Saturday, March 08, 2014

Dívida e democracia


Pedro J. Bondaczuk


O novo governo democrático do Uruguai, encabeçado pelo presidente Júlio Maria Sanguinetti, enfrentará, na próxima quarta-feira (apenas 26 dias após a posse presidencial) o seu primeiro grande teste. Será uma greve geral, em apoio aos trabalhadores têxteis, que reivindicam aquilo que todos os operários da América Latina querem: salários compatíveis com suas necessidades de sobrevivência.

Com toda a certeza, o mundo todo estará de olho na forma como o presidente colorado vai equacionar o problema. E irá medir o grau de confiança que os sindicatos uruguaios depositam nas autoridades que o próprio povo escolheu soberanamente nas urnas.

Esse episódio, somado a questões semelhantes que agitam a Bolívia, Peru, Equador e Colômbia vem mostrar o quanto o sucesso dos recém implantados regimes democráticos da América do Sul (e alguns um pouco mais antigos, como nos casos supra referidos) está intimamente ligado ao equacionamento de algo que é comum a todos os povos do hemisfério Sul. Ou seja, a imensa dívida externa, prevista para alcançar US$ 1 trilhão ao final de 1985. E principalmente a maneira ortodoxa (e desastrada) com que a questão vem sendo tratada nos grandes círculos financeiros internacionais.

Parece que os países desenvolvidos, do alto de sua recente prosperidade, muitas vezes conquistada às custas destes que eles, hoje, chamam de “perdulários e irresponsáveis”, perderam a sensibilidade. Criaram uma carapaça, semelhante à dos rinocerontes e não compreendem as implicações humanas das condições de usura que estabeleceram para reaver os capitais que emprestaram para financiar o desenvolvimento dos povos do Terceiro Mundo.

Não conseguem vislumbrar o interrelacionamento existente hoje entre os integrantes da comunidade internacional, pobres ou ricos, e que a instabilidade de alguns, fatalmente, mais dia menos dia, acabará atingindo, de alguma forma, a todos, colocando em risco o próprio sistema surgido nos idos de Bretton Woods.

Tanto quanto os inflexíveis banqueiros, que parecem ver apenas cifrões à sua frente, o agente deles, o Fundo Monetário Internacional, vem revelando uma inabilidade e uma inoperância a toda a prova. Principalmente com suas receitas ortodoxas e sem imaginação, que não resolveram ainda um único problema em qualquer dos países onde foi chamado a intervir, para que desse o seu aval, impondo em troca sua fórmula mágica, que só consegue mesmo é descapitalizar ainda mais os que nunca tiveram grandes capitais.

Isto é, dá dez centavos de esmola ao mendigo, com uma nota de um dólar e leva, de troco, não apenas o que deu, mas até o próprio chapéu do infeliz.

É necessário que os países industrializados reflitam sobre a advertência feita pelo presidente argentino, Raul Alfonsin, anteontem, na sede da Organização dos Estados Americanos, em Washington, e depois repetida no Congresso norte-americano.

Que ajudem os endividados a saírem do grande “imbroglio” em que se meteram, para assim se preservar a nascente experiência democrática que se verifica especialmente na América do Sul. Caso contrário, um dia tudo voará pelos ares, numa inexorável e inimaginável explosão social, que levará consigo os próprios interesses econômicos dos ricos, os deixando, perplexos, a “ver navios”.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 22 de março de 1985)

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