Espectro
por trás do poder civil
Pedro J. Bondaczuk
O Chile, a partir de amanhã, ficará livre de uma
ditadura militar, de 16 anos, que teve momentos trágicos em seu transcorrer.
Alguns defensores do regime do general Augusto Pinochet apontam como o grande
"trunfo" da sua gestão a situação econômica do país, com uma inflação
relativamente baixa para os padrões latino-americanos, com a dívida externa
controlada e com um crescimento auto-sustentado do Produto Interno Bruto.
Todavia, se o panorama é tão maravilhoso como se pinta, a pergunta que fica no
ar é: "Por que o eleitorado local não elegeu para a presidência o autor
dessa proeza, Herman Buchi?". Ele foi candidato, em dezembro de 1989,
competindo com o presidente que toma posse amanhã, Patrício Aylwin. E sua
votação foi decepcionante para quem teria operado "maravilhas"
financeiras.
Ocorre que o Chile pode estar numa situação
econômica até que cômoda, mas sua população certamente não. A política adotada
pelo chamado "Príncipe Valente" de Pinochet foi fortemente
concentracionista. Os ricos ficaram milionários e os pobres desceram ao patamar
da miserabilidade. A classe média, espremida entre os dois extremos, teve que
fazer milagres para não desaparecer. Aylwin, ademais, vai assumir a presidência
numa situação bem incômoda. Terá por sobre a sua cabeça o permanente espectro
da presença de Pinochet, que mediante um artifício constitucional, continua
detendo o comando supremo do Exército até 1998.
Quem pode garantir que à primeira crise que surgir
--- e tais situações críticas são bastante prováveis numa sociedade por tanto
tempo reprimida e que não teve um período de transição entre um governo militar
e um civil --- o veterano general não cisme de retomar as rédeas do comando
nacional em suas mãos? Seria, é verdade, um fato inédito, o de um caudilho que
deixou o poder, retornar a ele mediante o mesmo expediente da força que o levou
ao palácio presidencial pela primeira vez.
Todavia, tal possibilidade existe e é até bastante
plausível. Por essa razão, manda a prudência que a sociedade chilena pense numa
ampla reconciliação nacional. Que não promova uma "caça às bruxas"
para punir os excessos cometidos pelos militares nos últimos 16 anos e seis
meses. Afinal, eles estão fora do governo, mas não do poder. Estejam certos que
Pinochet marcará a sua presença, sempre que puder, para lembrar seus opositores
disso. Os uruguaios, em plebiscito, optaram pelo caminho da pacificação e se
deram bem. Que isso sirva de lição ao Chile.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do
Correio Popular, em 10 de março de 1990)
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