Figura hedionda
Pedro J.
Bondaczuk
A figura hedionda do torturador,
que se julgava em vias de extinção com os progressos verificados no campo do
Direito e, principalmente, com o avanço
dos meios de comunicação neste século, denunciando, principalmente depois da
década de 20, as arbitrariedades cometidas, continua sendo uma sinistra
realidade.
Nunca, em tempo algum, se falou
tanto sobre direitos humanos como nos dias atuais. Mas, em raros períodos da
história dos povos eles foram tão desrespeitados, como têm sido agora. É
justificável e compreensível a ira, que ainda hoje desperta a lembrança das
atrocidades cometidas pelos nazistas, nos campos de concentração, durante os
anos da Segunda Guerra Mundial.
Poucas vezes se falou tanto, pelo
menos nas últimas três décadas, de Auschwitz, Birkennau, Bergen-Belsen e
Treblinka, quanto agora. Mas poucos, pouquíssimos denunciam, por exemplo, o que
ocorre hoje, neste exato instante, nos subterrâneos do presídio de Evian, no
Irã. Ou nos locais em que os temíveis “Tonton Macoutes” do Haiti torturam suas
indefesas vítimas. Ou falam o que quer que seja dos torturadores da prisão
militar turca de Diyaarbakir. E estes são alguns poucos, dos tantos locais de
tortura existentes mundo afora, que nos vêm de repente à memória.
Não é apenas lamentável (e
criminoso) que prisioneiros políticos ainda sejam torturados. É inconcebível
que eles ainda existam, e em países que querem posar de “democráticos”! Não se
admite que um homem seja preso apenas porque comete o “crime” de pensar! Porque
é através da razão que, aliás, é o que o diferencia dos irracionais (e,
portanto, é o seu distintivo) que ele pode discordar de atitudes atrabiliárias
dos poderosos. Ou se rebelar contra leis iníquas, elaboradas em seu nome, mas
que são ditadas ao talante de ditadores insensíveis.
Admitindo-se, porém, apenas por
hipótese, que a prisão política seja uma forma de autodefesa do Estado contra
os que atentem contra a sua existência (o que é inadmissível), não se concebe
que a um homem, privado do bem mais precioso de todo o ser vivente, a sua
liberdade, seja, ainda, acrescentada a punição da sua degradação. Que a sua
pessoa seja desrespeitada, achincalhada, conspurcada por alguém que, este sim,
mereceria, pela sua índole violenta, ser segregado do convívio social: o
torturador.
Em um terço dos países da
comunidade internacional ainda se pratica a tortura regular contra prisioneiros
políticos. Isso significa que em 53 sociedades nacionais o direito de pensar
não existe. Que seus infelizes habitantes têm necessidade, até como forma de
auto-preservação, de se manterem alienados, perpetuando o predomínio dos
tiranos e dos canalhas.
A ninguém assiste o direito de
oprimir, de humilhar, de enxovalhar pessoas dignas. E, pior ainda, é
inadmissível que esses homens sofram torturas de qualquer espécie por causa das
convicções que têm. Nenhum ser humano pode ser privado de sua liberdade por
aquilo que pensa, enquanto, pelo menos, seu pensamento não for traduzido em
alguma ação que atente contra os direitos dos semelhantes.
Como bem esclarece o mestre
Miguel Reale, no seu livro “Horizontes do Direito e da História”, com a
propriedade dos sábios: “Para o homem moderno, a liberdade é um valor que
necessariamente se inclui no ‘dever ser’ da personalidade. A concepção
universal de liberdade é uma expressão do conceito universal de pessoa, pela
consciência de que cada ser humano é precioso em si mesmo”.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 10
de maio de 1985).
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