Monday, April 17, 2017

Competência não é questão de sexo



Pedro J. Bondaczuk



A mulher, a despeito dos seus avanços em praticamente todos os campos de atividade, ainda continua sendo discriminada, sutil ou ostensivamente, dependendo da circunstância ou de lugar principalmente no campo político. Este é o caso, por exemplo, da União Soviética.

O regime marxista, que procura glorificar os feitos da operária local, na construção do socialismo, sempre destinou às pessoas do sexo feminino papéis meramente secundários. Elas não ascendem ao Politburo, não ocupam ministérios importantes e nem postos de projeção.

Se tudo se limitasse apenas a isso, até que não seria tão ruim. Mas o preconceito sobre a sua capacidade intelectual e administrativa é tão grande, a ponto das esposas dos grandes líderes locais permanecerem totalmente ofuscadas.

Até nisso, no entanto, o atual dirigente soviético, Mikhail Gorbachev, difere de seus antecessores. Neste aspecto, a rigor, aproxima-se bastante do seu colega norte-americano, Ronald Reagan. Tanto um como o outro são acusados, em seus respectivos países, de dividirem o poder com suas esposas.

O mandatário do Cremlin, na inusitada entrevista que deu para a televisão norte-americana, não escondeu isso. Confessou, abertamente, que conversa sobre todos os assuntos com Raisa. Até aqueles considerados altos segredos de Estado. E por que não? Afinal, se ele divide com ela uma parcela de sua vida, qual a razão de não dividir a totalidade?

Quanto a Reagan, há quem diga, nos Estados Unidos, que o seu novo estilo diplomático, de diálogo e não mais de confronto com Moscou, seria inspiração de Nancy, que desejaria fazer com que o marido entrasse para a história como pacificador. Qual o mal disto, se a afirmação for verdadeira?

Há, no entanto, quem veja perigo no mais íntimo relacionamento que dois seres humanos podem manter como é o de um casal bem ajustado. Na União Soviética, por exemplo, a TV local não reproduziu a parte da entrevista de Gorbachev em que este admitiu discutir todas as questões políticas com a esposa.

A imprensa russa tem ido mais longe em seu preconceito. Ninguém sabe quantos anos Raisa tem e nem possui qualquer dado a seu respeito, a não ser que ela é casada com o mentor da Perestroika. Ninguém sabia que Andropov tinha mulher até ela aparecer em seu enterro.

Essas pessoas devem ter um relacionamento conjugal caricato. Além de fanáticas, são, na verdade, infelizes, por padecerem de estreiteza de espírito. Competência nunca foi, não é e jamais será questão de sexo. Tanto há homens, quanto há mulheres brilhantes. O mesmo vale para a obtusidade.

Pelo que se depreende, portanto, boa parte desta desejável distensão entre as superpotências, que pode trazer benefícios inimagináveis para a humanidade, deve ser creditada a duas pessoas do sexo feminino: Nancy Reagan e Raisa Gorbachev, que vão também manter a sua reunião de cúpula, na próxima semana, certamente muito mais amena e humana do que a fria e protocar conversação de seus maridos. Afinal, todo grande homem tem por trás de si uma grande mulher. Alguém ainda duvida disso?


(Artigo publicado na página 11, Internacional,

do Correio Popular, em 3 de dezembro de 1987).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: