Tradição e mudança
Pedro J. Bondaczuk
O
Partido Trabalhista britânico, o tradicional "Labour Party", acaba de
obter uma sensacional revanche da catástrofe eleitoral de 1979, quando Margaret
Thatcher derrotou James Calagham, e implantou um "reinado" conservador
de 18 anos. E a desforra veio de uma forma que nem o mais crédulo dos seus
membros poderia esperar. A vitória foi esmagadora, contundente, absoluta, a
maior da história dos últimos 150 anos da Grã-Bretanha.
Mas
esse trabalhismo que arrasou nas urnas não tem nada a ver com o de Harold
Wilson, por exemplo, ou, mais recentemente, com o de Neil Kinnock. Sua linha,
em especial no que se refere à economia, é nitidamente conservadora. Tanto, que
o novo primeiro-ministro, Anthony Charles Linton Blair, apregoou aos quatro
ventos, tanto durante a campanha, quanto na sua posse no número 10 da Downing
Street (a residência oficial dos chefes de governo britânicos), que a atual
política econômica seria mantida na íntegra.
O
que então vai mudar? Provavelmente nada. Ou possivelmente apenas o
"tom". John Major, ressalte-se, não foi derrotado por sua
incompetência administrativa. Raras vezes o país esteve em melhor situação ---
numa Europa assolada pelo desemprego e por graves problemas sociais --- do que
agora. Então, por que não conseguiu ganhar?
Perdeu
por ser politicamente tímido (ou talvez inapto). Por não ter o talento de
aglutinar os membros do partido (sob a sua liderança até anteontem, quando
anunciou sua renúncia). E pelos vários escândalos que marcaram a sua
administração (o da "vaca louca", os de corrupção de vários ministros
do seu gabinete e os de casos extraconjugais de parlamentares sob seu comando).
Interessante
é notar as contradições existentes nos currículos do vencedor das eleições e do
perdedor. Alguém desavisado, que desconheça a política britânica e que leia os
esboços biográficos de Tony Blair e de John Major, vai imaginar que o primeiro
é o conservador e o segundo o trabalhista.
O
líder do "Labour Party" --- agora o primeiro-ministro mais jovem da
história britânica (nasceu em 6 de maio de 1953) --- é oriundo da classe média
alta de Edimburgo, na Escócia. Estudou nas melhores escolas, freqüentou os
círculos mais sofisticados, não tem o perfil do sindicalista furimbundo que
acene com as teses socialistas. É o que hoje os jovens chamam de
"mauricinho".
É
doutorado em Direito pelo tradicional Saint John's College, na Universidade de
Oxford. Fez uma campanha bem ao estilo norte-americano, em que utilizou com
maestria sua imagem jovem, com boa aparência e um discurso fluente e moderno.
Não
é por acaso que está sendo comparado ao norte-americano Bill Clinton. Parece-se
com o presidente dos Estados Unidos até no nome (Linton). Como seu colega do
outro lado do Atlântico, também foi contestador nos tempos de estudante
universitário. Mas não contestava o sistema político. Tentava
"agredir" os costumes sociais de então. Talvez por simples modismo.
Preferia
"curtir" os Rolling Stones, ostentando uma vasta cabeleira, do que os
discursos de sindicalistas contra o "tatcherismo". John Major, por
outro lado, é de origem modestíssima. É filho de um ex-artista de circo, Tom
Ball. Passou a infância e adolescência em um bairro pobre de Londres, pode-se
dizer "barra-pesada", onde conviveu com imigrantes de diversas raças.
Foi lá que desenvolveu seus sentimentos anti-racistas. Jamais freqüentou uma
universidade.
O
ex-primeiro-ministro é o que os norte-americanos chamam (e valorizam) de
"self made man" (o homem que se faz sozinho). Tem o perfil, portanto,
dos trabalhistas, de quem luta, senão para o fim da divisão de classes, pelo
menos para que o abismo existente entre elas não seja tão profundo. No entanto,
desde os 16 anos, apaixonou-se pelas teses conservadoras.
Chegou
ao Parlamento, pela primeira vez, junto com a esmagadora vitória de Thatcher em
1979, depois de duas derrotas. Funcionário aplicado, disciplinado e eficiente
(embora politicamente opaco), foi galgando degrau por degrau, até chegar,
finalmente, ao topo: ao número 10 da Downing Street. A primeiro-ministro.
Blair
e Major, portanto, estão nos extremos (que nem sempre se tocam, pelo menos não
em política). Um, orador brilhante, bem apessoado, hábil no manejo do marketing
político e da mídia, cuja eficiência, no entanto, ninguém ainda conhece. O
outro, com discurso monótono, às vezes até patético, recatado e com método de
campanha discreto, embora administrador eficaz, competente e exato.
O
eleitor britânico achou que era hora de mudar... e mudou abruptamente. Optou
pela aparência, desprezando a substância. Só o tempo (o senhor da razão),
poderá dizer se fez a escolha correta.
(Artigo
publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 2 de maio de 1997)
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