Saturday, March 29, 2014

Talento reconhecido só depois da morte

Pedro J. Bondacauk

O escritor, salvo exceções, tende a ser mais sensível do que a maioria das pessoas. Claro que não se trata de nenhuma regra que deva ser seguida á risca por quem pretenda exercer, ou já exerça essa atividade. Aliás, nem mesmo existe estudo a esse propósito. A conclusão é minha, com base em observações pessoais, da leitura de algumas centenas de biografias. Quando me refiro a “sensível”, não estou pensando, especificamente, em emotividade. A sensibilidade de que falo é um certo aguçamento dos sentidos, uma capacidade ímpar de observação do que o indivíduo vê, ouve ou lê, para utilizar esse acervo todo em sua literatura.

Isso não quer dizer que quem não conte com essas características não seja ou não possa vir a ser escritor. Pode, sim. Apenas encontrará muito mais dificuldades para exercer seu mister. Quanto mais observadora uma pessoa for, mais facilmente criará personagens verossímeis e recriará cenários e situações que se aproximem, ou mesmo reproduzam, a realidade. Ademais, não me refiro a escritores “ocasionais”, desses que eventualmente escrevam um livro ou dois, mas não façam da literatura sua atividade central. Estou pensando é naqueles que fazem das letras a paixão de suas vidas. Já nem digo que sejam “profissionais”, porquanto o ato de escrever e de publicar livros sequer é considerado uma profissão. Não, pelo menos, no Brasil.

Nada é pior e mais angustiante para um escritor do que ver sua obra desprezada. As reações a isso, óbvio, são as mais variadas possíveis, de acordo com a personalidade e a sensibilidade de cada um. Uns, se conformam com a rejeição (ou, pelo menos, parecem se conformar) e vão procurar outra coisa para fazer que não seja literatura. Outros batalham a vida toda pelo reconhecimento e não se dão por vencidas jamais, até o último suspiro. Outros, ainda, sentem duramente o golpe, caem em depressão, contraem doenças (físicas e/ou mentais) e não raro entregam-se ao álcool e às drogas. E  outros, ainda, vão ao extremo dos extremos e chegam a cometer suicídio. Você acha que é exagero meu? Pois não é. E trago à baila um caso concreto em que o desfecho à sua rejeição como escritor foi exatamente este.

Refiro-me ao romancista e soldado norte-americano John Kennedy Toole, nascido na cidade de Nova Orleans, estado da Louisiana, em 17 de dezembro de 1937. Ele tinha plena convicção de que escrevia bem, mas esta nunca foi compartilhada pelas pessoas que o cercavam e com as quais conviveu. Como ele poderia saber que tinha esse talento? Não poderia estar enganado? Não poderia estar sendo enganado por uma vaidade exacerbada? Poderia, claro, mas não estava.

Ora, quem é leitor compulsivo (e para ser escritor, é desejável que se seja), tem maneira até bastante simples e objetiva de aferir a qualidade do que escreve. Basta comparar seus textos com os livros de outros escritores. Nesse caso, só vai se enganar se quiser. Ou se sua vaidade for tão grande, tão estúpida e até monumental e seu senso crítico, em contrapartida, for ínfimo ou nem mesmo existir. Uma pessoa culta, porém, dificilmente se deixará cegar, achando que tem um talento que na verdade não tenha.

Ocorre que tudo o que John Kennedy Toole escrevia era sistematicamente rejeitado pelos editores. Procurou dezenas de editoras e o resultado sempre, e invariavelmente, foi o mesmo. O leitor mais desconfiado deve estar pensando: “Impossível que todos estivessem enganados. Que um ou dois se equivoccassem, vá lá. Mas todos?! O sujeito escrevia mal mesmo e não se conformava”. Certo? Errado! Pelo menos nesse caso, todos se enganaram! Como sei? Simples! Seu romance “A Confederacy of Dunces”, publicado postumamente, foi um estrondoso sucesso de crítica e de público. Tornou-se best-seller nacional. “Coincidência”, dirão alguns mais céticos. Não, não foi. Foi qualidade! Querem saber por que de tanta convicção? Porque esse magnífico livro valeu ao autor, embora, claro, postumamente, um Prêmio Pulitzer de ficção, a maior premiação literária dos Estados Unidos!!!

E olhem que esse romance magnífico só não permaneceu no ineditismo eterno e não se perdeu por completo por causa da persistência, ou teimosia, da mãe de Toole. Alguns anos após sua morte, depois de tentar publicar e ver os originais novamente rejeitados por dezenas de editores, ela os encaminhou, já prestes a se dar por vencida, ao novelista Walker Percy. Este leu-os, perplexo, e se entusiasmou. Tomou a peito providenciar sua imediata publicação, valendo-se do seu prestígio pessoal. Deu no que deu. Ou seja, na consagração de Toole, inclusive com um raro Pulitzer póstumo. Não sei se esse prêmio já foi outorgado postumamente a qualquer outro escritor. Mas, caso tenha sido, foi um procedimento raríssimo.

Esse reconhecimento não poderia ter vindo antes, quando o soldado-escritor, ou escritor-soldado como queiram, estava vivo? Poderia e deveria. Mas... não foi. A rejeição literária provocou (ou agravou) a profunda depressão em John Kennedy Toole, que resultou em tragédia. Em 26 de março de 1969, no auge do desespero e da amargura, o jovem e talentoso escritor cometeu suicídio, na cidadezinha de Biloxi, com um tiro na cabeça. Tinha, apenas, 31 anos de idade. E o romance premiado com o Pulitzer não foi o único dos seus livros a fazer sucesso postumamente. “The Neon Bible” também esgotou várias edições, mostrando que o talento que Toole garantia ter e que tantos negavam era um fato. E era até maior do que ele próprio supunha. Há quem diga que o jovem sofria de paranóia antes mesmo de ter seus livros rejeitados. Admitindo que de fato sofresse, a falta de reconhecimento ao seu talento não teria agravado esse distúrbio e o levado a se suicidar? Óbvio que sim!!! Viram como não exagerei em minhas colocações?!


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