Sunday, March 09, 2014

As hienas e os oportunistas


Pedro J. Bondaczuk


A situação política Argentina deteriora-se, visivelmente, no rastro das enormes dificuldades econômicas por que o país passa. Rumores de golpe, manifestações de rua e até a nefasta ação do terror voltam a se fazer presentes na vida desse povo, cansado de ver suas esperanças de dias melhores sendo, seguidamente, frustradas por periódicas ações golpistas dos militares.

Hoje, o clima na Argentina é muito diverso daquele vivido em dezembro de 1983, quando Raul Alfonsin assumiu o governo, prometendo resistir às cobranças da dívida externa por parte dos banqueiros internacionais e punir os responsáveis por um dos maiores genocídios já verificados em nosso continente, que foi a tristemente famosa questão dos desaparecidos.
Nos primeiros meses de seu mandato, o presidente resistiu o quanto pôde a ida do país ao FMI. Mas os credores da Argentina (que detém o terceiro endividamento externo da América Latina) fizeram pé firme. Disseram que não aceitariam outro avalista para o imenso crédito que possuem, de cerca de US$ 43 bilhões, que não fosse o Fundo Monetário Internacional.

Esse, para dar o seu aval, tem por norma fazer uma série de exigências, entre as quais o cumprimento de um programa de austeridade que afeta o grosso da população, justamente os que menos benefícios tiveram com os imprudentes empréstimos tomados no mercado financeiro internacional: os trabalhadores.

Alfonsin esbravejou, tergiversou, fez várias ameaças de declarar a Argentina em moratória unilateral, até que não teve outro recurso senão se dobrar à dura realidade. Acabou cedendo, até por falta de respaldo de outros países endividados, recorrendo ao FMI e aceitando, dessa forma, a duríssima dieta econômica imposta por essa entidade, cuja parte mais cruel é um contínuo achatamento salarial.

Os técnicos do Fundo garantem que essa providência se destina a diminuir a sanha consumista da população e trazer a inflação para baixo. Sintomaticamente, a receita em questão jamais mostrou resultados.

Entretanto, da mesma forma que já havia acontecido com o Brasil, as taxas inflacionárias permaneceram, teimosamente, em patamares altos, cresceram até, alcançando cifras que beiram os quatro dígitos. Um amigo, que esteve recentemente na Argentina, ficou chocado com a evolução dos preços nesse país. Muito mais acelerada, e com uma voracidade bem maior, no sentido de levar à erosão de qualquer planejamento doméstico, do que entre nós, no Brasil.

O comércio, conseqüentemente, declinou e ainda segue batendo sucessivos recordes de queda nas vendas. As indústrias, não tendo onde colocar seus produtos, lutam com dificuldades enormes para sobreviver. A Argentina, grande abastecedora mundial de alimentos, está beirando a bancarrota.

Numa situação de tamanha angústia e incerteza, é natural que surjam os descontentes. E, no seu rastro, que apareçam (ou reapareçam) as hienas extremistas, que riem dos esforços de um presidente democrata para restabelecer um pouquinho de equilíbrio no país e que exploram, em benefício de suas teses, francamente impopulares (e por isso impatrióticas), qualquer brecha que lhes é concedida.

Não há dúvida que a frágil democracia Argentina está correndo perigo. Não fosse assim, o presidente Raul Alfonsin não convocaria a população a se manifestar, como o fez na sexta-feira, contra soluções de força, que até hoje (e em lugar algum) nada solucionaram.

Conhecendo o retrospecto de tantas outras experiências semelhantes no passado, é cristalina demais a intenção dos grupos radicais, semeando a discórdia e dando uma conotação de desordem a qualquer desabafo popular.

Os argentinos têm que se acautelar nesta hora tão difícil que vivem. Precisam cerrar fileiras com o líder que eles próprios escolheram, num pleito magnífico e ordeiro, em outubro de 1983. Têm que dar a sua parcela de contribuição pra que o problema comum seja resolvido. E, sobretudo, os argentinos devem, a cada dia, aumentar mais e mais o respeito mútuo entre cada e entre todos os segmentos sociais, ajudando o presidente a conciliar os naturais conflitos de interesse, existentes em uma sociedade democrática, para que um regime de exceção não os extinga atrabiliariamente.

Isso é conviver democraticamente, pois, como disse o saudoso presidente Tancredo Neves, numa entrevista à imprensa, em 4 de março de 1978: “O que há de belo na democracia é que ela é uma conquista cotidiana”.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 30 de abril de 1985).


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