Pragmatismo
ou cinismo?
Pedro J.
Bondaczuk
O bispo anglicano negro, Desmond Tutu, da África do Sul,
em um pronunciamento feito ontem, em uma rede de TV norte-americana, expressou
toda a sua decepção com o governo dos Estados Unidos, pela posição assumida
pelo presidente Ronald Reagan face à política do “apartheid”. Em se tratando de
um clérigo, acostumado, portanto, a lidar com pessoas de comportamento
altamente ético, não é de se estranhar que tenha se decepcionado com a forma
com que os políticos se conduzem.
Para estes, o pragmatismo
econômico sobrepuja qualquer postura moral. Ou seja, dos órgãos do corpo
humano, o que sequer faz parte dele (mas quase já se incorporou ao organismo,
tal é a sua vinculação com o homem), “o bolso”, é tocado muito mais sensivelmente
do que o cérebro, por exemplo. E isso é muito fácil de se demonstrar.
O bispo Tutu, que pela sua
coragem e determinação na luta pelo sagrado direito de igualdade entre seres
semelhantes, sem barreiras de cor, religião ou sexo, recebeu o Prêmio Nobel da
Paz no ano passado, fez uma indagação que deve ter incomodado a muito
telespectador norte-americano que assistiu sua entrevista.
Perguntou: “Como é possível se
impor, com tamanha facilidade, sanções econômicas à Nicarágua, ou à Polônia, e
nada fazer em relação à minoria branca da África do Sul?”. O que é obscuro para
o sacerdote, é muito fácil para qualquer um de nós entender.
Acontece que, no plano comercial,
os nicaragüenses nada significam para os Estados Unidos. O que têm eles a
oferecer à superpotência ocidental, que ela não possa obter, até com vantagens,
em outras fontes? Café? O Brasil tem fartura desse produto! Açúcar? A mesma
coisa! Os Estados Unidos podem adquirir, até ganhando um pouquinho no preço,
aqui, em nosso país e no ágil mercado europeu. Bananas? A Costa Rica tem essa
fruta com fartura!
Mas, em relação à África do Sul,
a coisa muda de figura. Os laboriosos “affrikaners” (e ninguém pode negar a
capacidade de trabalho dessa gente), construíram, em seu país, uma sociedade
quase auto-suficiente. Ele é, por exemplo, o maior exportador do mundo de ouro
e de pedras preciosas. Apenas esses dois minerais, pela altíssima cotação que
têm, dada a sua escassez, já seriam suficientes para dotar os sul-africanos de
uma economia sólida, capaz de comprar o que quer que precisem ou desejem. Até
mesmo consciências...
Centenas de empresas
norte-americanas e européias têm, na África do Sul, prósperas filiais. Isto é,
exploram, da mesma forma que o fazem os “affrikaners” brancos, a farta e
baratíssima mão-de-obra negra. Com isso, seus lucros chegam, proporcionalmente,
a ser bem mais altos do que nas respectivas matrizes.
Boicotar esse país, portanto,
equivaleria a desempregar milhares de pessoas nos Estados Unidos, na Alemanha
Ocidental e na Grã-Bretanha, por exemplo. Ou, para usar uma comparação
figurada, seria como fazer um assado da galinha que põe ovos de ouro.
E é nesta hora que o órgão mais
sensível do homem contemporâneo, o “bolso”, fala mais alto. Os escrúpulos são
deixados de lado, as autoridades resmungam alguns clichês surrados, sem
qualquer conteúdo mais substancial, e se sentem com as consciências
apaziguadas. Se é que estes seres robotizados, da era pré-apocalíptica,
apelidados de “humanos”, possuem, ainda, qualquer coisa que ao menos lembre isso.
Esta é a realidade dos tempos atuais, desta triste e deprimente era do
“salve-se quem puder”. O resto...Bem, não passa de mera poesia...
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 26
de julho de 1985).
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