Friday, March 21, 2014

Mola propulsora do progresso

Pedro J. Bondaczuk

A insatisfação é a mola propulsora de todas as realizações humanas, seja em que campo for. O sujeito satisfeito com tudo não tem motivo para se empenhar no sentido de melhorar o que considera excelente. Aliás, não tem motivação sequer para viver. Será que existem pessoas assim? Infelizmente... existem. E mais, elas são maioria. Acomodam-se, não buscam melhorar a si mesmas e muito menos o que as rodeia. Nulificam-se. Tornam-se pesos mortos para suas famílias e para a sociedade. Não justificam, reitero, sequer, a existência.

Os que se destacam no mundo são os insatisfeitos. Não, óbvio, os que se limitam a reclamar do que é ruim, sem nada fazer para melhorar. Esses, também, são omissos. Esperam que outros façam o que poderiam e deveriam realizar. Os insatisfeitos que movem o mundo são os que se aplicam em melhorar tudo o que possam, nos limites de suas capacidades. E mesmo estes limites eles procuram ampliar ao máximo, estudando, pesquisando, experimentando e persistindo, mesmo quando suas experiências não dêem certo. Na economia, a insatisfação é essencial, embora muitos exagerem na dose e, por isso, descambem para o extremo, para a estupidez da avareza. Desde que moderada, porém, ou melhor, desde que corretamente dosada, ela é poderosa (diria imprescindível) mola propulsora da prosperidade.

A insatisfação é um dos raros comportamentos do homem que atravessou todos os ciclos de civilização e está mais vivo do que nunca neste século XXI do terceiro milênio da Era Cristã. Muitos, óbvio, exageraram nela e recorreram a guerras, para se apropriar do que precisavam, mas não tinham capacidade (ou vontade) de produzir, avançando nos bens alheios, naquilo que outros produziam. Mas não me refiro, apenas, à insatisfação material. Penso, principalmente, na espiritual, nessa busca incansável que caracteriza o Homo Sapiens pelo conhecimento das origens e destino e da fonte perpétua de beleza. Nesse sentido, a insatisfação mostrou-ser eficaz como motivadora de ação.

Os gregos, por exemplo, nunca se contentaram com suas extraordinárias conquistas intelectuais, miraculosas na época em que viveram e admiráveis ainda hoje. Com isso, criaram o teatro, a filosofia e a poesia. Desenvolveram a escultura e a arquitetura. E produziram outros tantos frutos do intelecto. Não fossem conquistados pelas armas, por outros povos, poderiam ter criado coisas ainda muito mais admiráveis.

Já a insatisfação romana era basicamente sensorial. Referia-se ao gozo da carne. Era um povo eminentemente epicurista. Ainda assim.., os romanos produziram poetas notáveis, filósofos de mão cheia, além de escultores e outros tantos artistas admiráveis, posto que em número muito menor do que os gregos. Mesmo admirando Virgílio, Horácio, Ovídio etc. etc. etc, sou induzido a admitir que o período em que Roma foi a senhora do mundo foi, em termos artísticos, de retrocesso em relação à era de predomínio da Grécia. Os romanos foram, sim, insatisfeitos, mas a riqueza que acumularam, submetendo (pelas armas) outros povos, atenuou sua insatisfação, sobretudo a estética.

Já os homens da chamada Idade Média eram insatisfeitos, sim, mas no aspecto espiritual, no da prevalência do espírito (no sentido transcendental) sobre os sentidos. Exageraram nisso. Ou melhor, distorceram esse conceito. Abominaram tudo o que fosse humano e incorreram no extremo de demonizar a beleza. Equivocaram-se quanto ao sentido do transcendental, criando, em suas mentes acanhadas e dogmáticas, um “deus repressivo e implacável”, ao contrário da verdadeira natureza divina, caracterizada pela complacência, pela compaixão, pela compreensão e pelo amor. Fizeram de suas vidas, e das de todas as pessoas do seu tempo, um “inferno na terra”. Não por acaso, esse período é considerado como o de maior atraso no que se refere não apenas às artes, mas, sobretudo, à civilização.

Todavia, tais exageros acentuaram, em espíritos rebeldes e lúcidos, profunda insatisfação com aquela realidade. E esta evoluiu, prosperou e resultou em extraordinária “explosão” de criatividade artística, e em todas as artes, da poesia à música; da pintura à arquitetura; da ourivesaria à escultura, e vai por aí afora. Não por acaso, esse movimento libertador do espírito passou para a história com a alcunha de “Renascimento”. O homem, praticamente morto para a beleza, “renasceu”, e mais vigoroso do que nunca.  

E o Homo Sapiens Sapiens contemporâneo, é insatisfeito? Mais do que nunca! A este, no entanto, materialista por excelência, nenhum bem satisfaz de maneira suficiente. É verdade que essa insatisfação é o que move a economia, gerando necessidades (reais ou imaginárias), que as pessoas empreendedoras e dinâmicas buscam, em vão, satisfazer. Com isso, criam-se indústrias, produzem-se objetos, geram-se empregos e faz-se circular a riqueza, em um "moto perpétuo". É certo que a fúria consumista do homem contemporâneo traz, como subproduto, a depredação acelerada do meio ambiente e o esgotamento dos recursos do Planeta, que são finitos.

O "ex-manager" da General Motors, dos Estados Unidos, Charles Kettering, definiu com precisão as vantagens desse comportamento compulsivo, mas impôs-lhe uma regra. Afirmou: "A chave para a prosperidade econômica é a criação organizada da insatisfação". E como se organiza isso? Mediante a publicidade, a comunicação e a informação! Daí esse ramo, hoje, ser mais do que mera disciplina. Transformou-se em arte por excelência, englobando ciências tão variadas quanto a psicologia, a antropologia, a etologia (ciência do comportamento) e até a filosofia.

O homem contemporâneo carece, no entanto, de prudência. Precisa aprender a direcionar sua insatisfação (sem eliminá-la, óbvio), sobretudo evitando o que mais tem feito nos últimos três séculos, a partir da Revolução Industrial: o desperdício. Os recursos essenciais para satisfazer todas as necessidades da atual civilização são finitos e tudo indica que estejam em vias de se esgotar. E, a menos que o homem conquiste e povoe outros mundos – o que na atualidade não passa de delirante fantasia – pagará caro, muito caro, um preço absurdamente proibitivo, pelo que já desperdiçou e continua desperdiçando.   O satisfeito, todavia, que chamo de “acomodado” é, antes e acima de tudo, um perdedor. E os gregos do passado já sabiam disso...


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: