Friday, March 14, 2014

Espectro por trás do poder civil



Pedro J. Bondaczuk


O Chile, a partir de amanhã, ficará livre de uma ditadura militar, de 16 anos, que teve momentos trágicos em seu transcorrer. Alguns defensores do regime do general Augusto Pinochet apontam como o grande "trunfo" da sua gestão a situação econômica do país, com uma inflação relativamente baixa para os padrões latino-americanos, com a dívida externa controlada e com um crescimento auto-sustentado do Produto Interno Bruto. Todavia, se o panorama é tão maravilhoso como se pinta, a pergunta que fica no ar é: "Por que o eleitorado local não elegeu para a presidência o autor dessa proeza, Herman Buchi?". Ele foi candidato, em dezembro de 1989, competindo com o presidente que toma posse amanhã, Patrício Aylwin. E sua votação foi decepcionante para quem teria operado "maravilhas" financeiras.

Ocorre que o Chile pode estar numa situação econômica até que cômoda, mas sua população certamente não. A política adotada pelo chamado "Príncipe Valente" de Pinochet foi fortemente concentracionista. Os ricos ficaram milionários e os pobres desceram ao patamar da miserabilidade. A classe média, espremida entre os dois extremos, teve que fazer milagres para não desaparecer. Aylwin, ademais, vai assumir a presidência numa situação bem incômoda. Terá por sobre a sua cabeça o permanente espectro da presença de Pinochet, que mediante um artifício constitucional, continua detendo o comando supremo do Exército até 1998.

Quem pode garantir que à primeira crise que surgir --- e tais situações críticas são bastante prováveis numa sociedade por tanto tempo reprimida e que não teve um período de transição entre um governo militar e um civil --- o veterano general não cisme de retomar as rédeas do comando nacional em suas mãos? Seria, é verdade, um fato inédito, o de um caudilho que deixou o poder, retornar a ele mediante o mesmo expediente da força que o levou ao palácio presidencial pela primeira vez.

Todavia, tal possibilidade existe e é até bastante plausível. Por essa razão, manda a prudência que a sociedade chilena pense numa ampla reconciliação nacional. Que não promova uma "caça às bruxas" para punir os excessos cometidos pelos militares nos últimos 16 anos e seis meses. Afinal, eles estão fora do governo, mas não do poder. Estejam certos que Pinochet marcará a sua presença, sempre que puder, para lembrar seus opositores disso. Os uruguaios, em plebiscito, optaram pelo caminho da pacificação e se deram bem. Que isso sirva de lição ao Chile.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 10 de março de 1990)


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