Simplificando
o que parece complicado
Pedro
J. Bondaczuk
A
Filosofia é a raiz de todo o conhecimento humano. Não é nenhum
exagero afirmar, pois, que se trata da “mãe de todas as ciências”.
Semanticamente, em uma tradução literal do grego (idioma do qual a
palavra se origina), significa “amor pelo saber”. E o filósofo,
ou seja, quem a exercita, é, por conseqüência, o “amigo da
sabedoria”, que é outra acepção desse mesmo termo. Bendita
amizade! Não vejo nenhuma impropriedade em traduzir a palavra
Filosofia como o “estudo da vida”. Sobretudo, da inteligente
(posto que não apenas dela). Essa disciplina é prerrogativa, óbvio,
do único ser vivo da natureza com capacidade de entendimento e de
expressão verbal (oral e/ou escrita) do que entende.
Dizem
que o golfinho tem certa “inteligência”, que vai além do mero
instinto. Pode ser. Há quem garanta que esse estranho ser marinho
conta, até mesmo, com linguagem própria, coerente, composta por em
torno de uma centena de “palavras”. Não duvido. Mas esse ser
supostamente inteligente “filosofa”? Ouso afirmar que não. Sua
preocupação não vai além de ações instintivas como prover
alimentação. Ou como a reprodução. Ou como a autopreservação
física. Nunca vi, e nem soube que alguém tenha visto, algum
golfinho “filosofando”. É uma prerrogativa exclusivamente
humana. O objetivo da Filosofia é o estudo de tudo o que se
relacione à vida, sobretudo a inteligente, tanto o concreto quanto o
abstrato (sobretudo, este). Ou seja, o conhecimento, a verdade, os
valores morais e estéticos, a mente e a linguagem.
Considero
que todo ser humano, até mesmo o mais bronco dos broncos, é um
“filósofo” em potencial. Afinal, mesmo que apenas intuitivamente
(caso da imensa maioria), já se preocupou em algum momento da sua
vida (ou ainda se preocupa), com questões tais como a verdade e a
mentira, a moralidade e a imoralidade, o feio e o belo, a fonte do
pensamento e a maneira de entender os outros e de se fazer entendido.
O que atrapalha que o leigo se aprofunde nas grandes questões, a
exemplo dos filósofos de ofício, são os jargões da “mãe de
todas as ciências”. Não vejo a menor necessidade da sua criação
e uso. O desafio magno dos especialistas da matéria é o de
expressarem suas conclusões de maneira absolutamente inteligível,
de sorte que todos, sem exceção, as entendam. Tive, por exemplo,
imensa dificuldade de entender conceitos filosóficos que nem são
tão complicados só por causa da profusão desses termos que,
insisto, são prescindíveis.
Quando
levanto essa questão com meus amigos filósofos, ouço,
invariavelmente, deles, explicações a respeito que, a meu ver, nada
explicam. Entendo que as grandes verdades da vida são simples e
diretas. Não precisam de palavreado pomposo, restrito, esotérico
até, para serem entendidas e expressadas. Se precisarem... são
passivas de contestação. Não são, portanto, “verdades”, mesmo
que tenham essa aparência. Por paradoxal que pareça, ser simples é
sumamente complicado. É uma arte. Poucos, pouquíssimos conseguem a
façanha de expor as grandes idéias com absoluta clareza e concisão.
Ou seja, com simplicidade.
Um
dos métodos filosóficos para apurar as verdades da vida que mais
aprecio é o atribuído ao filósofo grego Sócrates. Ele pode ser
dividido em duas partes. Na primeira, leva-se o interlocutor a
duvidar do que “sabe” (ou pensa que sabe) sobre determinado
assunto. Dessa forma, faz-se com que ele identifique as contradições
de sua atual forma de pensar, baseadas, quase sempre, em valores e
preconceitos sociais postos como dogmas. Em uma segunda etapa,
leva-se o tal interlocutor a conhecer novos conceitos e a formar
novas opiniões sobre o assunto em pauta a que chegue por si só, por
pura dedução. Ou seja, ele é estimulado a pensar por si mesmo, e
não mais com a “cabeça alheia”, como usualmente fazia. E tudo
isso é feito mediante série de perguntas estratégicas, precisas,
exatas, sem nenhuma espécie de ambiguidade. Gosto particularmente
desse método porque ele me é familiar. Utilizo-o amiúde em minha
profissão, o jornalismo, para chegar à verdade e depois levá-la ao
conhecimento dos meus leitores. Esse processo foi batizado pelos
filósofos de “maiêutica socrática”. Não seria, todavia, mais
lógico nomeá-lo de “arte de perguntar”, que é o que ele de
fato é? Pra que o jargão? Só para complicar e dar ares esotéricos
para algo que é na essência muito simples? Ora, ora, ora...
Trazendo
este tema, aparentemente tão complexo, para o campo que me é mais
familiar, o da Literatura, dei de cara com este poema de Cecília
Meirelles, num de seus tantos livros, que partilho com vocês,
intitulado “Pergunto-te onde se acha a minha vida” que, mais do
que poesia, é filosofia pura. É a maiêutica socrática aplicada,
em forma de texto literário. Confiram:
“Pergunto-te
onde se acha a minha vida?
Em
que dia fui eu?. Que hora existiu formada
de
uma verdade minha bem possuída?
Vão-se
as minhas perguntas aos depósitos do nada.
E
a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por
esperanças hereditárias? E de cada
pergunta
minha vai nascendo a sombra imensa
que
envolve a posição dos olhos de quem pensa.
Já
não sei mais a diferença
de
ti, de mim, da coisa perguntada,
do
silêncio da coisa irrespondida.
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