Sunday, March 16, 2014

Como nossas barbeiragens serão vistas no futuro?

Pedro J. Bondaczuk

O trânsito no Brasil, tanto o urbano, quanto o da deteriorada malha rodoviária nacional, continua detendo – e isto há vários anos – incômodo recorde: é um dos que mais pessoas matam, em acidentes, no mundo. E isso ocorre não porque o brasileiro seja mais frágil do que os motoristas de outros países, mais inábil, ou o que se costuma chamar na gíria, mais “barbeiro”. Talvez seja um pouquinho mais imprudente, quem sabe, mas é algo que não posso garantir, já que não conheço como cidadãos de outras partes conduzem seus veículos motorizados. .

As causas das mortes no trânsito brasileiro são várias e vão desde o despreparo de determinados cidadãos para dirigir um automóvel (ou picape, ou van ou caminhonete, não importa), à absoluta inabilitação para tal. Prendem-se quer à falta de respeito às normas existentes, quer à situação calamitosa de muitas das nossas estradas, algumas transformadas em autênticas armadilhas de morte (Régis Bittencourt, por exemplo, entre outras). Amigos meus que estiveram na Europa e nos Estados Unidos rasgam elogios às estradas de rodagem dos países que visitaram, notadamente as norte-americanas, alemãs, belgas e francesas, entre outras.

No Brasil, campanhas de conscientização se sucedem, propostas são feitas, promete-se rigor no trato com os infratores (notadamente com motoristas alcoolizados que deveriam permanecer, sempre, quando estiverem nessa condição de embriaguez, longe do volante, mas não permanecem), mas as medidas acabam ficando, em sua maioria, apenas no papel. Ou na retórica. Ou nem nisso. Por exemplo, o novo Código Nacional de Trânsito, que foi recebido com esperança            quando entrou em vigor, praticamente não reduziu em nada os escandalosos índices de acidentes no trânsito. Por que? Porque não bastam, apenas, leis duras, se elas não forem cumpridas. E, entre nós... nem sempre elas são.

Enquanto isso, acidentes se sucedem, nas ruas, nas avenidas e nas pessimamente conservadas rodovias (com raras exceções) nacionais, ceifando vidas e mais vidas e incapacitando pessoas para o trabalho e para uma existência normal e sadia, sem nenhum tipo de dependência. Por isso, considero, por exemplo, o motorista profissional brasileiro um herói. Ele arrisca-se diariamente para fazer circular, por este território de dimensões continentais, a riqueza do País e, quando experiente, prudente e habilidoso, não se envolve em acidentes. É fato que nem todos são assim. Mas os que o são, merecem e têm o direito de serem protegidos. Infelizmente, não são.

A maioria das mortes por acidentes de carro no País acontece nas ruas das grandes cidades. É imputada a erros e imprudências dos motoristas em pelo menos 90% dos casos. Entre os fatores principais de desastres estão, reitero, o uso de álcool e de drogas, seguido da alta velocidade e de manobras perigosas. Quase 600 mil pessoas morreram nas ruas e avenidas das cidades (586.150) de 1960 a 1996, de acordo com levantamento feito há dezessete anos pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Não disponho de dados recentes, mas tenho certeza que são piores, muito piores do que estes que citei, a título de ilustração.

Existem motoristas que se transformam quando atrás de um volante. Cidadãos, em geral pacatos, tornam-se agressivos e irritadiços quando dirigem considerando, muitas vezes, uma simples ultrapassagem como ofensa pessoal. Alguns fazem de seus veículos autênticas armas ou válvulas de escape para frustrações. Outros, excedem-se no álcool ou usam drogas antes de dirigir. Há, ainda, os que se julgam pilotos e trafegam em velocidade muito acima da permitida, expondo suas vidas e as de terceiros a sérios riscos, com conseqüências em geral trágicas.

O leitor atento certamente está se perguntando, até um tanto perplexo: “o que as questões de trânsito têm a ver com Literatura?”. Têm muito! E não somente elas, mas tudo o que se refira a usos, costumes, comportamentos, gostos, moda, idiossincrasias e vai por aí afora, do nosso tempo. É o escritor que vai esclarecer o leitor do futuro como viveram (e como morreram) as pessoas da sua época.

No que se refere a transportes, por exemplo, se você ler, atentamente, os romances de Eça de Queiroz (foi o primeiro nome que me veio à mente), sobretudo “Os maias” e “A ilustre casa de Ramires”, saberá como nossos antepassados, do século XIX, se locomoviam, e por estradas muito piores do que as atuais, que sequer mereciam esse nome, via de regra meras picadas feitas por animais de carga. O mesmo pode ser encontrado nos enredos de Machado de Assis, por exemplo e outros escritores brasileiros do século XIX.

Da mesma forma que estranhamos quando lemos que o cientista francês, Pierre Curie, morreu vítima de atropelamento numa rua da Paris do início do século XX – e atropelado por uma carruagem! – os leitores dos nossos livros (caso lhes revelemos), dos séculos XXII, XXIII ou sabe-se lá quais, ficarão surpresos e talvez até incrédulos ao saberem da “carnificina” diária protagonizada por nossos motoristas do século XXI nas ruas, avenidas e rodovias.  Pense nisso. E, caso tenha seu automóvel, e seja seu condutor, acautele-se. Seja prudente. Evite ser inscrito nas trágicas estatísticas de acidentes no trânsito, quer como infrator, quer (e principalmente) como vítima. Caso contrário... não poderá, óbvio, relatar essa triste realidade do nosso cotidiano para seus leitores do futuro.


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