Thursday, March 27, 2014

Tradição e mudança


Pedro J. Bondaczuk


O Partido Trabalhista britânico, o tradicional "Labour Party", acaba de obter uma sensacional revanche da catástrofe eleitoral de 1979, quando Margaret Thatcher derrotou James Calagham, e implantou um "reinado" conservador de 18 anos. E a desforra veio de uma forma que nem o mais crédulo dos seus membros poderia esperar. A vitória foi esmagadora, contundente, absoluta, a maior da história dos últimos 150 anos da Grã-Bretanha.

Mas esse trabalhismo que arrasou nas urnas não tem nada a ver com o de Harold Wilson, por exemplo, ou, mais recentemente, com o de Neil Kinnock. Sua linha, em especial no que se refere à economia, é nitidamente conservadora. Tanto, que o novo primeiro-ministro, Anthony Charles Linton Blair, apregoou aos quatro ventos, tanto durante a campanha, quanto na sua posse no número 10 da Downing Street (a residência oficial dos chefes de governo britânicos), que a atual política econômica seria mantida na íntegra.

O que então vai mudar? Provavelmente nada. Ou possivelmente apenas o "tom". John Major, ressalte-se, não foi derrotado por sua incompetência administrativa. Raras vezes o país esteve em melhor situação --- numa Europa assolada pelo desemprego e por graves problemas sociais --- do que agora. Então, por que não conseguiu ganhar?

Perdeu por ser politicamente tímido (ou talvez inapto). Por não ter o talento de aglutinar os membros do partido (sob a sua liderança até anteontem, quando anunciou sua renúncia). E pelos vários escândalos que marcaram a sua administração (o da "vaca louca", os de corrupção de vários ministros do seu gabinete e os de casos extraconjugais de parlamentares sob seu comando).

Interessante é notar as contradições existentes nos currículos do vencedor das eleições e do perdedor. Alguém desavisado, que desconheça a política britânica e que leia os esboços biográficos de Tony Blair e de John Major, vai imaginar que o primeiro é o conservador e o segundo o trabalhista.

O líder do "Labour Party" --- agora o primeiro-ministro mais jovem da história britânica (nasceu em 6 de maio de 1953) --- é oriundo da classe média alta de Edimburgo, na Escócia. Estudou nas melhores escolas, freqüentou os círculos mais sofisticados, não tem o perfil do sindicalista furimbundo que acene com as teses socialistas. É o que hoje os jovens chamam de "mauricinho".

É doutorado em Direito pelo tradicional Saint John's College, na Universidade de Oxford. Fez uma campanha bem ao estilo norte-americano, em que utilizou com maestria sua imagem jovem, com boa aparência e um discurso fluente e moderno.

Não é por acaso que está sendo comparado ao norte-americano Bill Clinton. Parece-se com o presidente dos Estados Unidos até no nome (Linton). Como seu colega do outro lado do Atlântico, também foi contestador nos tempos de estudante universitário. Mas não contestava o sistema político. Tentava "agredir" os costumes sociais de então. Talvez por simples modismo.

Preferia "curtir" os Rolling Stones, ostentando uma vasta cabeleira, do que os discursos de sindicalistas contra o "tatcherismo". John Major, por outro lado, é de origem modestíssima. É filho de um ex-artista de circo, Tom Ball. Passou a infância e adolescência em um bairro pobre de Londres, pode-se dizer "barra-pesada", onde conviveu com imigrantes de diversas raças. Foi lá que desenvolveu seus sentimentos anti-racistas. Jamais freqüentou uma universidade.

O ex-primeiro-ministro é o que os norte-americanos chamam (e valorizam) de "self made man" (o homem que se faz sozinho). Tem o perfil, portanto, dos trabalhistas, de quem luta, senão para o fim da divisão de classes, pelo menos para que o abismo existente entre elas não seja tão profundo. No entanto, desde os 16 anos, apaixonou-se pelas teses conservadoras.

Chegou ao Parlamento, pela primeira vez, junto com a esmagadora vitória de Thatcher em 1979, depois de duas derrotas. Funcionário aplicado, disciplinado e eficiente (embora politicamente opaco), foi galgando degrau por degrau, até chegar, finalmente, ao topo: ao número 10 da Downing Street. A primeiro-ministro.

Blair e Major, portanto, estão nos extremos (que nem sempre se tocam, pelo menos não em política). Um, orador brilhante, bem apessoado, hábil no manejo do marketing político e da mídia, cuja eficiência, no entanto, ninguém ainda conhece. O outro, com discurso monótono, às vezes até patético, recatado e com método de campanha discreto, embora administrador eficaz, competente e exato.

O eleitor britânico achou que era hora de mudar... e mudou abruptamente. Optou pela aparência, desprezando a substância. Só o tempo (o senhor da razão), poderá dizer se fez a escolha correta.


(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 2 de maio de 1997)


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