Tirania
sustentada na força
Pedro J. Bondaczuk
O mês de junho passado, na Coréia do Sul, caracterizou-se por uma
avassaladora onda de protestos estudantis contra a tentativa do presidente
desse país de tirar o nome do seu sucessor simplesmente do bolso do seu colete,
numa “ação entre amigos”, como sempre aconteceu nos 42 anos de independência
dessa República asiática.
Os atos públicos culminaram na aceitação, por parte do governo, de mudar
(finalmente) as regras viciadas desse jogo político. Mas a violência deixou um
mártir, o universitário Lee Hwan-Yul, de 21 anos, morto após ser atingido na
cabeça por uma bomba de gás lacrimogêneo.
Agosto, por outro lado, caracterizou-se por
protestos trabalhistas. Mais de três centenas de greves paralisaram, virtualmente,
a economia sul-coreana e tornaram a levar inquietação à população local. Como
no caso anterior, o dos estudantes, alguém levou a pior na briga. E este foi o
operário Lee Suk-Kyu, de 24 anos.
Coincidentemente, além do prenome idêntico ao do
universitário que morreu em junho, neste caso a causa mortis também foi igual. Ou
seja, uma bomba de gás lacrimogêneo, que atingiu a cabeça do manifestante,
fazendo com que ele perdesse um olho e, posteriormente, a vida.
Nos dois episódios, portanto, (e em tudo o que já
aconteceu de ruim na Coréia do Sul nos últimos tempos), está a força de
repressão, criada para manter a ordem, mas que tem sido o maior fator de
desordem do país. E é isso o que os sul-coreanos também desejam mudar, entre
outras tantas coisas. Ou seja, esta forma insensata da população ser tratada
pelas autoridades, como se cidadãos adultos, cultos e produtivos, precisassem
de permanente tutela, a poder de cassetetes e gás lacrimogêneo, como se fossem
imbecis que apenas entendessem a linguagem da pancada.
É inútil o primeiro-ministro Kim Chung-Yul vir a
público com a mesma cantilena de todos os caudilhos deste século: a de que o
Estado-policial recorre à força para evitar o perigo esquerdista (nos Estados
totalitários do Leste europeu a lenga-lenga é a mesma, só que o risco apregoado
é o de direita).
Deve haver alguma lei, na Coréia do Sul, contra
o abuso de poder. Pois que seja usada contra os que se excedem na repressão. Embora
os caudilhos jamais admitam, são os que abusam da violência, que arruína a
ordem pública e finda por cavar a sepultura dos seus hediondos regimes, que
fazem dessa prática covarde uma norma cotidiana.
O conceito mais elementar que existe sobre o
assunto foi expressado, a caráter, com extrema inteligência, por William
Shakespeare, no ato 2 da peça “Medida por Medida”, quando a personagem Isabela
diz: “É ótimo ter a força de um gigante; mas é uma tirania usá-la como um
gigante”.
(Artigo publicado na página 11, Internacional,
do Correio Popular, em 29 de agosto de 1987).
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