Monday, March 03, 2014

Humor político na TV

Pedro J. Bondaczuk

O brasileiro, em geral, sempre teve um senso de humor dos mais refinados. Ao longo da história do País, adquiriu o hábito de transformar em anedota, ou marchinha carnavalesca, ou em “cartum” tudo o quanto o chateava. O Brasil enfrentou crises enormes, de várias naturezas, desde as econômicas às institucionais e esse povo maravilhoso invariavelmente encontrou, no meio da desgraça, motivos para riso.

Entretanto, os programas de humor da nossa TV não fazem justiça a essa veia humorística, natural, do brasileiro. Desde 1950, prendeu-se a fórmulas rígidas, geralmente calcadas nas que fizeram sucesso no rádio, especialmente na Nacional do Rio de Janeiro, nas décadas de 40 e 50. Isto é, criaram “bordões” (que numa explicação simples, seriam uma espécie de “slogans”) para personagens imutáveis e repetiu-se o elenco de anedotas dos tempos do Império, fazendo, apenas, simples adaptações para a nossa época.

Nesses 34 anos de existência da televisão no Brasil, podemos contar nos dedos de uma só mão as inovações introduzidas nos programas humorísticos. Pela fineza de suas observações, pela extensa criação de tipos e por ser um grande observador da realidade nacional e das transformações por que passa a nossa sociedade, um nome ganhou destaqwue nos últimos 25 anos no meio televisivo, tornando-se uma das honrosas exceções diante da mediocridade que predomina no gênero. É claro que estamos nos referindo ao cearense Chico Anysio.

O seu personagem Justo Veríssimo, por exemplo, rmbora choque a gente com observações cínicas, é bem o retrato de determinado tipo de político que, desgraçadamente, existe por aí, mais interessado em obter vantajosas posições econômicas e sociais através da carreira pública do que em realizar a finalidade da sua função, ou seja, buscar a permanente melhora das instituições.

O humorismo desse cearense, embora tenha aquela malícia bem do tipo “Macunaíma”, característica brasileira, traz a fineza do clássico humor britânico. Ou seja, sem espalhafato, sem exageros, sem as grotescas caricaturas de tantos outros, que invadem os nossos lares confundindo humorismo com “chulice”.

Outro que deve ser destacado, embora seguindo uma linha mais caricatural, é o Jô Soares, que depois de uma ligeira queda de qualidade no ano passado, fez uma renovação de seus tipos, passou a variá-los mais e é, ao lado de Chico, uma das melhores coisas que temos em nossa TV.

Pois bem, segundo rumores que andam circulando, até com certa insistência, esses dois humoristas estariam, em razão de determinadas posições políticas assumidas, contrárias ao interesse de poderosas minorias, na iminência de serem tirados do ar. Aliás, no último programa do Jô, os telespectadores já sentiram a ausência do “Porta Voz”, uma das suas mais engraçadas caracterizações, dentre tantasa que o humorista criou.

As fontes de inspiração do humorismo, não somente no Brasil e nem na época atual, mas em todo o mundo e através do tempo, sempre foram a sátira política, as situações absurdas, os exageros e os defeitos que mais aborrecem as pessoas. Nessa última, sempre existiu uma enorme carga de discriminação e, por isso, ao nosso ver, ela não é saudável. Merece, portanto, condenação.

Os políticos mais célebres de nossa história, tais como Winston Churchill, Charles de Gaule, Ike Eisenhower, Joseph Stalin e Adolf Hitler, entre outros, foram temas permanentes para os humoristas, fossem eles atores, desenhistas ou mímicos. No Brasil, o ex-presidente Getúlio Vargas foi, ao lado de Juscelino Kubitschek, provavelmente um dos mais satirizados. Dizem os artistas da época que o “Gegê”, como era carinhosamente chamado, se divertia com isso. Narram as crônicas cariocas desse período, ocasião em que o Rio de Janeiro era a capital da República, que o político gaúcho não perdia uma única apresentação dos teatros de revista, sempre que a sua figura era o tema das gozações.

Recuando um pouco mais no tempo, o primeiro imperador do Brasil, Dom Pedro I, tinha os seus casos amorosos satirizados pelo povo e não ligava a mínima importância para isso. Tanto não se importava, que o seu companheiro mais constante era um popular compositor de modinhas humorísticas, apelidado de “Chalaça” cujo significado hoje corresponderia a gozação, e que não perdoava nem o monarca.

Portanto, cortar a sátira política da TV é o mesmo que sugerir ao telespectador que não assista mais a programas de humorismo. Vedar ao brasileiro esse canal de desabafo para o seu descontentamento, além de ser um exercício inócuo, pois o povo continuará criando as suas próprias piadas (isso já está no seu sangue), é uma demonstração de falta de espírito esportivo, para não dizer outra coisa.

Tirar do ar os dois melhores humoristas da atualidade, Chico Anysio e Jô Soares, equivale a extinguir o gênero em televisão. Por essas razão, não acreditamos muito que isso vá realmente ocorrer. A audiência, conforme escrevemos nesta coluna na semana passada, é uma questão de sobrevivência para as emissoras. E esses dois extraordinários humoristas, com suas respectivas equipes, refletem com precisão em suas sátiras o que o brasileiro pensa daquilo que nos está acontecendo neste momento importante da vida nacional.


(Comentário publicado na coluna Vídeo,  página 19, editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 15 de junho de 1984)

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