Quem vai pôr o sino no pescoço do gato?
Pedro J.
Bondaczuk
A proposta apresentada domingo pelo presidente da Costa
Rica, Oscar Arias, aos outros três governantes centro-americanos que conseguiu
reunir em San José, que tenderia a estabilizar a situação política na América
Central e levar a paz a essa atribulada região, lembra muito um conto infantil,
se não nos falha a memória do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, que
era muito dado em dizer, no século passado, as grandes verdades através desse
tipo de alegorias. É a que se refere a uma comunidade de camundongos, que vivia
ameaçada por um gato feroz e maldoso.
Certo dia os seus integrantes, cansados de viverem
aterrorizados, resolveram realizar uma assembléia para traçarem uma estratégia
comum de defesa. Lutar com o adversário seria impossível, dada a sua maior
força. Capitular, seria morte certa. Só restava a opção de saber com exatidão
quando o inimigo estava chegando, para que todos pudessem se refugiar e assim
escapar incólumes.
Mas como fazer isso? Afinal, o gato, em seus passos
sorrateiros, como bom felino que era, não fazia nenhum ruído que denunciasse a
sua aproximação, durante as suas surtidas, que estavam se tornando mais
freqüentes. Foi quando um camundongo, com ares de intelectual, teve uma
brilhante sugestão. “Por que não colocar um sininho bem barulhento no pescoço
do inimigo? . Todos aplaudiram a inspirada idéia. Aliás, quase todos.
Um dos participantes da reunião, justamente o que parecia
o mais sonso de todos, que se manteve calado durante os debates, pediu a
palavra. E apresentou uma questão definitiva. Disse: “A idéia não deixa de ter
seus méritos. Resta saber, somente, quem vai colocar o sino no pescoço do
gato”.
Os presentes entreolharam-se, desenxabidos, cada um
retirando de si a responsabilidade. Depois, calados, todos foram saindo, de
fininho, sem que ninguém olhasse um para a cara do outro, diante da ausência de
algum corajoso para encarar a tarefa.
A proposta costarriquenha lembra muito essa historiazinha.
Todos os que acompanham razoavelmente o dia a dia da política internacional
sabem que a grande questão desestabilizadora na América Central, atualmente, é
a existência de um regime esquerdista na Nicarágua. Ninguém ignora que os
Estados Unidos consideram isto uma afronta, uma capitulação perante a União
Soviética, já que as superpotências estão habituadas a reduzir todos os
problemas mundiais ao seu confronto particular.
Por isso, Washington não admite sequer analisar a idéia da
continuidade do regime sandinista, não pelo menos enquanto este tiver qualquer
espécie de laço com Moscou. Os demais países têm que, necessariamente, dizer
amém a essa posição, mesmo que não concordem integralmente com ela, pois se não
o fizerem, ficarão sem a ajuda econômica dos Estados Unidos. E sem ela,
perecerão à míngua.
Pois foi nesse contexto que se decidiu colocar o “sino” no
pescoço do gato. É claro que isso foi decidido sem a presença do felino. Agora
chegou a hora da tarefa principal: quem deverá convencer o presidente
nicaragüense Daniel Ortega a aceitar o que foi pactuado? Honduras, “a priori”,
está fora dessa parada. Afinal, esse país, hoje, não passa de uma gigantesca
base norte-americana, além de abrigar os mercenários arrebanhados pela Casa
Branca, que Reagan vive chamado de “combatentes da liberdade”.
El Salvador tem uma desconfiança patológica dos
sandinistas, aos quais acusa de abastecer a guerrilha salvadorenha. Napoleón
Duarte, portanto, não tem motivos para colaborar. A Costa Rica, autora da
idéia, está sendo processada por Manágua na Corte Internacional de Justiça de
Haia, por emprestar o seu território a facções rebeldes.
Resta a Guatemala, cujo presidente prefere manter-se na
cômoda e cálida neutralidade, que não desgasta ninguém. Quem, portanto, irá
colocar o sino no pescoço do gato? Restam somente os “marines” dos Estados
Unidos, que na verdade, se assumirem a tarefa, preferirão o caminho mais rápido
e definitivo. Ou seja, darão cabo do felino.
(Artigo publicado
na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 19 de fevereiro de 1987).
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