Talento reconhecido só
depois da morte
Pedro
J. Bondacauk
O escritor, salvo
exceções, tende a ser mais sensível do que a maioria das pessoas. Claro que não
se trata de nenhuma regra que deva ser seguida á risca por quem pretenda
exercer, ou já exerça essa atividade. Aliás, nem mesmo existe estudo a esse
propósito. A conclusão é minha, com base em observações pessoais, da leitura de
algumas centenas de biografias. Quando me refiro a “sensível”, não estou
pensando, especificamente, em emotividade. A sensibilidade de que falo é um
certo aguçamento dos sentidos, uma capacidade ímpar de observação do que o
indivíduo vê, ouve ou lê, para utilizar esse acervo todo em sua literatura.
Isso não quer dizer que
quem não conte com essas características não seja ou não possa vir a ser
escritor. Pode, sim. Apenas encontrará muito mais dificuldades para exercer seu
mister. Quanto mais observadora uma pessoa for, mais facilmente criará
personagens verossímeis e recriará cenários e situações que se aproximem, ou
mesmo reproduzam, a realidade. Ademais, não me refiro a escritores “ocasionais”,
desses que eventualmente escrevam um livro ou dois, mas não façam da literatura
sua atividade central. Estou pensando é naqueles que fazem das letras a paixão
de suas vidas. Já nem digo que sejam “profissionais”, porquanto o ato de
escrever e de publicar livros sequer é considerado uma profissão. Não, pelo
menos, no Brasil.
Nada é pior e mais
angustiante para um escritor do que ver sua obra desprezada. As reações a isso,
óbvio, são as mais variadas possíveis, de acordo com a personalidade e a sensibilidade
de cada um. Uns, se conformam com a rejeição (ou, pelo menos, parecem se
conformar) e vão procurar outra coisa para fazer que não seja literatura.
Outros batalham a vida toda pelo reconhecimento e não se dão por vencidas
jamais, até o último suspiro. Outros, ainda, sentem duramente o golpe, caem em
depressão, contraem doenças (físicas e/ou mentais) e não raro entregam-se ao
álcool e às drogas. E outros, ainda, vão
ao extremo dos extremos e chegam a cometer suicídio. Você acha que é exagero
meu? Pois não é. E trago à baila um caso concreto em que o desfecho à sua
rejeição como escritor foi exatamente este.
Refiro-me ao romancista
e soldado norte-americano John Kennedy Toole, nascido na cidade de Nova
Orleans, estado da Louisiana, em 17 de dezembro de 1937. Ele tinha plena
convicção de que escrevia bem, mas esta nunca foi compartilhada pelas pessoas
que o cercavam e com as quais conviveu. Como ele poderia saber que tinha esse
talento? Não poderia estar enganado? Não poderia estar sendo enganado por uma
vaidade exacerbada? Poderia, claro, mas não estava.
Ora, quem é leitor
compulsivo (e para ser escritor, é desejável que se seja), tem maneira até
bastante simples e objetiva de aferir a qualidade do que escreve. Basta
comparar seus textos com os livros de outros escritores. Nesse caso, só vai se
enganar se quiser. Ou se sua vaidade for tão grande, tão estúpida e até
monumental e seu senso crítico, em contrapartida, for ínfimo ou nem mesmo
existir. Uma pessoa culta, porém, dificilmente se deixará cegar, achando que
tem um talento que na verdade não tenha.
Ocorre que tudo o que
John Kennedy Toole escrevia era sistematicamente rejeitado pelos editores.
Procurou dezenas de editoras e o resultado sempre, e invariavelmente, foi o
mesmo. O leitor mais desconfiado deve estar pensando: “Impossível que todos
estivessem enganados. Que um ou dois se equivoccassem, vá lá. Mas todos?! O
sujeito escrevia mal mesmo e não se conformava”. Certo? Errado! Pelo menos
nesse caso, todos se enganaram! Como sei? Simples! Seu romance “A Confederacy
of Dunces”, publicado postumamente, foi um estrondoso sucesso de crítica e de
público. Tornou-se best-seller nacional. “Coincidência”, dirão alguns mais
céticos. Não, não foi. Foi qualidade! Querem saber por que de tanta convicção? Porque
esse magnífico livro valeu ao autor, embora, claro, postumamente, um Prêmio
Pulitzer de ficção, a maior premiação literária dos Estados Unidos!!!
E olhem que esse
romance magnífico só não permaneceu no ineditismo eterno e não se perdeu por
completo por causa da persistência, ou teimosia, da mãe de Toole. Alguns anos
após sua morte, depois de tentar publicar e ver os originais novamente
rejeitados por dezenas de editores, ela os encaminhou, já prestes a se dar por
vencida, ao novelista Walker Percy. Este leu-os, perplexo, e se entusiasmou.
Tomou a peito providenciar sua imediata publicação, valendo-se do seu prestígio
pessoal. Deu no que deu. Ou seja, na consagração de Toole, inclusive com um
raro Pulitzer póstumo. Não sei se esse prêmio já foi outorgado postumamente a
qualquer outro escritor. Mas, caso tenha sido, foi um procedimento raríssimo.
Esse reconhecimento não
poderia ter vindo antes, quando o soldado-escritor, ou escritor-soldado como
queiram, estava vivo? Poderia e deveria. Mas... não foi. A rejeição literária
provocou (ou agravou) a profunda depressão em John Kennedy Toole, que resultou
em tragédia. Em 26 de março de 1969, no auge do desespero e da amargura, o
jovem e talentoso escritor cometeu suicídio, na cidadezinha de Biloxi, com um
tiro na cabeça. Tinha, apenas, 31 anos de idade. E o romance premiado com o
Pulitzer não foi o único dos seus livros a fazer sucesso postumamente. “The
Neon Bible” também esgotou várias edições, mostrando que o talento que Toole
garantia ter e que tantos negavam era um fato. E era até maior do que ele
próprio supunha. Há quem diga que o jovem sofria de paranóia antes mesmo de ter
seus livros rejeitados. Admitindo que de fato sofresse, a falta de
reconhecimento ao seu talento não teria agravado esse distúrbio e o levado a se
suicidar? Óbvio que sim!!! Viram como não exagerei em minhas colocações?!
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