Sucesso nas letras e
fracasso na vida
Pedro
J. Bondaczuk
O amante de Literatura,
tanto o leitor compulsivo, quanto o escritor – que é, geralmente, um “devorador
de livros” por excelência – tem, mesmo que não admita, determinado gênero
literário que é o seu preferido, sem desgostar, obviamente, dos demais. A
maioria, ao que me parece, opta pelo romance. Pelo menos é o tipo de livro mais
vendido e mais publicado mundo afora. Os apreciadores de poesia, todavia,
contam com um contingente apreciável, posto que um dia já foi muito maior do
que hoje é. Muitos, no entanto, ou por serem, digamos, “ansiosos” demais para
terem que ler textos enormes para descobrirem os finais dos enredos imaginados
pelo autor, ou pelas próprias virtudes dos contos, que são inúmeras, preferem
essas “histórias curtas”, sempre que bem escritas. É o meu caso, quer como
leitor, quer como escritor.
Elegi o gênero como
minha especialidade literária, embora em volume de textos produzidos, eu tenha
escrito muito mais crônicas e poesias do que contos. É questão mais de
“qualidade” do que de “quantidade”. Poucos escritores declaram, de público,
suas preferências, por receio de serem mal interpretados. Da minha parte, não
tenho esse tipo de escrúpulo. Entre os leitores habituais, os que lêem pelo
menos quatro livros em média por mês, raros são os que nunca leram algum texto
do francês Guy de Maupassant, mesmo que sua preferência não seja, propriamente,
o conto. Pudera! Esse escritor é considerado um dos maiores contistas de todos
os tempos, legando ao acervo da literatura mundial pelo menos 300 dessas
histórias curtas que tanto aprecio, todas de invejável qualidade artística.
Maupassant aventurou-se
por outros gêneros, como o romance, a novela e peças teatrais. Consagrou-se,
todavia, mesmo, foi como contista. Chegou a ser considerado o escritor mais
lido dos anos finais do século XIX, embora muitos contestem essa primazia. De
qualquer forma, foi, e continua sendo um dos preferidos dos leitores ao redor
do mundo. Foi, portanto, um vencedor incontestável no mundo das letras. Será,
porém, que o sucesso literário foi acompanhado pelo êxito na vida, como cidadão
e, principalmente, como ser humano? Bem... a julgar pela ocasião e pela forma
como morreu, a resposta é não!
Henry René Albert Guy
de Maupassant nasceu na cidade francesa de Fécamp em 5 de agosto de 1850. Sua
mãe era mulher de imensa cultura, mas de temperamento depressivo. Seu pai, era
um desses tipos de conquistadores tão comuns tempo e mundo afora, uma espécie
de Dom Juan, pulando de leito em leito, até que um dia abandou a mulher e o
filho, para viver novas aventuras amorosas. Guy... bem, seguiu o (mau) exemplo.
Desde a adolescência, envolveu-se em inúmeros casos com mulheres de todos os
tipos, principalmente com prostitutas. Tanto abusou, tanto se expôs, que...
adquiriu uma doença venérea. E a provavelmente pior na ocasião: a sífilis, de
difícil (e rara) cura na época. Isso aconteceu em 1884, quando o escritor mal
havia completado 34 anos de idade. A insidiosa moléstia foi o que determinou
seu futuro, interrompeu, precocemente, uma carreira que já era brilhante (e que
mesmo assim foi das mais vitoriosas) que poderia ter sido ainda mais gloriosa e
que,, de certa forma, lhe abreviou a vida..
Não se pode dizer que
Maupassant tenha sido suicida. Mas, também, paradoxalmente, não se pode afirmar
que não foi. A sífilis o expôs a uma doença nervosa oportunista, caracterizada
por angústias inexplicáveis, estremecimentos e alucinações. Ele era, todavia,
tão bom escritor, que conseguiu traduzir essas sensações, nos cada vez mais
raros períodos de lucidez, em contos magistrais, posto que assustadores, como
“O Horla” e, sobretudo, “E eles”. Oito anos após haver contraído a doença,
período caracterizado por intensos sofrimentos, Maupassant atentou contra a
própria vida, cortando a garganta. Sobreviveu, mas então já era um farrapo
humano, um quase vegetal. Morreu um ano depois, em 6 de julho de 1893,
completamente alheio à realidade, em um manicômio, na localidade de Tourville-sur-Arques,
sendo sepultado no cemitério de Montparnasse, em Paris.
Guy de Maupassant foi
um dos expoentes do Naturalismo. Situações psicológicas e críticas sociais
foram as principais vertentes temáticas de seus contos. O medo, todavia, sempre
foi sua grande paixão. Sua obra é impressionante, tanto em quantidade, quanto
em qualidade. Além dos mais de 300 contos, escreveu novelas, peças de teatro e
seis romances. Seus livros mais citados são: “Bola de sebo e outros contos de
guerra”, “O Horla e outros contos de terror”, “Bel-amigo”; “The diamond
Necklace” e “Simon’s Papa”. Não posso garantir, porém, que sejam os mais lidos,
ou os melhores. Todos que escreveu foram tão bons, que se torna praticamente
impossível estabelecer consenso sobre quais apresentam maiores qualidades
literárias.
Destaco, entre seus
contos (pelo menos são alguns dos meus preferidos): “E ele”, “O Horla”, “Bola
de sebo”, “Miss Harriet”, “O colar”, “Mademoiselle Fifi” e “Uma aventura
parisiense”. Para ser mais exato, todavia, esta relação deveria conter
trezentos títulos de histórias curtas, todas de tirarem o fôlego dos amantes do
gênero. A maioria, pelo menos, tirou o meu. Que pena que um gênio desse porte
tenha morrido tão cedo, aos 43 anos de idade, e ainda por cima, declarado louco.
Venceu nas letras, mas fracassou na vida. Não soube torná-la obra de arte.
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