Dívida e democracia
Pedro J. Bondaczuk
O
novo governo democrático do Uruguai, encabeçado pelo presidente Júlio Maria
Sanguinetti, enfrentará, na próxima quarta-feira (apenas 26 dias após a posse
presidencial) o seu primeiro grande teste. Será uma greve geral, em apoio aos
trabalhadores têxteis, que reivindicam aquilo que todos os operários da América
Latina querem: salários compatíveis com suas necessidades de sobrevivência.
Com toda a certeza, o mundo todo estará de olho na
forma como o presidente colorado vai equacionar o problema. E irá medir o grau
de confiança que os sindicatos uruguaios depositam nas autoridades que o
próprio povo escolheu soberanamente nas urnas.
Esse episódio, somado a questões semelhantes que
agitam a Bolívia, Peru, Equador e Colômbia vem mostrar o quanto o sucesso dos
recém implantados regimes democráticos da América do Sul (e alguns um pouco
mais antigos, como nos casos supra referidos) está intimamente ligado ao
equacionamento de algo que é comum a todos os povos do hemisfério Sul. Ou seja,
a imensa dívida externa, prevista para alcançar US$ 1 trilhão ao final de 1985.
E principalmente a maneira ortodoxa (e desastrada) com que a questão vem sendo
tratada nos grandes círculos financeiros internacionais.
Parece que os países desenvolvidos, do alto de sua
recente prosperidade, muitas vezes conquistada às custas destes que eles, hoje,
chamam de “perdulários e irresponsáveis”, perderam a sensibilidade. Criaram uma
carapaça, semelhante à dos rinocerontes e não compreendem as implicações
humanas das condições de usura que estabeleceram para reaver os capitais que
emprestaram para financiar o desenvolvimento dos povos do Terceiro Mundo.
Não conseguem vislumbrar o interrelacionamento
existente hoje entre os integrantes da comunidade internacional, pobres ou
ricos, e que a instabilidade de alguns, fatalmente, mais dia menos dia, acabará
atingindo, de alguma forma, a todos, colocando em risco o próprio sistema
surgido nos idos de Bretton Woods.
Tanto quanto os inflexíveis banqueiros, que parecem
ver apenas cifrões à sua frente, o agente deles, o Fundo Monetário
Internacional, vem revelando uma inabilidade e uma inoperância a toda a prova.
Principalmente com suas receitas ortodoxas e sem imaginação, que não resolveram
ainda um único problema em qualquer dos países onde foi chamado a intervir,
para que desse o seu aval, impondo em troca sua fórmula mágica, que só consegue
mesmo é descapitalizar ainda mais os que nunca tiveram grandes capitais.
Isto é, dá dez centavos de esmola ao mendigo, com
uma nota de um dólar e leva, de troco, não apenas o que deu, mas até o próprio
chapéu do infeliz.
É necessário que os países industrializados reflitam
sobre a advertência feita pelo presidente argentino, Raul Alfonsin, anteontem,
na sede da Organização dos Estados Americanos, em Washington, e depois repetida
no Congresso norte-americano.
Que ajudem os endividados a saírem do grande
“imbroglio” em que se meteram, para assim se preservar a nascente experiência
democrática que se verifica especialmente na América do Sul. Caso contrário, um
dia tudo voará pelos ares, numa inexorável e inimaginável explosão social, que
levará consigo os próprios interesses econômicos dos ricos, os deixando,
perplexos, a “ver navios”.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do
Correio Popular, em 22 de março de 1985)
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