Thursday, March 20, 2014

Ato de coragem


Pedro J. Bondaczuk


O acordo de eliminação de mísseis de média e curta distância, que as superpotências vão firmar na terça-feira, não deixa de ser um ato de arrojo do presidente norte-americano, Ronald Reagan, e do líder soviético, Mikhail Gorbachev.

O leitor nem imagina quantas e terríveis forças, em Washington e em Moscou, estão empenhadas (e estiveram desde o início das negociações) para que o pacto não fosse assinado. Como isso, agora, parece ser impossível, todas as baterias desses lobbies vão se voltar, doravante, para o Congresso dos Estados Unidos. Especialmente na direção do Senado, ao qual caberá ratificar (ou não) o tratado, para que ele entre em vigor.

Como se vê, os dois líderes venceram uma batalha, mas estão longe, ainda, de ganhar a guerra. Em Moscou, embora isso não tenha vindo à luz da opinião pública, a oposição à medida, certamente não foi menor do que em Washington.

Tudo isso se deve ao fato da indústria armamentista nuclear empenhar verbas monumentais, que são desviadas de outros itens importantes, de caráter social, para essa imensa fornalha de desperdício. O setor formou uma espécie de elite de técnicos e de operários, altamente especializados, regiamente remunerados que, certamente, não vai querer perder privilégios. Mesmo que essas regalias se originem de uma atividade tão perniciosa quanto essa, pelo produto que fabrica.

Os políticos que defendem a corrida armamentista (e nem seria preciso dizer, de tão óbvio que isto é), tiveram as campanhas eleitorais financiadas, e portanto foram eleitos, pelos grandes fabricantes destes terribilíssimos artefatos de morte.

Para esse pessoal, pouco importa que essas engenhocas possam destruir o Planeta e varrer dele todo e qualquer vestígio de vida. Em geral, são indivíduos céticos, cínicos, sem nenhuma crença religiosa e sem apego a qualquer outra coisa que não seja o dinheiro. Voltam-se para um hedonismo inconseqüente e enjoativo, como se o homem fosse criado sem nenhuma outra finalidade se não gozar os efêmeros prazeres da carne, mesmo que isso implique em sofrimento e morte para milhões de semelhantes.

No caso de Reagan, a hostilidade maior está em seu próprio partido, o Republicano. No de Gorbachev, a oposição é menos ostensiva, mais sutil e, por isso mesmo, muito mais perigosa. Para ambos, porém, políticos experientes que são, o que conta é o povo.

Tanto um, quanto o outro, são excelentes comunicadores. Conseguem despertar empatia na população tão logo começam a falar. Têm um extraordinário poder de convencimento. E nesta oportunidade, principalmente, vão estar no elemento que lhes é mais familiar: o foco das câmeras de televisão, das objetivas dos fotógrafos e da observação de jornalistas do mundo todo.

Por isso, ousaram passar por cima dos políticos comprometidos com a morte e com a desolação do Planeta, gente que faz o jogo das baratas e dos escorpiões, que seriam os únicos seres viventes que conseguiriam sobreviver a uma catástrofe nuclear.

(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 6 de dezembro de 1987).


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