Friday, March 28, 2014

Revanche entre irmãos



Pedro J. Bondaczuk


A Índia e o Paquistão, que até 1947 formaram uma unidade territorial sob o domínio colonial britânico, estão em vias de travar a sua terceira guerra desde que os dois países se tornaram independentes. As duas anteriores foram vencidas pelos indianos. Na última, os paquistaneses acabaram sendo territorialmente mutilados, com a perda de sua parte Oriental que hoje é o Bangladesh. O "pomo da discórdia", como há 43 anos, continua sendo centralizado no Estado de Cachemira e Jammu, a única unidade federacionista de predominância muçulmana. Nova Delhi, evidentemente, pretende conservar essa área. Islamabad, por seu turno, deseja anexá-la ou, quando não, fazer com que ela obtenha a sua autonomia, como uma espécie de "troco" pelo que ocorreu em 1971, quando sofreu uma mutilação territorial.

Qualquer guerra, por mais limitada que seja, é um fator de desestabilização internacional, é óbvio. Mas o risco da eclosão de um conflito entre a Índia e o Paquistão se torna muito maior se levarmos em conta que ambos os países, na atualidade, ou possuem, ou estão prestes a desenvolver armas nucleares. Quem pode garantir que num momento de desespero, quando a sorte das batalhas estiver desfavorável e uma derrota for iminente, alguma das partes não recorrerá a esse recurso? Por isso, este é o momento para que as grandes potências, em especial as duas "super", Estados Unidos e União Soviética, intervenham na questão, jogando "água fria na fervura".

A questão de Cachemira é muito complicada, exige grande dose de paciência e muita negociação. Através das armas, todavia, jamais o problema irá encontrar alguma solução. Um conflito armado tenderá, somente, a produzir mais dor e sofrimento a duas comunidades nacionais fortes militarmente, mas economicamente frágeis. Jogará pelo "esgoto" os parcos recursos que ambos possuem para resolver as suas imensas carências, destruindo o pouco que já existe e que irá exigir, mais adiante, verbas para a reconstrução.

Acresça-se a isso o perigo do uso irresponsável por alguma das partes (ou por ambas) de uma única arma atômica que seja. As conseqüências, não somente para indianos e paquistaneses, mas para todo o mundo, de algo assim, podem ser simplesmente trágicas. Estranha-se que, mesmo com toda a movimentação militar da Índia e do Paquistão, registrada nos últimos dias, a comunidade internacional esteja passiva, somente à espreita, diante dessa ameaça, num período em que as dramáticas mudanças ocorridas no Leste europeu fazem vislumbrar uma era de paz, num século que já teve tanto sangue e violência.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 19 de abril de 1990)


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