Friday, March 07, 2014

Quem vai pôr o sino no pescoço do gato?


Pedro J. Bondaczuk


A proposta apresentada domingo pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias, aos outros três governantes centro-americanos que conseguiu reunir em San José, que tenderia a estabilizar a situação política na América Central e levar a paz a essa atribulada região, lembra muito um conto infantil, se não nos falha a memória do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, que era muito dado em dizer, no século passado, as grandes verdades através desse tipo de alegorias. É a que se refere a uma comunidade de camundongos, que vivia ameaçada por um gato feroz e maldoso.

Certo dia os seus integrantes, cansados de viverem aterrorizados, resolveram realizar uma assembléia para traçarem uma estratégia comum de defesa. Lutar com o adversário seria impossível, dada a sua maior força. Capitular, seria morte certa. Só restava a opção de saber com exatidão quando o inimigo estava chegando, para que todos pudessem se refugiar e assim escapar incólumes.

Mas como fazer isso? Afinal, o gato, em seus passos sorrateiros, como bom felino que era, não fazia nenhum ruído que denunciasse a sua aproximação, durante as suas surtidas, que estavam se tornando mais freqüentes. Foi quando um camundongo, com ares de intelectual, teve uma brilhante sugestão. “Por que não colocar um sininho bem barulhento no pescoço do inimigo? . Todos aplaudiram a inspirada idéia. Aliás, quase todos.

Um dos participantes da reunião, justamente o que parecia o mais sonso de todos, que se manteve calado durante os debates, pediu a palavra. E apresentou uma questão definitiva. Disse: “A idéia não deixa de ter seus méritos. Resta saber, somente, quem vai colocar o sino no pescoço do gato”.

Os presentes entreolharam-se, desenxabidos, cada um retirando de si a responsabilidade. Depois, calados, todos foram saindo, de fininho, sem que ninguém olhasse um para a cara do outro, diante da ausência de algum corajoso para encarar a tarefa.

A proposta costarriquenha lembra muito essa historiazinha. Todos os que acompanham razoavelmente o dia a dia da política internacional sabem que a grande questão desestabilizadora na América Central, atualmente, é a existência de um regime esquerdista na Nicarágua. Ninguém ignora que os Estados Unidos consideram isto uma afronta, uma capitulação perante a União Soviética, já que as superpotências estão habituadas a reduzir todos os problemas mundiais ao seu confronto particular.

Por isso, Washington não admite sequer analisar a idéia da continuidade do regime sandinista, não pelo menos enquanto este tiver qualquer espécie de laço com Moscou. Os demais países têm que, necessariamente, dizer amém a essa posição, mesmo que não concordem integralmente com ela, pois se não o fizerem, ficarão sem a ajuda econômica dos Estados Unidos. E sem ela, perecerão à míngua.

Pois foi nesse contexto que se decidiu colocar o “sino” no pescoço do gato. É claro que isso foi decidido sem a presença do felino. Agora chegou a hora da tarefa principal: quem deverá convencer o presidente nicaragüense Daniel Ortega a aceitar o que foi pactuado? Honduras, “a priori”, está fora dessa parada. Afinal, esse país, hoje, não passa de uma gigantesca base norte-americana, além de abrigar os mercenários arrebanhados pela Casa Branca, que Reagan vive chamado de “combatentes da liberdade”.

El Salvador tem uma desconfiança patológica dos sandinistas, aos quais acusa de abastecer a guerrilha salvadorenha. Napoleón Duarte, portanto, não tem motivos para colaborar. A Costa Rica, autora da idéia, está sendo processada por Manágua na Corte Internacional de Justiça de Haia, por emprestar o seu território a facções rebeldes.

Resta a Guatemala, cujo presidente prefere manter-se na cômoda e cálida neutralidade, que não desgasta ninguém. Quem, portanto, irá colocar o sino no pescoço do gato? Restam somente os “marines” dos Estados Unidos, que na verdade, se assumirem a tarefa, preferirão o caminho mais rápido e definitivo. Ou seja, darão cabo do felino.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 19 de fevereiro de 1987).


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