Friday, March 21, 2014

Figura hedionda


Pedro J. Bondaczuk


A figura hedionda do torturador, que se julgava em vias de extinção com os progressos verificados no campo do Direito e, principalmente,  com o avanço dos meios de comunicação neste século, denunciando, principalmente depois da década de 20, as arbitrariedades cometidas, continua sendo uma sinistra realidade.

Nunca, em tempo algum, se falou tanto sobre direitos humanos como nos dias atuais. Mas, em raros períodos da história dos povos eles foram tão desrespeitados, como têm sido agora. É justificável e compreensível a ira, que ainda hoje desperta a lembrança das atrocidades cometidas pelos nazistas, nos campos de concentração, durante os anos da Segunda Guerra Mundial.

Poucas vezes se falou tanto, pelo menos nas últimas três décadas, de Auschwitz, Birkennau, Bergen-Belsen e Treblinka, quanto agora. Mas poucos, pouquíssimos denunciam, por exemplo, o que ocorre hoje, neste exato instante, nos subterrâneos do presídio de Evian, no Irã. Ou nos locais em que os temíveis “Tonton Macoutes” do Haiti torturam suas indefesas vítimas. Ou falam o que quer que seja dos torturadores da prisão militar turca de Diyaarbakir. E estes são alguns poucos, dos tantos locais de tortura existentes mundo afora, que nos vêm de repente à memória.

Não é apenas lamentável (e criminoso) que prisioneiros políticos ainda sejam torturados. É inconcebível que eles ainda existam, e em países que querem posar de “democráticos”! Não se admite que um homem seja preso apenas porque comete o “crime” de pensar! Porque é através da razão que, aliás, é o que o diferencia dos irracionais (e, portanto, é o seu distintivo) que ele pode discordar de atitudes atrabiliárias dos poderosos. Ou se rebelar contra leis iníquas, elaboradas em seu nome, mas que são ditadas ao talante de ditadores insensíveis.

Admitindo-se, porém, apenas por hipótese, que a prisão política seja uma forma de autodefesa do Estado contra os que atentem contra a sua existência (o que é inadmissível), não se concebe que a um homem, privado do bem mais precioso de todo o ser vivente, a sua liberdade, seja, ainda, acrescentada a punição da sua degradação. Que a sua pessoa seja desrespeitada, achincalhada, conspurcada por alguém que, este sim, mereceria, pela sua índole violenta, ser segregado do convívio social: o torturador.

Em um terço dos países da comunidade internacional ainda se pratica a tortura regular contra prisioneiros políticos. Isso significa que em 53 sociedades nacionais o direito de pensar não existe. Que seus infelizes habitantes têm necessidade, até como forma de auto-preservação, de se manterem alienados, perpetuando o predomínio dos tiranos e dos canalhas.

A ninguém assiste o direito de oprimir, de humilhar, de enxovalhar pessoas dignas. E, pior ainda, é inadmissível que esses homens sofram torturas de qualquer espécie por causa das convicções que têm. Nenhum ser humano pode ser privado de sua liberdade por aquilo que pensa, enquanto, pelo menos, seu pensamento não for traduzido em alguma ação que atente contra os direitos dos semelhantes.

Como bem esclarece o mestre Miguel Reale, no seu livro “Horizontes do Direito e da História”, com a propriedade dos sábios: “Para o homem moderno, a liberdade é um valor que necessariamente se inclui no ‘dever ser’ da personalidade. A concepção universal de liberdade é uma expressão do conceito universal de pessoa, pela consciência de que cada ser humano é precioso em si mesmo”.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 10 de maio de 1985).


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