Sunday, March 02, 2014

Quem restará para apagar a luz?


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, na breve visita que realizou à Alemanha Oriental, para a comemoração do 40º aniversário de fundação do Estado germânico marxista, está levando, provavelmente, em sua bagagem, uma série de conselhos úteis ao seu colega Erich Honecker. O principal deles, certamente, refere-se à necessidade dos dirigentes de linha dura da RDA de promoverem uma reforma em seu sistema, suspendendo uma série de restrições, de caráter político, que pesa sobre essa sociedade.

E nem seria necessário nenhum aconselhamento para que a liderança local (se fosse um pouquinho mais consciente) percebesse que há algo de muito errado ali, ao invés de ficar atribuindo a enorme fuga em massa de seus cidadãos a possíveis campanhas ocidentais de aliciamento. É só enxergar o óbvio!

É claro que para o Ocidente o atual êxodo, que já atinge a cerca de 50 mil pessoas em menos de um mês, é um “prato cheio”. Afinal, por uma série de razões, o lado capitalista do mundo quer derrubar o sistema vigente na outra parte, na oriental, do Planeta.

Em primeiro lugar (para não dizer primeiríssimo), está a motivação econômica. Se houver um sistema de livre mercado no Leste, seus produtos terão ávidos potenciais consumidores, multiplicando os seus lucros e gerando milhares de novos empregos, para absorver seus cidadãos ociosos.

Outros motivos mais, como o militar, o político e até o religioso, podem ser mencionados. Mas a principal razão é de caráter sumamente financeiro. Todavia, não se pode atribuir a fuga em massa ao possível aliciamento ocidental. Ou, pelo menos, não somente a ele.

A chamada República Democrática Alemã, por exemplo, está longe, muito distante, de justificar seu próprio nome. Democracia é algo que virtualmente inexiste ali. Que representatividade da vontade popular pode ter um partido único? Será que é possível existir, em algum lugar, algum grupo social cujos componentes pensem exatamente igual, com uma homogeneidade absoluta?

Mas nem o mais ingênuo dos ingênuos seria capaz de acreditar nessa possibilidade! Ela não combina com a própria natureza humana, contraria toda a lógica. Ademais, o princípio da propriedade ainda é um forte estimulante à iniciativa individual. Se nos perguntarem se no Ocidente tudo é um mar de rosas, nós, e ninguém, teremos condições de responder afirmativamente, sem estarmos faltando com a verdade.

Mas não é o sistema ocidental que está errado, mas sim o seu funcionamento. O mesmo, contudo, não se pode dizer do lado oriental. Por isso, ou Honecker promove mudanças fundamentais na Alemanha Oriental, ou vai ocorrer ali o que Lech Walesa prognosticou ontem: “Não sobrará ninguém para apagar a luz”.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 7 de outubro de 1989).


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