Monday, March 31, 2014

“Nos Bálcãs, tudo se resolve à bala”


Pedro J. Bondaczuk


A forte oposição do representante da Sérvia, na presidência colegiada, à eleição do croata Stipe Mesic para ser o presidente da Iugoslávia nos próximos 365 dias, de acordo com o sistema criado pelo marechal Jozip Broz Tito em 1980, pode ser a gota que faltava para causar a irreversível separação dessa federação européia.

Em 12 de junho próximo haverá um plebiscito nacional, a exemplo do realizado em 17 de março passado na União Soviética, para decidir o futuro desse Estado artificial, criado em 1918. E as previsões não são nada otimistas.

A Eslovênia, que realizou uma votação desse tipo em dezembro de 1990, está batendo pé firme na decisão de, qualquer que venha a ser o resultado das urnas, proclamar sua independência no final do mês que vem. Caso cumpra o prometido, será, fatalmente, a guerra civil. O Exército promete impedir a secessão.

Os sérvios constituem-se na porção majoritária da população iugoslava, com 9,8 milhões de habitantes do país. São, portanto, de longe, a etnia mais numerosa da Iugoslávia e sua capital, Belgrado, é, também, a sede do poder federal.

Trata-se de um Estado que já existia como nação independente quatro anos antes da federação ser criada. Surgiu em conseqüência da divisão do Império Turco-Otomano, ao fim da guerra dos Bálcãs, de 1912. A maioria de sua população é de religião ortodoxa, mas a República conta com muitos fiéis muçulmanos.

Embora o idioma oficial iugoslavo seja o servo-croata, para escrever, isso já não ocorre assim. Enquanto na Sérvia o alfabeto utilizado é o cirílico, o mesmo usado na Rússia, na Croácia vigora o latino. É uma situação semelhante à que ocorre entre o russo e o polonês. Conversando, um entende, razoavelmente, o outro. Escrevendo, as coisas mudam de figura.

A rigor, as placas das estradas ou de estabelecimentos comerciais, na Iugoslávia, são escritas em quatro idiomas. E, para complicar, em dois alfabetos, tão diferentes um do outro. A Croácia tem menos da metade da população da Sérvia, com seus 4,5 milhões de habitantes.

Sua origem é essencialmente européia. A República foi, até 1918, parte integrante do Império Austro-Húngaro. A religião predominante é a católica. As rivalidades entre as duas etnias são muito antigas, antecedendo, até mesmo, à formação da própria Iugoslávia. Os motivos variaram ao longo do tempo, mas a intolerância de um povo em relação ao outro sempre permaneceu igual.

Os confrontos entre sérvios e croatas atingiram o seu auge durante a Segunda Guerra Mundial. Historiadores locais garantem que as lutas entre eles provocaram uma quantidade de mortes muito maior do que a resultante da ocupação nazista desse território, que começou em 1941.

Enquanto os partizans, guerrilheiros de Tito, lutavam para expulsar os invasores alemães e tinham como objetivo criar um Estado federativo como a União Soviética, englobando as várias Repúblicas sob o regime comunista, os “Ustashis”, da Croácia, atuava em sentido inverso.

Tratava-se de um grupo fascista, portanto, solidário com as potências do Eixo. Teme-se que, agora, tudo isso venha à tona, para se somar à aguda crise econômica e ao impasse institucional criado pelo veto a Mesic e desemboque numa incontrolável onda de violência. Afinal, como observou Janathan Eyal, do Instituto Real de Serviços Unidos da Grã-Bretanha, a Patrick Worsnip, da Agência Reuter: “Nos Bálcãs, tudo é resolvido à bala”.   

(Artigo publicado na página 26, Internacional, do Correio Popular, em 19 de maio de 1991)


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