Vida aventurosa de
final trágico
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor português
Camilo Castelo Branco é um dos sujeitos mais trapalhões sobre os quais já tomei
conhecimento, quer pessoalmente, quer por ouvir dizer, quer mediante leitura
acerca de suas “peripécias” (como é o caso). Aprontou mil e uma travessuras, pelas
quais pagou um alto preço. Sua vida só não é mais interessante do que sua obra
– vasta, copiosa e impressionante, de pelo menos cinqüenta livros publicados,
dos que consegui catalogar – mas não fica muito a dever a ela. Trata-se de um
dos maiores mulherengos de que tenho notícia, de causar inveja ao mítico Don
Juan.
Camilo nasceu na
Freguesia dos Mártires, um distrito de Lisboa, em 16 de março de 1825. Foi
criado “no mundo”, o que talvez explique sua “falta de juízo”: perdeu a mãe
quando tinha dois anos e o pai, quando estava com dez. Casou-se aos 16 anos,
com Joaquina Pereira, dizem que forçado pelo pai dela (alguns contestam essa
versão que, no entanto, parece-me mais do que provável). Se é verdade que era
um trapalhão, não é menos certo que era um sujeito brilhante, inteligente,
observador e talentoso. Tanto que, aos 18 anos, se matriculou na Faculdade de
Medicina. Todavia... Seu interesse por ciências médicas durou pouco,
pouquíssimo, escassos dois anos.
Não tardou a separar-se
da mulher. Era óbvio que não estava preparado para assumir responsabilidade tão
séria quanto aquela. Aos 23 anos de idade, passou a viver de jornalismo,
todavia não levou a profissão a sério. É certo que cumpria razoavelmente com
suas obrigações, porém, levava vida boêmia, desregrada, dissoluta, com muita
bebida e uma profusão de mulheres. Mas sua maluquice mais grave cometeu dois
anos antes, quando mal completou a maioridade, aos 21 anos. Na verdade,
praticou um delito, e que era considerado muito sério, naquela primeira metade
do século XIX em Portugal: raptou Patrícia Emília, com quem fugiu para a cidade
do Porto, passando a viver maritalmente com ela. Bem, “peraltices” têm limites
e nem todas são aceitas com complacência pela sociedade. A de Camilo não foi.
Não tardou para ser
acusado de bigamia – acusação, óbvio, que procedia, já que ainda era casado com
Joaquina Pereira. Foi julgado, condenado e preso. Sabe-se lá por quais
artimanhas, não permaneceu muito tempo na prisão. E nem se emendou. Tanto que,
passados apenas oito anos do caso de rapto, pelo qual se deu tão mal,
apaixonou-se, perdidamente, por Ana Plácido. Não haveria nada de mais nisso, e
seria até natural, se não houvesse um obstáculo, e dos grandes. Sua nova “musa”
era casada, e com um rico e influente comerciante local, um tal de Pinheiro
Alves.Era um romance que não poderia dar certo. E não deu mesmo, pelo menos no
primeiro momento.
O fato é que o
desiludido Don Juan lusitano resolveu curar as feridas de um amor frustrado
recorrendo à religião. Cismou de ser padre (certamente esquecido do detalhe de
que deveria guardar castidade). Para tanto, ingressou no Seminário do Porto. Em
princípio, parecia que o fogo da intensa paixão estaria apagado. Mas qualquer
pessoa de razoável capacidade de análise perceberia que aquilo não poderia dar
certo. E não deu. Nos dois anos em que Camilo foi seminarista, não conseguiu
controlar os “apelos da carne”. Arranjou uma amante e vejam só quem: a freira
Isabel Cândida! É, o Dom Juan lusitano não tinha jeito mesmo! Não podia continuar
no seminário e não continuou. Todavia, um caso que parecia perdido, ou seja,
seu romance com Ana Plácido, que o havia induzido a recorrer à religião para a
esquecer, voltou à tona.
Ocorre que ela deixou o
marido e resolveu ir ao encontro do escritor (a esta altura, ele já havia
publicado vários livros, para fazer face ao monte de dívidas que contraiu).
Mais confusão, claro. O casal não foi deixado em paz. Pelo contrário, foi
preso, acusado de adultério. E lá vai nosso personagem enfrentar novo julgamento.
Só que, desta vez, o resultado lhe foi favorável. Camilo e Ana foram
considerados inocentes das acusações imputadas e assumiram de vez o
relacionamento. Em 1888, com a morte tanto de Joaquina, quanto de Pinheiro
Alves, nosso escritor trapalhão pôde,
finalmente, casar-se com o amor da sua vida.
Que romancista criaria um enredo desses, por mais fértil que fosse sua
imaginação?!
Mas... essa história da
vida real, que tinha tudo para um “happy end”, não teve o final feliz dos
contos de fada. Pelo contrário, teve um desfecho trágico. Explico: A vida
desregrada de Camilo fez com que ele contraísse uma doença venérea e das mais
temidas, tanto naquela época, quanto ainda hoje: a sífilis. No mesmo ano do seu
casamento com Ana, começou a sentir os primeiros sintomas de cegueira,
decorrentes da doença. À medida que o mal foi se agravando, o escritor, óbvio,
foi se desesperando. Até que optou por um trágico desfecho. Decidiu dar cabo da
vida, o que o fez em 1° de junho de 1890, com um tiro de pistola na cabeça. Estava
com 65 anos de idade e tinha produzido uma obra literária notável, de cerca de
50 livros, o que fez dele um dos escritores mais criativos e prolíficos de
língua portuguesa. Em nenhum de seus romances houve um final como o da sua
vida, vivida com tamanha intensidade e paixão. Mais uma vez, a realidade
mostrou-se mais inverossímil do que a mais delirante das fantasias.
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