendo, se fôssemos analisar todos os seres
vivos do mundo e chegássemos a uma conclusão média, provavelmente
encontraríamos um resultado não muito diferente deste: 80% de água e 20% de
substâncias secas. O que é o processo de envelhecimento humano senão a perda de
líquidos no organismo? Pode-se dizer, grosso modo, que "envelhecer é
secar", daí a necessidade que os idosos têm de ingestão de água em quantidade
maior do que, digamos, uma pessoa de 18
ou de 30 anos.
A esse propósito, apenas a título de ilustração,
reproduzimos o seguinte trecho do livro "Este mundo vivo, a ciência das
coisas", do biólogo Haroldo Lemos: "Tente fazer esta pergunta a uma
pessoa comum: 'Prá quê você bebe água?' Verifique então se o diálogo que se
segue não é mais ou menos deste teor: 'Ora, pra matar a sede, é claro!'. 'Mas
por que você tem sede?' 'Bem, porque gastei a água que tinha'. 'Compreendo. Mas
gastou em quê?' 'Na urina, no suor, cuspindo...' 'Sim, mas por que a água saiu
pela urina, pelo suor, etc.?' 'Ora, sei lá!'"
"Será melhor parar por aí, pois diálogos desse
tipo têm uma estranha tendência a degenerar... Pois é isso. Apesar de dois
terços do nosso peso serem representados por esse líquido tão simples, a
verdade é que poucos conhecem a sua importância fora do aspecto higiênico (às
vezes nem mesmo isso). Se você disser a alguém que a quantidade média de água
ingerida por dia é de dois litros e meio, poderá receber esta resposta: 'Essa
não! Há dias que eu nem bebo água!' 'Está bem, mas você não come?' 'É claro que
sim, mas comida não é água'. 'Pois você sabe que o pão, alimento que você chama
de seco, tem mais de 50% de água? Já pensou na carne e nos legumes? E no leite?'"
“Neste ponto, caso a parte ignorante se interesse,
faça-se de professor e explique as principais funções da água no organismo.
Explique que a água permite as reações de digestão e metabolismo, pois, de
acordo com o que a química nos ensina, são raras as reações que se processam na
ausência desta substância que é, como se sabe, aquela que maior número de
outras dissolve. Diga que a água ajuda a regular a temperatura, pois, quando as
pessoas transpiram, cedem calor juntamente com a eliminação do suor e, com
isso, o organismo refresca-se internamente. Mencione finalmente a função
plástica da água, entrando na constituição do protoplasma, nas moléculas de
outras substâncias e preenchendo espaços orgânicos”. Conclui-se que nada do que
se vê é exatamente do jeito que vemos. O homem não é. As pinturas não são. Nada
é...
O mesmo, guardadas as devidas proporções, ocorre com
a matéria. Vista bem de pertinho, ela se torna tão irreal ao ponto de, como
Borges ressalta, se constituir num “fantasma que nem sequer desaparece, porque
não tem ao menos a capacidade de cessar”. Portanto, na física (e na pintura),
como assegura o escritor argentino, “o fundamental são as formas”.
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