Friday, March 28, 2014

Heroi ou vilão?

Pedro J. Bondaczuk

O escritor norte-americano Jack London é uma figura fascinante, para o bem ou para o mal. É uma das personalidades sobre as quais tenho maior quantidade de material informativo, incluindo várias biografias. Caso pretendesse, também, biografá-lo, seria “uma festa”. Teria dados suficientes, quiçá, para produzir uma obra-prima do gênero. Todavia... essa nunca foi minha “praia”. Jamais me passou, sequer remotamente, pela cabeça biografá-lo, ou a outra pessoa qualquer. O que gosto de fazer é “pinçar” aspectos inusitados a propósito de várias personalidades e opinar a respeito. E nesse aspecto, Jack London oferece uma infinidade de temas que merecem ser comentados.

Antes de tudo destaco que ele foi um dos escritores mais bem sucedidos do seu tempo, em qualquer aspecto que se encare o sucesso. Foi, por exemplo, o primeiro homem de letras a conseguir imediata projeção internacional apenas em decorrência de suas histórias. Foi, também, um dos raros que conseguiram ficar ricos (na verdade, ficou milionário), vivendo apenas de Literatura. Escreveu muito, muitíssimo. E sempre ficção. Só de romances, consegui catalogar vinte e dois que ele publicou. Provavelmente, essa cifra é, somente, irrisória parcela do conjunto de sua obra ficcional. De contos – sua especialidade – detectei só seis livros. Mas é impossível contabilizar a quanto sua produção contística ascendeu. Há quem diga que chega a alguns milhares. Exagero? Talvez. A maioria de suas histórias curtas ele publicou em revistas.

Mas o que me chama a atenção nos dados (muitos) que disponho sobre Jack London, não é propriamente nada que se refira à sua carreira. São controvérsias a propósito do seu “início” e de seu “fim”. Ou seja, do seu nascimento e a polêmica que cercou (e ainda cerca) sua morte. O nome verdadeiro de Jack London é John Griffith Chaney. Ele nasceu em São Francisco, na Califórnia, em 12 de janeiro de 1876. Até hoje, passados 137 anos do seu nascimento, persiste ainda a dúvida sobre quem foi seu pai biológico. A maioria dos biógrafos atribui essa paternidade ao astrólogo William Chaney, que vivia, maritalmente, com a mãe do escritor, Flora Wellman, na ocasião em que ela engravidou. Este, por seu turno, sempre negou haver gerado esse (ou qualquer outro) filho, argumentando que não poderia engravidar mulher alguma, porquanto era impotente.

O fato é que a mãe de Jack London veio a público, quando o filho já era famoso, para dar sua versão. Assegurou que foi, mesmo, engravidada por Chaney (o que este negou, até a sua morte) e que este exigiu que ela abortasse. Como se recusasse a abortar, o casal separou-se de vez. Quando a criança nasceu, Flora entregou-a à ex-escrava Virgínia Prentiss para criá-la. Dois anos depois, todavia, ela voltou aos cuidados da mãe biológica. Jack, pelo resto da vida, nutriu carinho especial e profundo amor filial por essa generosa mulher singular que o acolheu após o nascimento.

Flora Wellman casou-se com John London, veterano da Guerra da Secessão, parcialmente inválido em virtude dos ferimentos que recebeu quando soldado, que o criou como filho legítimo. Mas, se Chaney não era o pai de Jack London, como sempre afirmou, quem foi? Nunca se soube. Duvido que algum dia se saberá. E a controvérsia persiste até hoje, com versões antagônicas dos vários biógrafos. Uns dizem que Flora mentiu. Outros garantem que o mentiroso foi o astrólogo.

Se o nascimento do nosso personagem sempre esteve (e ainda está) envolto em tanta controvérsia, o que se refere à sua morte, não é diferente. A polêmica gira em torno de se ele cometeu ou não suicídio. O atestado de óbito diz que sua morte foi em decorrência de uremia. Contudo, sabe-se que o escritor, nos seus últimos momentos, recorreu à morfina para suportar as terríveis dores causadas pelos rins avariados. Suspeita-se que a verdadeira causa mortis tenha sido uma overdose da droga. Há quem afirme que, se esta, de fato, se verificou, foi acidental. A corrente majoritária, porém, garante que o excesso de morfina foi aplicado propositalmente pelo escritor. Alguns biógrafos até descobriram, entre a infinidade de contos escritos por Jack London, um em que o personagem “se mata” exatamente da forma como o autor morreu: por overdose da droga. Por tudo o que li a propósito, acredito que ele cometeu suicídio, em 22 de novembro de 1916, aos quarenta anos de idade.

Mas não são, apenas, seu nascimento e sua morte que chamam a atenção, por parecerem coisas saídas da cabeça de um delirante ficcionista, tão inusitados que chegam a parecer inverossímeis. Vários outros episódios da sua vida parecem um enredo exageradamente fantasioso de um conto ou de um romance de quinta categoria. Jack London, por exemplo, participou da famosa “corrida do ouro”, que agitou a Califórnia no século XIX. Não fez fortuna com o metal, mas fê-la com as histórias que narrou desse período em seus romances e contos. As circunstâncias de seus dois casamentos também dariam belo enredo. Como, igualmente, seu envolvimento com plágio. Jack London foi acusado de “comprar”, a preço irrisório, originais de escritores obscuros e utilizá-los, parcial ou totalmente, como sendo seus. Ao cabo da leitura de suas biografias (li mais de uma versão), fico na dúvida se o biografado foi um intelectual talentoso, dinâmico e empreendedor ou se não passou de refinado malandro que nunca desperdiçou oportunidades para enriquecer e estar sempre em evidência, sem se importar com os meios empregados.


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