Sunday, March 30, 2014

A vida vale mais


Pedro J. Bondaczuk


O acordo entre os governos dos EUA e do Irã, que culminou com a libertação dos reféns norte-americanos aprisionados pelos fundamentalistas muçulmanos em Teerã, levanta de novo uma velha e controvertida questão. Devem as autoridades oficiais de um país negociar com seqüestradores e terroristas em geral, para evitar a imolação de vítimas inocentes? Alguns acham que sim. Outros entendem que não. Não há consenso a respeito.

Certos governos colocam a segurança e a vida dos reféns sempre em primeiro plano. E têm negociado quando necessário e possível com os captores. Esse é o caso dos EUA. Pelo menos foi o que Washington demonstrou na recém-finda crise com o Irã. Outros, porém, adotam uma posição inflexível a esse propósito. Deixam os cativos entregues à própria sorte. Argumentam que negociar com terroristas equivaleria a reconhecê-los. A conceder-lhes um status muito além do que eles merecem.

Na Itália, por exemplo, o governo tem por princípio não estabelecer negociações em caso de seqüestro. Essa intransigência já custou aos italianos o sacrifício da vida do seu ex-primeiro-ministro --- emérito professor de Direito Penal --- Aldo Moro. Ele foi executado por guerrilheiros urbanos do Grupo Brigadas Vermelhas, em maio de 1978, porque o gabinete se recusou até mesmo em cogitar de manter qualquer contato com os seqüestradores.

Atitude idêntica recente quase determinou também a morte do juiz Giovanni D'Urso, seqüestrado em 13 de dezembro passado pelo mesmo grupo, em circunstâncias parecidas com as do ex-premier. O magistrado escapou com vida do rapto. Não pela  benevolência do terror, mas por não ser uma figura tão conhecida internacionalmente quanto Aldo Moro. E porque alguns jornais italianos cederam à pressão dos brigadistas e publicaram manifestos políticos do grupo. Cumpridos os seus objetivos propagandísticos, as Brigadas libertaram ileso o juiz.

Até que ponto um governo tem o direito de arriscar a vida de seus cidadãos para conservar uma pseudodignidade, que de qualquer forma fica comprometida com a simples ocorrência de um ato dessa natureza? Afinal, seu papel primeiro é garantir a integridade, segurança e bem-estar do povo que lhe concedeu legitimidade de poder.

O simples fato de existirem grupos terroristas que se lhes opõem, valendo-se de expedientes violentos, atesta o fracasso governamental em sua missão de bem conduzir os destinos nacionais. Um governo que rege com justiça o seu povo nunca se tornará passivo de uma oposição tão feroz, embora em geral de minoria.

O fenômeno do terrorismo é muito mais antigo do que se deseja admitir. Mudaram as motivações. As colorações ideológicas. Os métodos de ação. Enfim, os objetivos agora são outros. Mas em essência, os guerrilheiros urbanos de hoje se identificam --- principalmente quanto ao fanatismo e ao desamor à vida --- aos anarquistas do fim do século passado e início do atual.

Nos países em que eles atuam quase sempre há governos que decepcionaram os seus povos. Tomaram o poder à força.  Cercearam as liberdades fundamentais dos cidadãos. Tornaram-se venais e corruptos. Subornáveis e manejados por corporações econômicas, geralmente apátridas, algumas erroneamente rotuladas de multinacionais. Falta-lhes a credibilidade popular.

Decepcionados com a imoralidade da vida pública, alguns jovens --- geralmente idealistas --- partem para a ilegalidade. Buscam realizar --- de forma errada --- utópicos sonhos igualitários, impossíveis de serem concretizados. Opõem à ilegalidade oficial, dissimulada e abafada, mas implícita para todos, transgressões à lei. Sob o pretexto de lutarem pela valorização da vida e da liberdade, se valem de assassinatos e seqüestros. E distorcem preciosos valores humanos, numa tentativa para justificar seusa injustificáveis atos.

O ataque terrorista de Gavrilo Princip --- um estudante sérvio que assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando --- serviu de pretexto para a Primeira Guerra Mundial. As ações do Al Fatah --- braço armado da Organização para a Libertação da Palestina --- criaram oposições e antipatias em torno da justa causa desse povo, despojado de suas terras e que em essência apenas busca não perder a sua milenar identidade nacional.

Mais ilegítimos do que os ataques cegos e irracionais das guerrilhas urbanas contra pessoas inocentes --- embora nem sempre --- mais imorais do que os seqüestros e atentados a bomba são, porém, as atitudes dos governos que se recusam a negociar com elas. Porque, tendo meios de conservar a vida, a integridade e a liberdade de alguns dos seus cidadãos --- que dada a sua fortuna, posição social ou política ou projeção nacional se tornam alvos das ações do terror --- não os acionam. E com isso tornam-se cúmplices de assassinatos brutais, perfeitamente evitáveis, que enlutam toda uma sociedade nacional. Essa atitude de omissão, sob o disfarce de defesa de princípios, é que infelizmente acaba legitimando perante as massas ações sumamente ilegítimas.

Por isso Jimmy Carter, pela humildade que demonstrou, pela sua elevada dose de humanismo e caráter cristão, está de parabéns, por ter salvado a vida dos seus 52 compatriotas no Irã.

(Artigo publicado na página 2, de Opinião, do Diário do Povo em 29 de janeiro de 1981)


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