Fama
ou reconhecimento?
Pedro
J. Bondaczuk
"A fama é a soma de
equívocos criados em torno de uma pessoa", escreveu, certa
ocasião, o poeta austríaco, Rainer Marie Rilke. Absoluta verdade!
Certamente, não foi esta a condição (ou seria recompensa?) que os
intelectuais engajados na solução dos problemas do seu tempo
buscaram (ou buscam) da sociedade. Almejam, isto sim, o
"reconhecimento" das gerações futuras, pelo que fizeram e
deixaram como patrimônio cultural. Nem sempre (ou quase nunca)
conseguem.
Quantos intelectuais
campineiros, que estiveram na "crista da onda" não faz
muito tempo, quando ainda em atividade, não acabaram esquecidos, tão
logo morreram?! E, pior, alguns, ainda vivos, sentem hoje o travo
amargo do esquecimento e do descaso, como se nunca tivessem existido!
Quem perde com tal omissão (ou desinformação), é a sociedade, que
deixa de se valer da experiência e das luzes desses intelectuais
brilhantes. Arte e cultura são atemporais. Talvez esse esquecimento
seja fruto do preconceito, dessa obsessão pelo "moderno".
Modernidade, aliás, na maioria das vezes confundida com modismo.
Sempre que possível (e
oportuno), tentarei, neste espaço (e nos outros tantos que
disponho), senão resgatar, pelo menos lembrar dos nossos bons
escritores (e são tantos!). Uma das razões é de caráter prático:
para usufruir suas boas idéias, sempre bem vindas nesta época de
aridez mental. Outra (por que não dizer?), é egoística: fazer
desse exercício de exegese uma espécie de "exemplo", na
vã ilusão de que, algum dia, em algum jornal ou revista da cidade
ou do País, determinado cronista generoso me retire do ostracismo, a
que certamente também serei relegado.
Estas considerações vêm a
propósito de um telefonema de um leitor, há já algum tempo, me
perguntando o que achava da pessoa e da obra de Paranhos de Siqueira
(falecido em 6 de maio de 1988). Não conheci esse intelectual
pessoalmente. Nos vimos por aí, pela cidade, uma vez ou outra.
Trocamos sinais de cabeça, à guisa de cumprimento, e nossas
relações restringiram-se a isso. Nunca fomos apresentados
formalmente. Sequer chegamos a conversar, mesmo que sobre
banalidades. Desconheço se ele acompanhou minha trajetória pela
imprensa de Campinas. Provavelmente não! À época em que Paranhos
era um brilhante articulista do "Correio Popular" e do
"Diário do Povo", eu estava ensaiando os primeiros passos
como jornalista.
Acompanhei-o, no entanto, com
grande interesse. Colecionei, avidamente, seus candentes artigos, nos
quais me espelhei para escrever os meus. Tenho alguns dos seus
livros, especialmente os de crônicas, como "Rosário de
Lágrimas" (publicado em 1936, quando eu sequer havia nascido),
"Horas Mortas" (de 1939) e o que reputo o melhor de todos,
"Gente e Coisas da Minha Terra", de 1980. Este último, é
um precioso documento, escrito com o texto leve e fluente do emérito
cronista (aliás, sua característica), de um largo período da
história recente da cidade.
Tenho um único livro de
poesias de Paranhos de Siqueira, escritor que há tempos não tem
sido citado uma só vez na imprensa campineira, como se sequer
tivesse existido (meu Deus, como a nossa mídia é carente de
memória!). Trata-se de "Antes que Anoiteça", coletânea
de 95 sonetos, dos quais escolhi (a esmo) apenas dois, para
apresentar ao leitor. O primeiro, intitula-se "Poetas Antigos".
Diz:
"Passei a noite
inteira lendo versos,
--- poesia antiga de sabor
sem par,
em que palpitam vozes de
universos
que nem a Morte conseguiu
calar.
Guerra Junqueiro...---
artífice invulgar
de alexandrinos celestiais,
tão tersos
que hão de sempre existir
e perdurar
na comunhão dos séculos
dispersos.
Bilac, o velho Alberto de
Oliveira,
o Saturnino, o mestre dos
'Grupiaras',
--- dos grandes da poesia
brasileira.
Valeu a pena ter ficado
insone,
ébrio de gozo como as
gemas raras
do simbolismo de Raul de
Leoni..."
O segundo soneto que reproduzo
é este "O Espelho":
"Entrei hoje em atrito
decidido
com meu espelho de cristal
vetusto.
Olhei-me nele, um tanto
distraído,
e o diabo quase me matou de
susto.
O danado queria, a todo
custo,
sob a ilusão dos anos que
hei vivido,
em vez do moço impávido e
robusto,
mostrar-me um velho pela
dor vencido.
E veio a bronca que nos pôs
de mal.
Ele, afirmando que me foi
leal,
e que o Tempo é que o
físico dilui.
E eu, exigindo que ele me
mostrasse,
no mesmo corpo, a mesma
antiga face
do jovem desenvolto que já
fui..."
Quem não conhece a obra (em
prosa ou verso, não importa) de Paranhos de Siqueira, não sabe o
que está perdendo. Trata-se de um intelectual que --- mais do que
qualquer eventual e efêmera fama --- merece nosso eterno
reconhecimento... E, sobretudo, nossa total gratidão!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment