A vida vale mais
Pedro J. Bondaczuk
O
acordo entre os governos dos EUA e do Irã, que culminou com a libertação dos
reféns norte-americanos aprisionados pelos fundamentalistas muçulmanos em
Teerã, levanta de novo uma velha e controvertida questão. Devem as autoridades
oficiais de um país negociar com seqüestradores e terroristas em geral, para
evitar a imolação de vítimas inocentes? Alguns acham que sim. Outros entendem
que não. Não há consenso a respeito.
Certos
governos colocam a segurança e a vida dos reféns sempre em primeiro plano. E
têm negociado quando necessário e possível com os captores. Esse é o caso dos
EUA. Pelo menos foi o que Washington demonstrou na recém-finda crise com o Irã.
Outros, porém, adotam uma posição inflexível a esse propósito. Deixam os
cativos entregues à própria sorte. Argumentam que negociar com terroristas
equivaleria a reconhecê-los. A conceder-lhes um status muito além do que eles
merecem.
Na
Itália, por exemplo, o governo tem por princípio não estabelecer negociações em
caso de seqüestro. Essa intransigência já custou aos italianos o sacrifício da
vida do seu ex-primeiro-ministro --- emérito professor de Direito Penal ---
Aldo Moro. Ele foi executado por guerrilheiros urbanos do Grupo Brigadas
Vermelhas, em maio de 1978, porque o gabinete se recusou até mesmo em cogitar
de manter qualquer contato com os seqüestradores.
Atitude
idêntica recente quase determinou também a morte do juiz Giovanni D'Urso,
seqüestrado em 13 de dezembro passado pelo mesmo grupo, em circunstâncias
parecidas com as do ex-premier. O magistrado escapou com vida do rapto. Não
pela benevolência do terror, mas por não
ser uma figura tão conhecida internacionalmente quanto Aldo Moro. E porque
alguns jornais italianos cederam à pressão dos brigadistas e publicaram
manifestos políticos do grupo. Cumpridos os seus objetivos propagandísticos, as
Brigadas libertaram ileso o juiz.
Até
que ponto um governo tem o direito de arriscar a vida de seus cidadãos para
conservar uma pseudodignidade, que de qualquer forma fica comprometida com a
simples ocorrência de um ato dessa natureza? Afinal, seu papel primeiro é
garantir a integridade, segurança e bem-estar do povo que lhe concedeu
legitimidade de poder.
O
simples fato de existirem grupos terroristas que se lhes opõem, valendo-se de
expedientes violentos, atesta o fracasso governamental em sua missão de bem
conduzir os destinos nacionais. Um governo que rege com justiça o seu povo
nunca se tornará passivo de uma oposição tão feroz, embora em geral de minoria.
O
fenômeno do terrorismo é muito mais antigo do que se deseja admitir. Mudaram as
motivações. As colorações ideológicas. Os métodos de ação. Enfim, os objetivos
agora são outros. Mas em essência, os guerrilheiros urbanos de hoje se
identificam --- principalmente quanto ao fanatismo e ao desamor à vida --- aos
anarquistas do fim do século passado e início do atual.
Nos
países em que eles atuam quase sempre há governos que decepcionaram os seus
povos. Tomaram o poder à força.
Cercearam as liberdades fundamentais dos cidadãos. Tornaram-se venais e
corruptos. Subornáveis e manejados por corporações econômicas, geralmente
apátridas, algumas erroneamente rotuladas de multinacionais. Falta-lhes a
credibilidade popular.
Decepcionados
com a imoralidade da vida pública, alguns jovens --- geralmente idealistas ---
partem para a ilegalidade. Buscam realizar --- de forma errada --- utópicos
sonhos igualitários, impossíveis de serem concretizados. Opõem à ilegalidade
oficial, dissimulada e abafada, mas implícita para todos, transgressões à lei.
Sob o pretexto de lutarem pela valorização da vida e da liberdade, se valem de
assassinatos e seqüestros. E distorcem preciosos valores humanos, numa
tentativa para justificar seusa injustificáveis atos.
O
ataque terrorista de Gavrilo Princip --- um estudante sérvio que assassinou o
arquiduque Francisco Ferdinando --- serviu de pretexto para a Primeira Guerra
Mundial. As ações do Al Fatah --- braço armado da Organização para a Libertação
da Palestina --- criaram oposições e antipatias em torno da justa causa desse
povo, despojado de suas terras e que em essência apenas busca não perder a sua
milenar identidade nacional.
Mais
ilegítimos do que os ataques cegos e irracionais das guerrilhas urbanas contra
pessoas inocentes --- embora nem sempre --- mais imorais do que os seqüestros e
atentados a bomba são, porém, as atitudes dos governos que se recusam a
negociar com elas. Porque, tendo meios de conservar a vida, a integridade e a
liberdade de alguns dos seus cidadãos --- que dada a sua fortuna, posição
social ou política ou projeção nacional se tornam alvos das ações do terror ---
não os acionam. E com isso tornam-se cúmplices de assassinatos brutais,
perfeitamente evitáveis, que enlutam toda uma sociedade nacional. Essa atitude
de omissão, sob o disfarce de defesa de princípios, é que infelizmente acaba
legitimando perante as massas ações sumamente ilegítimas.
Por
isso Jimmy Carter, pela humildade que demonstrou, pela sua elevada dose de
humanismo e caráter cristão, está de parabéns, por ter salvado a vida dos seus
52 compatriotas no Irã.
(Artigo
publicado na página 2, de Opinião, do Diário do Povo em 29 de janeiro de 1981)
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