Heroi ou vilão?
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor
norte-americano Jack London é uma figura fascinante, para o bem ou para o mal.
É uma das personalidades sobre as quais tenho maior quantidade de material
informativo, incluindo várias biografias. Caso pretendesse, também,
biografá-lo, seria “uma festa”. Teria dados suficientes, quiçá, para produzir
uma obra-prima do gênero. Todavia... essa nunca foi minha “praia”. Jamais me
passou, sequer remotamente, pela cabeça biografá-lo, ou a outra pessoa
qualquer. O que gosto de fazer é “pinçar” aspectos inusitados a propósito de
várias personalidades e opinar a respeito. E nesse aspecto, Jack London oferece
uma infinidade de temas que merecem ser comentados.
Antes de tudo destaco
que ele foi um dos escritores mais bem sucedidos do seu tempo, em qualquer
aspecto que se encare o sucesso. Foi, por exemplo, o primeiro homem de letras a
conseguir imediata projeção internacional apenas em decorrência de suas
histórias. Foi, também, um dos raros que conseguiram ficar ricos (na verdade,
ficou milionário), vivendo apenas de Literatura. Escreveu muito, muitíssimo. E
sempre ficção. Só de romances, consegui catalogar vinte e dois que ele publicou.
Provavelmente, essa cifra é, somente, irrisória parcela do conjunto de sua obra
ficcional. De contos – sua especialidade – detectei só seis livros. Mas é
impossível contabilizar a quanto sua produção contística ascendeu. Há quem diga
que chega a alguns milhares. Exagero? Talvez. A maioria de suas histórias
curtas ele publicou em revistas.
Mas o que me chama a
atenção nos dados (muitos) que disponho sobre Jack London, não é propriamente
nada que se refira à sua carreira. São controvérsias a propósito do seu
“início” e de seu “fim”. Ou seja, do seu nascimento e a polêmica que cercou (e
ainda cerca) sua morte. O nome verdadeiro de Jack London é John Griffith
Chaney. Ele nasceu em São Francisco, na Califórnia, em 12 de janeiro de 1876.
Até hoje, passados 137 anos do seu nascimento, persiste ainda a dúvida sobre
quem foi seu pai biológico. A maioria dos biógrafos atribui essa paternidade ao
astrólogo William Chaney, que vivia, maritalmente, com a mãe do escritor, Flora
Wellman, na ocasião em que ela engravidou. Este, por seu turno, sempre negou
haver gerado esse (ou qualquer outro) filho, argumentando que não poderia
engravidar mulher alguma, porquanto era impotente.
O fato é que a mãe de
Jack London veio a público, quando o filho já era famoso, para dar sua versão.
Assegurou que foi, mesmo, engravidada por Chaney (o que este negou, até a sua
morte) e que este exigiu que ela abortasse. Como se recusasse a abortar, o
casal separou-se de vez. Quando a criança nasceu, Flora entregou-a à ex-escrava
Virgínia Prentiss para criá-la. Dois anos depois, todavia, ela voltou aos
cuidados da mãe biológica. Jack, pelo resto da vida, nutriu carinho especial e
profundo amor filial por essa generosa mulher singular que o acolheu após o
nascimento.
Flora Wellman casou-se
com John London, veterano da Guerra da Secessão, parcialmente inválido em
virtude dos ferimentos que recebeu quando soldado, que o criou como filho
legítimo. Mas, se Chaney não era o pai de Jack London, como sempre afirmou,
quem foi? Nunca se soube. Duvido que algum dia se saberá. E a controvérsia
persiste até hoje, com versões antagônicas dos vários biógrafos. Uns dizem que
Flora mentiu. Outros garantem que o mentiroso foi o astrólogo.
Se o nascimento do
nosso personagem sempre esteve (e ainda está) envolto em tanta controvérsia, o
que se refere à sua morte, não é diferente. A polêmica gira em torno de se ele
cometeu ou não suicídio. O atestado de óbito diz que sua morte foi em
decorrência de uremia. Contudo, sabe-se que o escritor, nos seus últimos
momentos, recorreu à morfina para suportar as terríveis dores causadas pelos
rins avariados. Suspeita-se que a verdadeira causa mortis tenha sido uma
overdose da droga. Há quem afirme que, se esta, de fato, se verificou, foi
acidental. A corrente majoritária, porém, garante que o excesso de morfina foi
aplicado propositalmente pelo escritor. Alguns biógrafos até descobriram, entre
a infinidade de contos escritos por Jack London, um em que o personagem “se
mata” exatamente da forma como o autor morreu: por overdose da droga. Por tudo
o que li a propósito, acredito que ele cometeu suicídio, em 22 de novembro de
1916, aos quarenta anos de idade.
Mas não são, apenas,
seu nascimento e sua morte que chamam a atenção, por parecerem coisas saídas da
cabeça de um delirante ficcionista, tão inusitados que chegam a parecer
inverossímeis. Vários outros episódios da sua vida parecem um enredo
exageradamente fantasioso de um conto ou de um romance de quinta categoria.
Jack London, por exemplo, participou da famosa “corrida do ouro”, que agitou a
Califórnia no século XIX. Não fez fortuna com o metal, mas fê-la com as
histórias que narrou desse período em seus romances e contos. As circunstâncias
de seus dois casamentos também dariam belo enredo. Como, igualmente, seu
envolvimento com plágio. Jack London foi acusado de “comprar”, a preço
irrisório, originais de escritores obscuros e utilizá-los, parcial ou
totalmente, como sendo seus. Ao cabo da leitura de suas biografias (li mais de
uma versão), fico na dúvida se o biografado foi um intelectual talentoso,
dinâmico e empreendedor ou se não passou de refinado malandro que nunca
desperdiçou oportunidades para enriquecer e estar sempre em evidência, sem se
importar com os meios empregados.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment