Sunday, March 23, 2014

Escola para todos


Pedro J. Bondaczuk

O Brasil inaugura, a partir de agora, uma campanha contra um dos grandes flagelos que ainda afetam a humanidade e mantêm cerca de um bilhão de seres humanos nas trevas da ignorância: o analfabetismo. O programa, lançado ontem, pelo presidente Fernando Collor, visa a atingir cerca de 27 milhões de brasileiros que, por não saberem ler e nem escrever, não têm condições de assumir plenamente a sua cidadania.

Este, por sinal, não é o primeiro esforço nesse sentido, já que, até há poucos anos, tínhamos o Mobral, cantado e decantado em verso e prosa e que, como toda a iniciativa louvável tomada entre nós, terminou de forma melancólica. Todavia, não se pode negar que, sem esse movimento, nossa situação, nesse aspecto, seria hoje muito pior do que é.

É necessário que esse gigantesco esforço de alfabetização comprometa toda a sociedade – o governo, as empresas, as associações classistas e todos os setores – já que se trata de um mal que afeta a todo o mundo e não somente àqueles que não tiveram a oportunidade de se instruir.

O governo promete que verbas não irão faltar para que o programa, que se pretende amplo, contínuo e incansável, tenha sucesso. Informa já dispor de Cr$ 50 bilhões para serem aplicados entre os anos de 1991 e 1992. E que, desse total, Cr$ 10 bilhões começarão a ser utilizados nos próximos meses, até o final do corrente ano.

Além de alfabetizar os analfabetos atuais, torna-se indispensável que se atue no outro pólo, no da infância, hoje abandonada e desassistida, com cerca de sete milhões de menores perambulando pelas ruas e outros 30 milhões em estado de carência.

É preciso dar condições para que esses brasileiros possam exercer um dos principais direitos que a Constituição lhes assegura: o da educação. É necessário impedir o alto grau de evasão escolar, motivado pela miséria, principalmente nos primeiros anos de aprendizado.

Aí reside a causa fundamental do crescimento acelerado do número de analfabetos – principalmente os chamados “funcionais”, que sabem, somente, “desenhar” o nome e juntar as letras para formar palavras, mas não atinam com o que lêem – no País.

Para que o analfabetismo seja erradicado na nossa sociedade, se faz indispensável, portanto, um legítimo pacto social, que incorpore à vida nacional contingentes de milhões e milhões de deserdados, que hoje sobrevivem na marginalidade, à espera de que as elites equacionem a interminável crise brasileira.

Caso não se aja assim, por mais pessimista que a afirmação possa soar, é quase certo que o novo programa não vai passar de mera manifestação de boas intenções. E, como diz o adágio popular, “de bem-intencionados o inferno está cheio”.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de setembro de 1990)


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